No dia 5 de junho, comemoramos o dia Mundial do Meio Ambiente, mês do Orgulho LGBTQIAP +, o que ambos têm a ver?
A pauta das “mudanças climáticas” tem tomado cada vez mais espaço em nosso dia a dia: com maior foco nas redes sociais de organizações que lidam com o tema, ativistas, além de programas de televisão e jornais chamando atenção para o assunto. Muito tem se pesquisado e discutido sobre isso e estamos em tempos decisivos quando a questão é a saúde do planeta e consequentemente de todos e todas nós. É fato que o planeta vai continuar vivo por muitos milhares de anos, mas nós vamos sofrer cada vez mais com os impactos dessas mudanças. Desigualdade social estruturante Entre mais de 100 países analisados em relatório do World Inequality Lab (Laboratório das Desigualdades Mundiais), que integra a Escola de Economia de Paris, o Brasil é um dos mais desiguais – depois da África do Sul, é o segundo com maiores desigualdades entre os membros do G20. As favelas e periferias evidenciam esse contexto desigual da sociedade brasileira em diversos níveis. A falta de estrutura das habitações promovem uma dificuldade histórica na garantia do bem viver dessas populações, por exemplo. O saneamento básico é um desafio enorme e no geral o que vemos são iniciativas organizadas pela sociedade civil para amenizar os danos causados. Garantir justiça climática e ferramentas para a diminuição dos efeitos climáticos são demandas urgentes, complementares e responsabilidade do Estado. Enquanto isso não acontece, as populações das favelas e periferias, pessoas em sua maioria, pretas e pobres, são as que mais sofrem com as mudanças climáticas. E não se trata de desinformação. Há 10 anos, por exemplo, essa pauta era bastante discutida entre os grupos mais elitizados da população, hoje entendemos que o debate é de todos e todas e que os esforços produzidos até aqui não garantiram a saúde e preservação da natureza.
Diversidade nos impactos
As periferias são múltiplas, dentro de cada uma existem grupos específicos e com desafios próprios. Até mesmo dentro do próprio Conjunto de Favelas da Maré existem demandas e questões peculiares a cada uma das favelas. A crise climática afeta a todas as pessoas, mas de maneiras distintas. Uma pessoa que pode garantir uma casa confortável, com acesso a áreas verdes, esgotamento e sistema de escoamento adequado em sua rua garante a uma diminuição nos impactos que a mesma sente na pele diariamente. A população LGBTQIA+ vive ainda mais à margem dessa realidade. São muitos os processos de invisibilidade e precarização da vida desses corpos. Marcela Ferreira, mulher bissexual, moradora do Parque Maré e auxiliar de vendas nos conta sobre a percepção dela quanto ao local em que vive: “As áreas verdes praticamente não existem, com isso prejudica no bem estar, quando está muito calor piora mais ainda a situação. Até mesmo pela poluição de uma das maiores vias (Av brasil) deixando o ambiente bastante desconfortável e insuportável de ondas de calor, na minha percepção o ambiente em que vivo na maré é precário, não consigo ter qualidade de vida, qualquer coisa que aconteça como chuvas e calor, sempre chegam com muita força e acaba prejudicando muito a saúde e a forma como vivemos aqui dentro.”
A taxa de desemprego ou emprego informal entre LGBTQIA+ no Brasil é cerca de três vezes maior que na população em geral, cenário que piorou durante a pandemia, segundo estimativa da Aliança Nacional LGBTI. Isso coloca essas pessoas em maior risco de pobreza, falta de moradia e exposição aos impactos das mudanças climáticas . Essas mudanças no clima afetam a saúde das pessoas também, como Marcela apontou, com os alagamentos o risco de contaminação aumenta, com a distribuição precarizada de alimentos os preços sobem e as pessoas não conseguem garantir mínima segurança alimentar e tudo isso está ligado com o cuidado desses corpos. Quando isso ocorre com os grupos invisibilizados, os impactos são ainda maiores pois há poucas chances de mudança dessa realidade. Durante o furacão Katrina, que assolou o sul dos Estados Unidos, em 2005, pessoas não binárias não tiveram acesso a serviços específicos de gênero e, assim, foram rejeitadas em abrigos de emergência e enfrentaram outros desafios para receber ajuda durante esforços de socorro e recuperação.
É preciso encontrar um lugar comum nas lutas
Ou seja, lutar pelos direitos da população LGBTQIA + está intimamente ligado à luta ambiental. Quando buscamos uma mudança profunda para a garantia do bem viver de todas as pessoas que vivem nesse planeta, incluímos as questões ambientais. É preciso entender que não estamos salvando ou preservando a natureza, se existem pessoas vivendo às margens de águas poluídas, sem esgotamento adequado, ou nas beiras das principais vias da cidade, sem áreas verdes para cuidar da qualidade do ar que elas respiram. O direito ambiental é básico, já que ele fala também da possibilidade de comida na mesa, água limpa e infraestrutura em todas as partes da cidade.
Pensar nesses recortes é muito importante para a construção de estratégias eficazes na luta por justiça climática, pois através dos saberes, experiências e encontro com os outros podemos pensar soluções que vão afetar diretamente o problema de cada grupo na sociedade. Sabemos que os modelos políticos e econômicos atuais precisam ser repensados, já que os mesmos não conseguem garantir a saúde do planeta e dos seres que vivem dentro dele de forma integral e igualitária. É preciso dar voz à cada pessoa, que vive em diferentes contextos, para que possamos pensar alternativas reais de enfrentamento desse problema.
Mariane Rodrigues, 28 anos, bissexual, cria da Maré e coordenadora de programa no eixo Direitos Urbanos e Socioambientais da Redes da Maré.