Congresso da Maré reúne ações positivas em territórios periféricos
Por: Hélio Euclides e Luiz Menezes (*) em 12/08/22 às 13h. Editado por: Jéssica Pires e Jorge Melo
As alternativas de enfrentamento às violências devem ter como base políticas públicas que traduzem a capacidade do Estado de realizar uma gestão democrática em todos os espaços da cidade. As soluções também devem passar fundamentalmente pelo diálogo amplo das instituições públicas com a sociedade civil. Com o olhar de soluções foi realizada no 1º Congresso Falando sobre Segurança Pública na Maré a mesa Tecendo Redes: Reflexões sobre programas e políticas governamentais na política de segurança pública.
A roda de conversa reuniu Ricardo Balestrini, da Usinas da Paz do Pará, Juan Sebastian Bustamante, coordenador de projetos no URBAM – Centro de Estudos Urbanos e Ambientais da Universidade EAFIT/Colômbia), Murilo Cavalcanti, secretário de Segurança Cidadã da Prefeitura da Cidade do Recife e fundador do projeto Centro Comunitário de Paz (COMPAZ). A Mediação ficou a cargo de Gilberto Vieira, co-fundador do data_labe. Os presentes tiveram a oportunidade de conhecer três iniciativas de políticas públicas aplicadas em grandes cidades, respeitando os direitos humanos.
Para Gilberto Vieira (34), mediador da mesa, é fundamental a construção de encontros como esse que proporciona o aprendizado, trazendo um debate que inclui a universidade, moradores, grupos sociais, ativistas, além de mostrar outras experiências que tem dado certo: “Depois de ouvir muitos problemas, a minha mesa é sobre modelos de outras pessoas, cidades e países que pensaram uma nova política pública de segurança que não seja a partir da polícia e desse modelo racista e genocida que a gente tem operado. Foi possível entender que essas experiências realmente deram conta dos avanços das questões que temos debatido ao longo do Congresso.”
As falas foram abertas pelo Ricardo Balestrini, que mencionou Paulo Freire com a valorização do afeto. Logo após, criticou o sistema de segurança pública no Brasil. “Os índices são alarmantes. Temos um país excludente, que maltrata a população trabalhadora”, diz. Balestrini criticou a política contra as drogas. “Tentam combater a violência no varejão, que não está nas favelas, mas sim em mansões”, questiona.
Ele lembrou que os mais pobres precisam de justiça social. “A população herdou a senzala, não usufruindo da riqueza do país, pois o governo só olha para a casa grande. Esse governo oferece apenas tiro, porrada e bomba. Os métodos de segurança pública são desastrosos, com ocupações policiais que ficam saturadas com o tempo”, expõe. Balestrini destacou o projeto das Usinas da Paz, realizado no Pará. “Foi criado com respeito aos direitos humanos. Levamos uma polícia de aproximação, mas também água, luz, esgoto, cursos, atendimentos e serviços”, enfatizou.
O representante internacional, Juan Sebastian Bustamante, contou sobre a iniciativa bem-sucedida realizada em Medellín, na Colômbia. A cidade colombiana era considerada a mais violenta do mundo. “Hoje vivemos em paz, com crianças nas escolas. Não era possível ver mães perderem seus filhos, como acontecia e ainda acontece aqui no Rio. Foi preciso fortalecer e integrar os bairros que tinham os maiores índices de violência”, comenta.
“Tivemos um trabalho com as organizações comunitárias, que oferecem serviços, como cultura e memória. Foi necessário pensar esses territórios como locais de transformação, que precisam de recursos”, conta. Ele acredita que esse processo humanizado pode ser implantado em outras cidades do mundo. “Ocorreu um urbanismo social, de um projeto coletivo. Reunimos arquitetos, urbanistas e engenheiros para planejar projetos urbanos integrados. É preciso que lugares como a Maré tenha visibilidade com interligação de transporte com o restante da cidade”, conclui.
Para fechar a mesa, Murilo Cavalcanti, enfatizou que o projeto COMPAZ, realizado em Recife, não foi uma cópia de Medellín, mas sim uma inspiração. “Os governos não implantam uma política pública voltada para segurança pública por falta de vergonha na cara. É só olhar Medellín, que em 2014 foi escolhida a cidade mais inovadora do mundo, ao realizar intervenções urbanas sociais. Eles saíram do inferno, não é o paraíso, mais um lugar com índices baixos de violência, onde tem a polícia que menos mata”, detalha.
“Em Recife os índices mais importantes para nós é que cada casa da favela tenha água, luz e gás encanado. Para enfrentar a violência é preciso oferecer os melhores equipamentos de serviços para os mais pobres”, conta. Cavalcanti afirma que qualquer projeto de segurança pública precisa de continuidade. “O planejamento não tem espaço para o improviso. Temos que acabar com o egoísmo de projetos apenas para quatro anos, que não pensam no futuro. O COMPAZ é um espaço de mediação de conflitos, acompanhamento de responsáveis, cultura, esporte e educação”, finaliza.
Maykon Sardinha, coordenador do Eixo Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça e um dos organizadores do congresso, avalia e ressalta a importância da mesa: “O congresso foi pensado para ser um espaço de reflexão amplo, sobre as diversas questões que atravessam a segurança pública. Refletir sobre estratégias que tiveram impacto positivo nos espaços com altos índices de violência é um exercício importante para todos nós da Maré. A mesa mostrou que segurança pública é um tema transversal que envolve todo o leque da garantia de direitos e que deve ser pensado coletivamente, principalmente por quem mais é impactado pela violência armada”.
Para incentivar a mudança coletiva, Ricardo Balestrini deixou uma mensagem: “Não espere a luz do túnel. Vale acender a luz, mesmo que seja pequena, pois é ela que vai iluminar os espaços de outros”, exalta.
O 1° Congresso Falando sobre Segurança Pública na Maré continua hoje (12/08), ainda dá tempo de ver especialistas falando sobre observações e soluções, além de um debate com um olhar específico para a favela, reunindo pré-candidatos ao governo do Estado. Local: Centro de Artes da Maré, na Rua Bittencourt Sampaio, 181, Nova Holanda. Acesso pela pista sentido Zona Oeste da Avenida Brasil, na altura da passarela 10.
(*) Luiz Menezes é aluno da primeira turma do Laboratório de Jornalismo do Maré de Notícias