Ativista, dramaturgo e professor da Queen Mary University of London, Paul é uma das lideranças envolvidas na pesquisa “Construindo Pontes”
Por Tamyres Matos, em 25/08/2021 às 17h
Parceiro de longa data nas ações sociais realizadas na Maré, Paul Heritage conversa sobre o conjunto de favelas com familiaridade afetiva, mas, também, com significativo conhecimento de causa. O diretor da People’s Palace Projects é um dos líderes da pesquisa “Construindo Pontes”, que investigou a relação entre a violência armada e a saúde mental dos cerca de 140 mil moradores das 16 favelas.
“Minha parceria com a Eliana (Sousa, diretora da Redes da Maré) rendeu muitos projetos importantes ao longo dos anos. Um exemplo é o ‘Cidades saudáveis, seguras e com igualdade de gênero: perspectivas transnacionais sobre a violência urbana contra mulheres e meninas no Rio de Janeiro e em Londres’, que rendeu insights importantes e ficou conhecido como as ‘lições da Maré’’, relembra.
Com íntima relação com o universo cultural, o britânico acredita ser essencial fazer a ponte entre a arte e o desenvolvimento social. “Uma das características mais interessantes do estudo ‘Construindo Pontes’ é exatamente essa vivência prática da interdisciplinaridade, que é muito difícil de se alcançar. A arte também pode ser um instrumento de pesquisa, precisamos de todos os recursos que temos para falar e pensar saúde mental”, considera.
Mas como assim? O que arte tem a ver com taxas de sofrimento mental? O dramaturgo explica que os trabalhos artísticos atuam, especialmente, na amplificação das vozes das pessoas, do humano por trás dos números apresentados. Além disso, ele acredita que através da cultura é possível abordar perspectivas diferentes e ampliar o alcance das reflexões essenciais quando estamos falando da construção de políticas públicas.
“Os projetos culturais trouxeram pontos de vista que não apareceram em outras partes da pesquisa. Eles podem ser pensados como instrumentos qualitativos dela e trazem contradições e complexidades para o centro do debate. Por exemplo, ansiedade é um tema forte no slam (poesia). A fotografia dos moradores trouxe uma perspectiva totalmente diferente, mas sempre em diálogo com os resultados. O projeto de música com os frequentadores das cenas de uso (de drogas) trouxe uma perspectiva totalmente diferente. Sem os projetos culturais, os moradores seriam somente objetos do estudo, queremos que eles sejam sujeitos”, explica.
Saúde e o senso de comunidade
Ao ser questionado sobre o que espera da recepção da pesquisa por parte do poder público (seja no Brasil, no Reino Unido ou qualquer outra região), o professor da Queen Mary University of London relembra que é preciso que a comunidade esteja melhor informada e possa vencer ideias e preconceitos a respeito de saúde mental.
Para Paul, as famílias precisam de acolhimento em seus anseios para que possam ter um convívio próximo e constante com seus familiares adoecidos e a comunidade em sua totalidade também precisa ser mais tolerante com as diferenças.
“O mais importante é a compreensão de que a saúde mental envolve diversos aspectos da sociedade, como o acesso a serviços e o direito à circulação sem medo. Não se trata somente de uma luta individual”, pontua.
Rema Maré
Desdobramento do processo de realização da pesquisa “Construindo Pontes”, que durou três anos, a 1ª Semana de Saúde Mental – Rema Maré acontece até o dia 28 de agosto (sábado) e conta com diversas atividades culturais, debates e intervenções nas diferentes favelas que compõem a Maré. Na programação, diferentes ações e atividades artísticas e culturais decorrentes do projeto Construindo Pontes.
“É essencial que tenha vazão essa sensação de medo, essa violência subjetiva que marca o cotidiano da Maré e de tantas outras regiões marcadas pela violência armada. É possível abordar esses sentimentos e gerar conhecimento sobre eles através de projetos de música, fotografia para pensar a saúde mental”, conclui.