Na Maré, é tempo de se pensar a infância

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Iniciativa da Redes da Maré quer ampliar o debate sobre os primeiros anos de vida da criança

Maré de Notícias #129 – outubro de 2021

Por Edu Carvalho

Para o seu pleno desenvolvimento, uma criança deve experimentar, nos primeiros seis anos de vida, amor e muito estímulo. Com o objetivo de atender a estes pequenos que nasceu o projeto Primeira Infância Na Maré, desenvolvido pela Associação Redes de Desenvolvimento da Maré. A iniciativa busca o atendimento e acompanhamento de famílias que sofram violações de direitos, sempre buscando, a partir da produção de conhecimento sobre a realidade e a articulação territorial, gerar dados que serão usados para melhorar políticas públicas, como as que contemplam saúde e educação. 

 “Nós, enquanto projeto e instituição, temos pensado que o cuidado com a primeira infância é um tema que diz respeito ao acesso a direitos que atravessa o território. Isso porque pensar o cuidado com a primeira infância é uma experiência muito mais ampla do que considerar o que deve ser feito com a criança’’, aponta Ilana Katz, uma das coordenadoras do projeto. 

Quando se trata destes primeiros anos de vida, tão importante quanto o desenvolvimento da criança é pensar também como vive o núcleo familiar onde ela está inserida. “Se a rede de proteção social cumprir a prerrogativa constitucional de ter a criança como prioridade absoluta, isso faz que ela possa exercer o direito de ir e vir no espaço público – mas, para que isso aconteça, é preciso segurança pública. É necessário que o Estado, para proteger as crianças, seja capaz de oferecer condições estruturais para que suas famílias acessem seus direitos”, aponta Ilana.

Ao todo, 50 famílias são acompanhadas pelo projeto “Primeira Infância Na Maré” – Foto: Douglas Lopes

O ciclo de encontros abertos do projeto foi iniciado em junho e tem programação especial até dezembro. Ilana enfatiza que todos os assuntos discutidos na roda foram muito bem aceitos pelos participantes, além de provocarem reflexões posteriores. “Discuti-los nos deu oportunidade de legitimar as práticas de cuidado próprias da Maré e da experiência de favela, nos permitindo construir com as pessoas a compreensão da primeira infância para além da ideia de déficit e de falta centrada em vulnerabilidades individuais’’, diz. 

Ao todo, 50 famílias são acompanhadas pelo projeto, criando vínculos mais fortes no território e aumentando a variedade de estratégias para discussões e ações. “Temos investido sobretudo nos relatos das pessoas e na conexão dos adultos com sua experiência de infância. A intenção é criar espaços de escuta para os pequenos, além de promovermos intercâmbios mediados entre adultos e crianças, procurando também dar lugar para as práticas de cuidado inventadas por cada família’’, explica.

O objetivo final é manter um diálogo permanente com a comunidade, incentivando as pessoas a participarem e, assim, enriquecendo ainda mais as conversas, hoje restritas a profissionais que trabalham com o tema. A outra coordenadora do Primeira Infância na Maré, Tábata Lugão, esclarece dúvidas sobre o projeto através do email [email protected]. Para quem quiser participar, foi criado um formulário digital para inscrições: https://bit.ly/3m3tqxh.

“Nossos encontros abertos para formação sobre os temas que afetam a primeira infância começaram em junho deste ano e temos uma programação até dezembro. Reforçamos o convite a todos, pois esse é um espaço de trocas importante que vai além de quem trabalha com infância”, afirma Tábata.

Objetivo da iniciativa é manter um diálogo permanente com a comunidade e ampliar alcance do debate sobre a primeira infância – Foto: Douglas Lopes

Iniciativas cidadãs

Na Maré, entidades e instituições buscam ocupar o espaço deixado pelo poder público quanto ao acesso a direitos e cuidados fundamentais nos primeiros anos de vida. Um bom exemplo é o Projeto Uerê, uma escola-modelo com metodologia própria destinada a crianças e jovens entre quatro e dezoito anos.

Segundo Yvonne Bezerra de Melo, fundadora da iniciativa, ‘’as políticas para crianças no país não são robustas, infelizmente. Atuamos em áreas onde os governos são falhos. Damos qualidade de vida para milhões de crianças excluídas’’, diz.

Penalizadas pela criminalização do território, as crianças até seis anos são as que mais sentem os impactos da violência. ‘’A maioria chega traumatizada por todos os tipos de violência, o que faz com que tenham problemas de aprendizado’’, conta Yvonne, conhecida por, há mais de 23 anos, lutar pela infância nas favelas e periferias do Rio.

A mudança pode vir através do ensino da música, da tecnologia ou mesmo de esportes, como acontece na ONG Luta Pela Paz, que tem em sua grade aulas de boxe, jiu-jitsu, muay thai, capoeira e judô, além de reforço escolar e capacitação para jovens em busca de uma chance no mercado de trabalho. 

‘’De modo geral, o esporte oferece momentos de integração, alegria, amizade, respeito, entre outros fatores de suma importância para o desenvolvimento da criança, além de ensinar a importância do compromisso, da pontualidade, do respeito às diferenças, da resistência, de ganhar e perder’’, diz Roberto Custódio, coordenador esportivo da entidade.

Segundo ele, o problema crucial é a falta de investimento de base, para que os pequenos possam se desenvolver plenamente. ‘’Crianças e jovens encontram-se perdidos, sem estímulo, sem referências, sem saber que profissão ou esporte desejam seguir. Mas isso não é indicativo de ócio ou desinteresse, e sim de não ter um estímulo, conhecimento amplo das áreas, além de meios para alcançar o que se quer’’, lamenta.

Nesse sentido, foi criada a Rede Nacional Primeira Infância (RNPI). Ao reunir organizações da sociedade civil, governo e setor privado, o objetivo da rede é promover e garantir os direitos inerentes à Primeira Infância. “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”. O prazo para a implementação dos objetivos do Plano Nacional pela Primeira Infância se estende até 2022.

Quando se trata dos primeiros anos de vida, é essencial pensar não somente na criança como também na família com quem ela vive – Foto: Douglas Lopes

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