Especialistas explicam o que são direitos sexuais e reprodutivos
Por Gracilene Firmino em 18/05/2022 às 07h
Desde muito pequenos somos ensinados que temos direitos — à saúde, à educação, à segurança, à vida. Mas existem direitos que são pouco ou nada discutidos e, principalmente, têm seu acesso facilitado à população — esse é o caso dos direitos sexuais e reprodutivos. Em agosto de 2021, por exemplo, veio a público a denúncia de mulheres que enfrentavam problemas para a colocação de dispositivo intrauterino (DIU); seus planos de saúde solicitavam a autorização dos companheiros para realizar o procedimento. Foi o que ocorreu com a moradora da Vila Pinheiro, na Maré, Agatha Ribeiro. A jovem encontrou dificuldades ao solicitar a implantação do DIU via sistema público de saúde, além de ser exigida, para o procedimento, uma autorização de seu então marido. Perguntada sobre o que são direitos sexuais e reprodutivos, ela admite as dúvidas: “Não sei bem o que é.”
A ginecologista e obstetra Ana Teresa Derraik, mestre em saúde da família e especialista em gestão de Saúde, explica o que são esses direitos. “Eles integram os direitos humanos. São pautados pela liberdade que cada pessoa tem de exercer sua sexualidade de forma plena, saudável e respeitosa, sem qualquer constrangimento, independentemente da sua identificação de gênero, da sua orientação sexual, da sua raça, grau de escolaridade ou classe social. A escolha autônoma sobre ter filhos ou não e o melhor momento para isso também compõem esse capítulo dos direitos humanos.”
A advogada Gabriela Rondon, pesquisadora do Anis — Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero, localizado em Brasília, explica que os direitos sexuais e reprodutivos englobam diversos campos, além dos citados acima. “Eles também significam acesso aos métodos contraceptivos (cabendo à pessoa escolher aqueles que são melhores para sua saúde), à proteção e ao tratamento de doenças sexualmente transmissíveis. Poder viver suas relações sem sofrer discriminação também faz parte desses direitos.”
A proteção contra a violência de gênero e até mesmo a violência doméstica também estão sob o guarda-chuva dos direitos sexuais e reprodutivos. Eles ainda são extensíveis à geração seguinte, pela garantia da subsistência para criar os filhos em espaços saudáveis e seguros, longe da violência urbana”.
Gabriela Rondon, pesquisadora do Anis
Direitos violados
Ana Teresa, que também é diretora médica do Nosso Instituto (ONG que promove direitos sexuais e reprodutivos) e da Derraik Mulher, uma clínica privada de ginecologia e obstetrícia, conta que esses direitos são violados de diversas formas, principalmente em se tratando das mulheres.
Isso acontece quando os recursos e instrumentos para o exercício pleno desses direitos não estão disponíveis ou são desconhecidos pela população. Um exemplo emblemático dessa violação é a falta de acesso à contracepção eficaz. Segundo a Organização Mundial de Saúde, 56% das brasileiras que engravidam todo ano não planejaram sua gestação. Esse dado estatístico ilustra uma flagrante violação do direito reprodutivo.”
Ana Teresa, diretora médica do Nosso Instituto.
Agatha Ribeiro, que tem 26 anos e dois filhos, é um exemplo claro da violação de direitos citada pela obstetra.
Eu queria realizar a ligadura das minhas trompas, mas me disseram que não poderia fazer por causa da minha idade e por que eu ‘poderia me arrepender’ ou algo assim. A verdade é que eu não quero mais filhos e nem ficar me enchendo de hormônios. Felizmente, consegui, por meio da Casa das Mulheres da Maré, colocar o DIU. Sou mãe solo e para tudo minhas filhas só contam comigo. Sei que não quero mais filhos e devíamos poder decidir isso. Inclusive fazendo a ligadura, se quiséssemos.”
Agatha Ribeiro, 26 anos, mãe de dois filhos.
Ana Teresa ressalta a importância de as mulheres terem conhecimento e acesso aos métodos contraceptivos que desejem. “Engravidar sem querer significa que a mulher não teve acesso ou não usava método contraceptivo indicado para ela, ou não foi bem orientada quanto ao seu uso correto (o que é essencial para evitar a gravidez). O DIU, por exemplo, faz parte dos contraceptivos disponíveis no SUS; no entanto, é muito difícil as mulheres encontrarem unidades de saúde onde de fato ele é oferecido.”
Aborto é um direito
Outra forma de violação é a falta de informação; o acesso a ela, segundo. Ana Tereza, é fundamental para a garantia de direitos. “Muito do que já foi conquistado não é divulgado. Como exemplo, cito o direito ao aborto legal em caso de estupro. Não é de conhecimento da população em geral que esse procedimento dispensa um boletim de ocorrência, e que a palavra da mulher (ou do homem trans) basta para que o procedimento aconteça na unidade de saúde que dispõe desse serviço.”
A obstetra lembra “que a relação sexual forçada ou imposta pelo marido ou pelo parceiro é estupro; se tem, como consequência, uma gravidez indesejada, essa gestação pode ser interrompida se for vontade da mulher. Em princípio, toda maternidade deveria contar com esse atendimento, mas não é o que ocorre na prática, evidenciando mais uma violação institucional desse direito.”
A violência obstétrica também está incorporada nessa lista.
A falta de um tratamento respeitoso, durante o pré-natal, na hora de parir ou no pós-parto impõe um sofrimento enorme durante um momento tão delicado. A gestante tem o direito de saber o passo a passo sobre a condução do seu parto, por exemplo. Tem direito a analgesia, seja ela medicamentosa ou não. Não pode ser constrangida e/ou humilhada de forma alguma. E, durante o trabalho de parto, toda mulher tem direito a um acompanhante de sua escolha.”
Ana Tereza, ginecologista.
Debate é fundamental
Gabriela Rondon ressalta a importância de falar sobre direitos sexuais e reprodutivos. “Precisamos trazer esse debate à tona para ver como melhor exigir respostas do Estado quanto a possíveis e recorrentes violações. São temas que atravessam a vida de todos nós de alguma maneira e dizem respeito a questões muito íntimas e fundamentais relacionadas à nossa vida, nossa felicidade, à construção de afetos e de cuidado em várias dimensões”, acredita a advogada.
Por sua vez, Ana Teresa aponta a necessidade de as mulheres conhecerem o assunto para que as violações diminuam.
A importância maior é pulverizar, espalhar a informação. Ninguém reivindica um direito que não sabe que tem. Precisamos contar, em alto e bom som, as conquistas que já temos, para que ninguém nos engane ou nos omita informações que podem ser decisivas em nossas vidas. Quanto mais soubermos sobre nossos direitos, mais fortes somos. Infelizmente, as mulheres ignoram muitos dos seus direitos. Se houvesse um conhecimento maior, acredito que teríamos menos violações e avançaríamos mais rapidamente em direção à conquista do que nos é devido.”