Uma passagem permanentemente insegura

Data:

Passarelas provisórias, insegurança e obras intermináveis fazem parte da história de deslocamento dos Mareenses há mais de 10 anos

Por Edith Medeiros*, em 22/08/22 às 08h

Construídas em madeira, as passarelas 6 e 11 que ligam a Maré ao outro lado da Avenida Brasil deveriam ser provisórias, mas, embora mantenham o nome de temporárias, permanecem há muitos anos. E a duras penas: pregos soltos, corrimãos enferrujados e degraus que rangem indicando que podem romper a qualquer momento.

Esse é a realidade que milhares de moradores do conjunto de favelas da Maré, com seus 140 mil habitantes, em 16 comunidades, são forçados a conviver, ao se deslocar pelas passarelas da Avenida Brasil. 

E o medo é agravado pela massa de automóveis, ônibus e caminhões que circulam a toda velocidade sobre aquela que é a principal artéria que corta a cidade. 

Vista da Passarela 6 com Fiocruz ao fundo, Av. Brasil. – Foto: Edith Medeiros

A passarela que se encontra próxima à de número 6, mais precisamente conectando os lados da Vila do João à Fiocruz, encontra-se (veja a ironia!) “permanentemente temporária” há 11 anos. Isso significa dizer que desde 2011, pessoas passam por essa passarela “provisória”, feita às pressas devido a uma mudança do ponto do ônibus, para um local quase 300 metros distante do original. E durante todos esses anos as obras para a construção da opção permanente no local ainda não foram realizadas. 

O morador da Vila do Pinheiro, Lucas Feitosa, 23 anos, relata as dificuldades de atravessar essa passarela, que usa para se deslocar desde que se mudou para a Maré, há 6 anos. “Eu já quase caí várias vezes, porque ela é de escada, de degrau, não tem rampa.” Lucas afirma que o perigo aumenta quando chove e que agora improvisaram degraus de madeira que não dá para saber se foi obra da prefeitura ou dos ambulantes que trabalham no local. “Tiraram os corrimãos, botaram de madeira também, uma coisa totalmente irregular.”

 A solução dada na época pela antiga gestão da Secretaria Municipal de Obras deveria ter sido paliativa, mas sobreviveu ao tempo. Até o momento ela range, ameaça, obriga a longas caminhadas, mas sobrevive. Ganha status de permanente embora seu aspecto a denuncie como provisória e temerária. 

Para Eliane Lopes, 42 anos, a passarela é perigosa, insegura e um risco para toda população. Ela menciona a falta de várias peças ao longo do trecho:  “Por diversas vezes eu vi faltando degraus de madeira e os ferros que ficam na lateral para gente poder se apoiar”. Elaine destaca ainda que o pedestre estando atento ou distraído pode cair, justamente por não ter corrimão por todo o trecho da passarela. 

Para fugir do risco, os moradores podem recorrer a uma outra opção: uma passarela de concreto construída para o BRT TransBrasil. Ela fica há quase 300 metros de distância da temporária, mas divide a opinião dos moradores porque são obrigados a andar por um trecho considerado de pouca segurança. 

Nós, moradores,  ficamos entre a cruz e a espada, tendo que escolher se arriscar atravessando uma passarela provisória que não tem infraestrutura, que corre risco de sofrer acidente; ou utilizar a outra passarela, a do BRT, e correr o risco de sofrer uma agressão de um morador de rua, ser assaltado e andar na escuridão toda que tem ali. É difícil saber o risco, o que é pior.

Elaine Lopes, moradora da Vila do João e Agente Comunitária de Saúde
Trabalhadores na obra da passarela 11 definitiva, Av.Brasil. – Foto: Edith Medeiros

Já a passarela 11, localizada próxima ao Parque União, encontra-se na condição provisória  desde 2017. É uma “jovem” de cinco anos mas o estado de conservação estava tão precário que foram feitas obras para substituí-la no ano passado, em 2021. Reside aí nova ironia – trocou-se a provisória, mas não por uma permanente. A Prefeitura do Rio preferiu pagar um aluguel pela solução temporária em vez de investir em algo mais seguro e definitivo. E isso só aconteceu após protestos de moradores da região do Complexo do Borgauto e Chaparral, em Ramos. 

A população lutou pela sua segurança e até pela garantia constitucional prevista no artigo 5, inciso XV da Constituição Federal, que garante a  liberdade de ir e vir. Esta comunidade, instalada ali, era obrigada a caminhar cerca de 800 metros a dois quilômetros para alcançar uma das passarelas próximas. E mesmo a nova solução não aumentou a confiança dos moradores. 

Para Lindiana Oliveira, 43 anos, tanto a passarela de concreto antiga quanto a temporária de ferro não oferecem segurança ao atravessá-las. Não há rampas para quem precisa de acessibilidade e as passagens são estreitas: “, duas pessoas não conseguem passar, se uma estiver descendo tem que esperar a outra subir”.  Ela frisa o medo de cair e lembra que quase tropeçou uma vez no outro lado da passarela, local de difícil acesso: “Cadeirante e carrinho de bebê jamais passam ali.”

Para os trabalhadores nas imediações da passarela 11, os prazos dados pela Prefeitura do Rio anteriormente já expiraram e o movimento diminuiu desde que essa passarela foi colocada.

“A diferença é bastante grande de quando a passarela era permanente, as vendas caíram pra caramba,  mudou tudo”, diz Antônio Constantino Alves, 62 anos.  O senhor, que trabalha no local desde a época que a passarela era de concreto, espera que as vendas voltem ao nível anterior quando a nova passarela for finalizada.

Antônio Constantino Alves em seu local de trabalho, nas imediações da passarela 11. – Foto: Edith Medeiros

De acordo com reportagens publicadas nos últimos anos nos mais diversos jornais, TVs, rádios e sites, a solução definitiva do problema das passarelas estaria atrelada à conclusão das obras da TransBrasil. Mas é aí que a situação se agrava: com a crise financeira da Prefeitura, a obra referente à melhoria do transporte não anda e as passarelas também não saem do papel. 

A Secretaria Municipal de Infraestrutura informou de forma sucinta que as obras do BRT TransBrasil  irão contemplar as instalações das passarelas 6 e 11 e serão finalizadas no final deste ano. Acrescentou somente que as obras deveriam ter sido finalizadas em 2017, ao longo da gestão anterior, e que foram retomadas em agosto do ano passado, seguindo o cronograma. A Secretaria não forneceu mais informações sobre os casos citados na reportagem. 

O entorno da passarela 11 encontra-se atualmente em obras, dando esperança aos moradores de que finalmente terão uma passagem permanente para chamarem de sua. Já a passarela próxima à Vila do João segue da mesma maneira que estava desde 2011, sem ninguém trabalhando na reforma dela. Ou seja, vai continuar permanentemente provisória.

Funcionários da Prefeitura do Rio de Janeiro descendo a passarela 11 provisória.  – Foto: Edith Medeiros

Comunicadora da primeira turma do Laboratório de Jornalismo do Maré de Notícias

Compartilhar notícia:

Inscreva-se

Mais notícias
Related

Por que a ADPF DAS favelas não pode acabar

A ADPF 635, em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), é um importante instrumento jurídico para garantir os direitos previstos na Constituição e tem como principal objetivo a redução da letalidade policial.

Redução da escala 6×1: um impacto social urgente nas Favelas

O debate sobre a escala 6x1 ganhou força nas redes sociais nas últimas semanas, impulsionado pela apresentação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) pela deputada Erika Hilton (PSOL-SP), que propõe a eliminação desse regime de trabalho.