Por Alexandre dos Santos, em 04/01/2021 às 12h12
Na minha primeira e (até agora) única viagem à África do Sul bem que tentei ir à paróquia do reverendo Desmond Tutu para, ao menos, vê-lo de longe.
Durante a minha estadia, um dos meus heróis antiapartheid estava fora, se não me engano nos EUA, recebendo a medalha da Liberdade das mãos de ninguém menos que o presidente Barack Obama.
Não encontrei o reverendo Tutu, mas tudo, absolutamente tudo na África do Sul pós-apartheid estava “contaminado” pela sua tenacidade e incansável capacidade diplomática encarnar o velho ditado “água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”.
Com seus sermões espinhosos e o respeito e reconhecimento que conquistou por ter sido o primeiro arcebispo anglicano negro e o segundo prêmio Nobel da Paz sul-africano, em 1984 (o primeiro foi Albert Luthuli, em 1961, também pela luta antiapartheid), o reverendo Tutu corroeu por dentro a estrutura racista e segregacionista sobre a qual o Estado sul-africano havia sido construído.
Na década de 1980 a grande maioria dos líderes antiapartheid estava na prisão e Steve Biko, que representava a nova geração de líderes sociais, tinha apanhado até morrer na prisão, em setembro de 1977. Foi Tutu quem se manteve como uma bússola ética, inclusive impondo o peso da sua moral sobre os presidentes Pieter W. Botha – que começou a transição para o fim do apartheid – e Frederick de Klerk, que libertou Mandela, os demais prisioneiros políticos e estabeleceu as primeiras eleições realmente gerais e realmente livres na África do Sul.
Durante as presidências de Mandela e Tabo Mbeki, o reverendo assumiu a espinhosa tarefa de presidir a Comissão da Verdade e Reconciliação, responsável por elucidar crimes cometidos tanto por brancos quanto negros durante o apartheid (1958-1991). Foi ele quem cunhou a expressão “nação arco-íris” ao se referir à África do Sul como um país cuja identidade foi e é construída por seus inúmeros grupos étnicos.
Ao partir sobre essa ponte do arco-íris ele nos deixa uma série de lições sobre respeito, amor, acolhimento e empatia que precisamos reaprender.
Alexandre dos Santos é jornalista e professor de História do Continente Africano no Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio.