Quem anda ou pedala a caminho da UFRJ precisa ficar atento
Por Bianca Ottoni, Sthefani Maia e Hélio Euclides em 23/12/2021 às 11h30. Editado por Edu Carvalho e Dani Moura.
Um carro perde a direção, sobe a calçada e atinge um corredor que estava na ciclovia que liga a Maré à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), na Ilha do Governador. Essa cena não sai da cabeça de Celso Roberto de Lima, professor de Educação Física e coordenador do grupo de corrida Vício do Bem. Ele viu o atropelamento em agosto de 2020 que vitimou Rodrigo Leite, atleta e morador da Baixa do Sapateiro. Desde então nada foi feito para resolver a falta de segurança de quem utiliza a ciclovia.
Em novembro de 2021, mais um acidente aconteceu no mesmo local: o capotamento do carro de Mateus da Silva de Almeida, morador da Maré. O motorista passou dias internado e teve que ser submetido a uma cirurgia no tórax. Na ocasião, ninguém passava pela ciclovia. “Parece que o primeiro acidente não foi suficiente. O que percebemos é a imprudência, o descaso, e o abandono. O local é uma tragédia anunciada. Infelizmente a situação poderia ser melhor se investissem em prevenção”, diz Lima.
Para quem mora na Maré, a alternativa como local de caminhada, corrida e até andar de bicicleta sempre foi a Cidade Universitária. A ciclovia também é usada diariamente por estudantes e trabalhadores da Universidade. O professor de Educação Física conta que mesmo após os acidentes, nenhuma providência de proteção foi feita. “Esperamos desesperadamente que coloquem um guarda corpo no local e, se possível, que as famílias dos prejudicados sejam indenizadas pelo descaso. Mais de um ano do acidente anterior e não tivemos nenhum retorno concreto por parte da Prefeitura, Lamsa e UFRJ. Prometeram uma visita técnica que até agora não aconteceu.”
A Prefeitura Universitária informou que o trecho onde ocorreu os acidentes não pertence ao perímetro da UFRJ. A Lamsa declarou que apesar da ciclovia não integrar os domínios de concessão da Linha Amarela, está estudando possíveis ações para prevenção de acidentes e proteção da vida das pessoas que utilizam a região como local de passagem ou para prática esportiva.
Um melhor caminho para prática do ciclismo
Além dos corredores do Vício do Bem, outro grupo que utiliza a ciclovia da Cidade Universitária é o Bike Maré Livre, que Fábio Douglas participa. O ciclista utiliza a frequentemente a ciclovia. “Comecei a usá-la para praticar exercícios no início deste ano em meio à pandemia, já que não saí muito, e essa foi a maneira de realizar uma atividade. Somando-se a atividade física, descobri a possibilidade de circular e de me apropriar mais do conjunto da cidade”, diz.
Para Douglas, pedalar representa saúde. “Além de ser sustentável, me permitiu fazer exercícios com maior intensidade e sem maiores impactos para as articulações, diante do fato de estar acima do peso e de alguma forma estava sedentário.” Ele acredita que a cidade deveria investir na malha cicloviária, que hoje tem maior investimento no Centro, Zona Sul e Barra. “Nós que somos da Zona Norte, periferias e favelas temos que compartilhar as vias públicas com os carros, salvo casos raros de espaços, que nem sempre tem uma segurança pública que seja efetiva.”
O esportista afirma que os acidentes ocorrem porque os motoristas não respeitam o espaço do ciclista. Ele também menciona que as ciclovias nem sempre são seguras e tem a manutenção regular, trazendo riscos tantos para os ciclistas mais experientes quanto para os iniciantes. A solução indicada por Douglas é ocorrer uma articulação de atletas com o poder público buscando condições de segurança necessárias, como manutenção, iluminação, sinalização e policiamento efetivo.
“Os ciclistas da cidade dependem muito de ações educativas tanto para ciclistas quanto para motoristas e motociclistas, sem esquecer dos pedestres. Contudo, ainda vivemos numa cidade em que as políticas públicas não são efetivas para todos os setores e espaços”, comenta Douglas que ainda diz que é preciso uma valorização do ciclismo, como uma prática saudável para a saúde, educação e mobilidade urbana.
Uma cidade despreparada para pedalar
Há 20 anos na prática do ciclismo, Mário Takeo Hirabae mora há quase três quilômetros do centro de Campo Grande. “Como gosto de andar de bicicleta, foi se tornando um hábito por ser muito mais rápido do que ficar esperando o transporte coletivo muito precário e caro. Uma pena que as ciclovias são insuficientes e sem conservação,”diz o ciclista. expõe.
Muitas vezes é necessário dividir vias, dessa forma é importante o uso de equipamentos de segurança, como capacete, luvas e luzes. Sem esquecer de andar sempre pela mão certa na rua; preferindo as vias secundárias sempre que possível e principalmente respeitando as normas de trânsito. “O maior problema é a falta de respeito ao ciclista por parte dos condutores de carros. É preciso observar a distância lateral prevista no artigo 201 do Código Nacional de Trânsito, que é de um metro e meio.” Para isso, ele defende a demarcação do espaço do ciclista nas principais vias.
Hirabae, assim como Douglas, pensa que a cidade precisa pensar na segurança para os ciclistas. Isso evitaria a possibilidade de ser assaltado ou de ter a bicicleta furtada. Para evitar um prejuízo financeiro, Hirabae utiliza uma bicicleta simples e de menor valor para o dia-a-dia, quando está sozinho. Já em passeios, quando está em grupo de ciclistas, usa uma bike de melhor qualidade.
