Espetáculo foi realizado no último sábado no Theatro Municipal
Por Lucas Feitoza*
Seria impossível para mim contar o que vem a seguir sem falar na primeira pessoa, nem narrar os acontecimentos da noite sem passar pelos do dia, por um em especial: comprei uma bicicleta, parece não ter nada de surpreendente nisso e de fato não tem quando ela é apenas mais uma, mas esta foi a minha primeira aos 23 anos de idade.
Acontece que quando eu era criança não tive uma bicicleta e cresci sem saber pedalar, assim como eu cresci pensando que nunca estaria no Jornal Nacional, porque não era bonito como o William Bonner. Ainda não estou lá de fato, mas estas memórias ressurgiram no último sábado, dia 24/07/22. Primeiro a bicicleta e depois a lembrança de um garoto de 7 anos que olhou para a televisão e não conseguiu se imaginar ali.
Esta última veio quando fui a um evento que eu não tinha nem roupas para ir. A Redes da Maré convidou a turma do Laboratório de Jornalismo do Maré de Notícias para um espetáculo/homenagem ao jornalista Dom Philip e ao indigenista Bruno Pereira no luxuoso Theatro Municipal do Rio de Janeiro, RJ, no Centro da capital carioca.
Depois do passeio com a bicicleta recém comprada, pelas travessas da Vila do Pinheiro, uma das favelas da Maré, tive mais uma alegria ao chegar sem problemas na Cinelândia. Assim que cheguei no Rio, vindo do interior da Paraíba, em 2016, eu me perdia no Centro. Mas ainda tinha mais por vir.
Encontrei-me com Dani Moura (coordenadora do Laboratório) Jorge Melo (editor do Maré de Notícias) e mais três pessoas que me foram apresentadas e sentamos para esperar o horário de entrada. Conversamos sobre política, e sobre Cococi – distrito do município de Parambu, na região do Sertão dos Inhamuns, no Ceará que foi tema de reportagem feita pela Dani sobre cidades fantasmas. Dani diz que sou herdeiro dessas terras pelo meu sobrenome, pois era latifúndio é da família Feitosa.
Entramos no Theatro pela lateral, Dani reconheceu algumas pessoas e me falou sobre elas, mas uma me chamou a atenção. Era uma senhora de postura elegante, parada, conversando com outra senhora também elegante. Tomei um susto quando percebi que estava diante de Fernanda Montenegro! Só a conhecia pela televisão e estar ali no mesmo espaço que ela, me paralisou. Mesmo assim, aceitei quando Dani quis nos apresentar.
Fernanda se mostrou admirada quando soube que sou morador na Maré. Não sei o porquê mas ficou emocionada quando falei da minha admiração por ela. Vi os seus olhos brilharem. Tenho certeza que os meus estavam brilhando também. Ela me interrompeu num momento e comentou “não sei porque os jovens gostam tanto de mim”. Na hora não soube responder mas hoje saberia. Conheço o trabalho dela desde criança. O primeiro filme que a vi atuando foi “O Auto da Compadecida” da obra de Ariano Suassuna e dali já fiquei fascinado . Até hoje ela segue encantando com seus trabalhos e seus posicionamentos diante de tudo que vêm acontecendo, Dani, mais objetiva que eu, resumiu tudo. “Porque você é maravilhosa!”
O tempo corria e eu não podia e nem queria perder a chance de registrar esse encontro. Fiz uma foto com ela, ou melhor, duas. Uma tremida porque ela puxou minha mão, para dirigir a foto, me levando pra luz. Estava tão nervoso que nem me liguei com a sombra que encobria parte da foto. Mas ela me corrigiu e colocou o meu celular no sentido certo. Todos iluminados.
Em seguida, Jorge Melo reencontrou Paulo Betti – ator e diretor brasileiro – que nos cumprimentou e ficou conversando conosco sobre a arquitetura eclética do Municipal. Betti estava tão à vontade que não quis ir quando a sua esposa o chamou para entrar…
Já mencionei a beleza e o luxo do Theatro mas queria destacar os espelhos e os detalhes em dourado, os mármores, os lustres e as vidraças com anjos desenhados que me fascinaram .
Entretanto, toda essa beleza, toda a alegria, os encontros, os brilhos, as palmas, as vozes e tosses ouvidas na sala de concerto não puderam desviar a atenção do protesto feito, e aqui não me refiro aos gritos de “fora Bolsonaro”, nem ao canto do Hino Nacional…Falo mesmo do apelo de atenção à Amazônia, que mais uma vez sangrou, que tem o seu verde manchado de sangue e que perde a cada dia mais filhos seus que não fogem à luta. A homenagem era a Bruno Pereira e Dom Philip, no dia em que Philip faria 57 anos de idade, 24 de julho de 2022. Um ano antes, a Amazônia queimava com mais de 5 mil focos de incêndio. Estávamos em um evento homenageando duas pessoas brutalmente assassinadas.
No telão foram projetadas fotos de Sebastião Salgado, fotógrafo mundialmente conhecido, acompanhadas das músicas de Heitor Villa-Lobos (1887 – 1959) e Philip Glass, executadas pela Orquestra Jovem do Estado de São Paulo, dirigida por Simone Menezes. A emoção também ficou por conta da voz da soprano Camila Titinger. Eu a observei, sentada em uma torre lateral ao palco. A luz acendia para ela nos momentos em que a sua voz era necessária, e se apagavam em seguida. Esse movimento de luzes me remeteu ao que acontece com a Amazônia: os holofotes, os olhares, os microfones e as câmeras se voltam em massa para ela quando algo como assassinatos acontecem. Um dos apelos feitos no palco foi “não fechem os olhos para a Amazônia”.
Me chamou a atenção também o fato de, ter apenas uma equipe registrando o evento – e era da empresa financiadora. Afinal foi no Theatro Municipal, tinha a Fernanda Montenegro, o Paulo Betti e outros que eu não consegui identificar. Por que não fizeram uma cobertura jornalística?
Em alguns momentos fechei os olhos. Não nego: posso ter cochilado pelo cansaço de um dia muito longo. Mas, eu senti a música. Não chorei porque estava atento a esses detalhes. Salgado revelou que as fotos se adaptaram a música e realmente essa foi a minha sensação. Mas não posso avaliar tecnicamente porque sou leigo. Conhecia Villa-Lobos apenas pelas Bachianas. Mas vejam a coincidência:
Assim como eu achava que nunca iria andar de bicicleta, o compositor achou que esta obra nunca seria ouvida, porque esses oitenta minutos de música foram rejeitados como trilha sonora de Green Mansions (1959), um longa-metragem estrelado por Audrey Hepburn. Então foi daí que surgiu o Concerto Amazônia, esse protesto em forma de música, que encanta com os sons mas grita no silêncio das imagens.
*Comunicador da primeira turma do Laboratório de Jornalismo do Maré de Notícias