Vans e kombis são solução diária para passageiros que vivem na Maré

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Serviço complementar de transporte no Rio ainda precisa de ajustes para maior número de legalizações e oferecer mais segurança

Por Hélio Euclides, em 26/01/2022 ás 07h. Editado por Edu Carvalho

“Gol bolinha parado na (rua) Cardoso de Morais, em frente ao meia um”, passageiros e motoristas escutam mensagens como estas diariamente sobre a fiscalização da Prefeitura. São cooperativas de vans e kombis que um dia foram regularizadas como transporte complementar e hoje, depois de mudanças em gestões na Prefeitura do Rio, atuam na informalidade utilizando carros particulares e fugindo de apreensões. Na Maré, existem 16 linhas de vans externas, mas apenas cinco seguem os moldes traçados pela Secretaria Municipal de Transporte. Esse é o desenho do sistema modal alternativo na cidade do Rio de Janeiro.  

As vans e kombis regularizadas transitam em dois modelos: o Sistema de Transporte Público Local (STPL) e o Sistema de Transporte Público Comunitário (STPC), esse segundo também conhecido como Cabritinhos. Ao todo, os dois sistemas reúnem 3.680 veículos. A licitação foi realizada em 2016, mas não agradou a todos. Em 2019, os motoristas de vans da cidade fizeram protestos com reivindicações de conclusão de licitação para o transporte alternativo. No ano passado, em entrevista ao RJ2, da TV Globo, o prefeito Eduardo Paes admitiu falhas no sistema, que é preciso definir tecnicamente os roteiros complementares e completou que é preciso fiscalização para se cumprir regras nas linhas. 

Em reportagem do mesmo telejornal, a Rio Ônibus revelou que as vans são o principal sistema de condução da cidade, transportando até 60 milhões de passageiros por mês. Esse é o potencial de um sistema importante que faz parte da mobilidade urbana da cidade. A Maré é cercada pelas linhas Vermelha e Amarela e ainda pela Avenida Brasil. Mesmo assim, grande parte dos moradores não têm acesso a alguns pontos da cidade, como Zonas Sul e algumas áreas da Zona Norte. Com o tempo, algumas linhas de ônibus que circulam dentro da Maré foram desativadas. Hoje, apenas a linha de ônibus 919 faz ponto final na entrada da Vila dos Pinheiros, ligando a favela ao bairro da Pavuna. 

Os moradores da Maré precisam diariamente de transporte alternativo para se locomover. Isso é o que revela o fiscal, que não quis ser identificado de uma linha informal que sai de uma favela da Maré até Bonsucesso. “O transporte público no município está precário. Nós queremos ser legalizados, mas falta oportunidade. É preciso entender que os ônibus são dos empresários, mas a van é de propriedade de um pai de família. Nós levamos o morador da Maré á diversas áreas da cidade, por isso fazemos parte do dia-a-dia desse passageiro”, conta. O fiscal preferiu não mencionar a rota da cooperativa.  

Um motorista da Maré, que também não revelou o nome por não ser legalizado, reclama que se sente um criminoso ao fugir diariamente da fiscalização da Prefeitura. “Somos trabalhadores e prestamos um serviço à comunidade. Muitas vezes levamos moradores ao médico. Se parar o transporte alternativo vai fazer muita falta na mobilidade. Sou motorista há 27 anos nessa linha, que já foi regularizada, mas tivemos o documento cassado”, diz. Ele afirma que a linha existe por não existir ônibus fazendo esse serviço na Maré. 

Diálogo necessário no modal

A implantação do STPL permitiu que as vans fossem administradas e operadas como parte importante na mobilidade da cidade. Essa organização começou a partir de 2010, em diferentes regiões da cidade, a fim de reordenar a circulação de vans e kombis e de melhorar a fiscalização do serviço. O sistema está implementado em locais como Rocinha, Vidigal, Barra da Tijuca, Jacarepaguá e Maré, num total de 143 linhas. Já o STPC é o serviço de transporte comunitário, com itinerários definidos em mais de 20 favelas da cidade do Rio de Janeiro. São 100 linhas do serviço, ajudando regiões que não são atendidas por linhas de ônibus a fim de atender à necessidade de deslocamento de moradores de favelas como Morro da Pedreira, Rio D’Ouro, Parque Columbia, Manguinhos e Maré.

Valdete Pergentino, administradora da linha STPC Nova Holanda X Cachambi, antiga 818, acredita que o serviço é bem avaliado por usuários. “Temos um transporte que funciona e está fazendo a diferença, sendo em alguns lugares a única opção. Esse tipo de transporte dá acesso ao mareense ao lazer, ao comércio, à igreja e ao emprego”, comenta. Ela avalia a importância do sistema para a cidade. “Neste momento, com a dificuldade na escassez de ônibus, estamos salvando a galera. É claro que temos como em qualquer segmento alguns problemas, porém todos fáceis de resolver, só falta o apoio e a parceria da Prefeitura’’.

Como fiscal, a administradora pede um diálogo maior com a administração municipal. “A Prefeitura deveria ser mais acessível para os representantes da STPL e STPC, para discutir melhorias. O nosso futuro é sempre de incertezas, quando muda a gestão. Temos dificuldades por não termos isenção de impostos e facilidades na renovação de frota”, expõe. Uma das reclamações da Prefeitura junto às vans e às kombis é a recusa de gratuidade, algo que ela nega que aconteça na cooperativa, por defender que o passageiro é um parceiro.

Moradores acreditam que o transporte complementar é a única alternativa, como Alaine Santos, moradora da Vila dos Pinheiros que usa sempre as opções comunitárias. “Apesar de estar geograficamente posicionada entre as três principais vias urbanas do Rio de Janeiro, nós não temos acesso a transporte público regular circulando dentro da comunidade. Nossa opção de locomoção internamente são os mototáxis e para bairros próximos às vans. A alternativa de modais informais de transporte, especialmente o uso das vans para os principais pontos da cidade, tornou-se um facilitador e em muitos aspectos essencial para os moradores”, avalia. 

A mobilidade urbana na cidade não integra os modais e precisa de uma reestruturação. “A relevância não se dá apenas pela ausência do transporte público formal dentro da Maré, mas também pela superlotação dos ônibus e o medo de atravessar a passarela que fica nas proximidades do Conjunto Esperança e liga ao ponto de ônibus da Avenida Brasil. A passarela está inacabada, sendo um perigo. Esses motivos levam o uso das vans ser uma alternativa de locomoção e necessidade, já que a infraestrutura do sistema modal da cidade se encontra escasso”, conclui Santos. A Secretaria Municipal de Ordem Pública (Seop) declara que hoje as maiores reclamações por parte dos usuários do STPL e STPC são a recusa de gratuidade, transporte irregular e ponto irregular. Detalhou ainda que no território são regularizadas as linhas STPL: Maré X Bonsucesso, Vila dos Pinheiros X Bonsucesso e Vila do João X Bonsucesso, todas pelo Decreto 40.876. Outras duas linhas STPC: Roquete Pinto X Bonsucesso, na Resolução 3.331 e Nova Holanda X Cachambi, na Resolução 3.221. Por fim, afirmou que de acordo com a Secretaria Municipal de Transportes (SMTR), não há previsão de novas licitações.

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