Uma trajetória de acidentes na cidade
Sustentável e acessível, a bicicleta tem estado cada vez mais presente como meio de transporte dos cariocas. Entretanto, acidentes graves envolvendo ciclistas também têm ocupado as notícias mais recentes. Em um levantamento realizado pela Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (Abramet), em agosto de 2021 foi registrado um aumento de 30% no número de acidentes graves envolvendo ciclistas no Brasil nos primeiros cinco meses do ano. Com registro de 1.451 acidentes graves envolvendo ciclistas, o índice supera a média de 1.185 casos mensais nos últimos dois anos.
De acordo com as análises da Abramet, o Rio de Janeiro apresenta em 2021 um aumento na taxa de ciclistas traumatizados de 28% e atinge o número de 296 casos. Quando avaliada a pesquisa de variação entre 2010 e 2019, os resultados são ainda mais alarmantes: o índice de ciclistas cariocas acidentados subiu para 94%. As informações expostas pela pesquisa intensificam a necessidade de entender as demandas dos ciclistas, de forma a proteger esse público e evitar o aumento de casos de atropelamentos.
Um dos episódios mais conhecidos envolveu o empresário Thor Batista, filho de Eike Batista, que atropelou Wanderson Pereira dos Santos na Rio-Petrópolis, em 2012. O atropelamento causou a morte do ajudante de caminhão que passava de bicicleta pela pista sentido Rio, na descida da serra, e foi atingido pela Mercedes-Benz do empresário. Thor chegou a ser condenado pela 2ª Vara Criminal de Duque de Caxias, mas os advogados recorreram e reverteram a situação.
Em dezembro de 2020, o jogador de futebol Márcio Almeida de Oliveira, conhecido como Marcinho, que jogou no Botafogo, atropelou o casal de professores Alexandre Silva de Lima e Maria Cristina José Soares. O acidente que causou a morte do casal aconteceu no Recreio, Zona Oeste do Rio de Janeiro. O jogador fugiu do local. Segundo a defesa de Marcinho, o casal teria atravessado fora da faixa de pedestres de forma repentina, provocando o acidente. No início de maio deste ano, a Justiça do Rio de Janeiro aceitou a denúncia de homicídio culposo do Ministério Público Estadual contra o jogador de futebol. Marcinho firmou em junho um acordo de R$ 200 mil aos quatro netos das vítimas, mas segue respondendo criminalmente pelo homicídio.
Também no Recreio, um ciclista foi atropelado e morto em janeiro deste ano. A vítima, Cláudio Leite da Silva, de 57 anos, era taxista aposentado e costumava pedalar diariamente pela via. O motorista João Maurício Correia Passos, capitão do Corpo de Bombeiros, fugiu do local. Segundo testemunhas, o motorista tinha bebido em um bar momentos antes do acidente, e antes do acidente chegou a bater em uma kombi, demonstrando sinais de consumo de álcool.
O caso mais recente ocorreu no dia 04 deste mês, quando Jonatas Davi dos Santos foi vítima de um atropelamento na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio de Janeiro, causando sua morte. O entregador de aplicativo, de 30 anos, estava trabalhando de bicicleta quando foi atingido pelo carro do jogador de futebol Ramon Ramos Lima, lateral-esquerdo do Flamengo. O atleta prestou socorro à vítima que não resistiu até a chegada ao hospital. Em depoimento, Ramon alegou ter sido surpreendido pelo ciclista, que atravessou a pista repentinamente. O caso foi registrado como homicídio culposo, quando não tem a intenção de matar. A investigação segue em andamento.
Uma pedra no meio do caminho
Além de casos de atropelamentos, os ciclistas estão expostos a outro perigo: falta de infraestrutura adequada. Apesar de ser a terceira cidade brasileira com maior extensão de ciclovias, com um total de 450 km, o Rio de Janeiro ainda precisa aprimorar o planejamento cicloviário. Hoje o espaço disponível é inadequado, há desconsideração dos pedestres no processo e casos de negligência nas construções realizadas.
Um episódio muito conhecido foi o da queda de trecho da ciclovia Tim Maia, localizada em São Conrado, zona sul do Rio, em abril de 2016, após ser atingida por uma ressaca. A ciclovia havia sido inaugurada três meses antes e, diante do desabamento que provocou a morte de dois ciclistas, foram realizados estudos que indicavam falhas no projeto. Segundo especialistas na ocasião, o trecho não foi projetado corretamente para suportar o impacto das ondas.
Só depois de quatro anos do desabamento, em agosto de 2020, a Justiça condenou os 15 réus no processo, entre eles, engenheiros e profissionais envolvidos na elaboração e execução do projeto. A pena de três anos, dez meses e 20 dias de prisão foi convertida para a prestação de serviços à comunidade. Vale relembrar que, mesmo após a tragédia, outros três desabamentos menores ocorreram em diferentes trechos da ciclovia Tim Maia ao longo dos anos.
A Maré sonhou com uma ciclovia que faria a ligação com a Cidade Universitária e Bonsucesso. No final de 2015, as ruas principais da Maré começaram a receber uma pintura chamada de ciclofaixa. Ao todo, foram gastos R$ 5 milhões para 18km de uma via especial para ciclistas. Passados seis anos, a tinta desapareceu do asfalto, ficando algumas placas de sinalização, bicicletários nas passarelas e um pequeno pedaço de ciclovia, que liga o Morro do Timbau a Vila dos Pinheiros, embaixo da Linha Amarela.
**Bianca Ottoni e Sthefani Maia, vinculados ao projeto de extensão Laboratório Conexão UFRJ, parceria entre o Maré de Notícias e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)