Resíduos sólidos pelas ruas: um problema que causa transtornos pela Maré

Data:

Favela não tem a varredura nas ruas e não se encontram papeleiras nos postes

Por Hélio Euclides

No meio da tarde, o dia virou noite. No céu, nuvens carregadas. Isso ocorreu no início de fevereiro, quando a cidade do Rio de Janeiro sofreu com a forte chuva. Na Maré não foi diferente do que ocorreu em todo o município. Foram ruas cheias, pessoas ilhadas e casas inundadas. Para muitos nas redes sociais o grande vilão foi o lixo, espalhado pelas ruas da cidade. Esses depoimentos culpavam a própria população por jogar lixo na rua, esquecendo que além dos deveres dos cidadãos, é preciso um conjunto de ações do poder público para evitar enchentes.

No dia anterior à chuva, o Maré de Notícias constatou que muitas bocas de lobo, bueiros retangulares onde se capta a água da chuva, estavam com lixo no entorno, ou mesmo impedindo o funcionamento. É necessário a realização de campanhas para que as pessoas coloquem o lixo para coleta nos dias e horários corretos e não dispense aquele copo de guaraná ou papel de bala nas ruas. Por outro lado, como diferente de partes da cidade, a favela não tem a varredura nas suas ruas e não se encontram papeleiras nos postes. 

Com a cidade no maior transtorno, com carros danificados, ruas parecendo uma lagoa e casas inundadas, o carioca usa as redes sociais para desabafar. Um desses internautas foi Marco Aurélio, diretor de cultura da Associação de Moradores do Parque União. “A chuva é um fenômeno da natureza. Se nós enquanto moradores fossemos educados e não jogassem os lixos nas ruas, nos bueiros, poderíamos estar um pouco melhor. Todos os dias orientamos quanto ao lixo, precisamos fazer nossa parte, pois só lembramos da associação de moradores nestas horas. Quando falamos, tentamos conscientizá-los da importância sobre lixo, nem todos acatam. Quando há enchentes, é hora de deixar a natureza seguir sua trajetória e manter-se em local seguro”, expõe. 

Mariane Rodrigues, coordenadora do projeto Maré Verde, do Eixo de Direitos Urbanos e Socioambientais da Redes da Maré (DUSA), lembra que cada vez mais vai ocorrer o agravamento do fenômeno das chuvas em grande quantidade, em resultado do calor extremo e das mudanças climáticas. “Essa é uma realidade que não tem como fugir. Para nós seres humanos que vivemos em cidades, precisamos preparar as nossas regiões para esses eventos, para não sermos sempre vítimas disso. Essa preparação está prevista em lei, tendo o saneamento básico com direito nosso, como abastecimento da água potável, esgotamento sanitário, limpeza urbana dos resíduos sólidos e a drenagem com manejo das águas pluviais”, diz. 

Para Rodrigues, sobre as enchentes, é fundamental uma drenagem adequada. “A mesma lei diz que é necessário a manutenção dessas infraestruturas, com atualizações. Para pensar em toda a vazão dessa quantidade de água, a drenagem tem que ser feita pelo poder público. Claro que os moradores precisam ter cada vez mais consciência de fazer o descarte correto do lixo, mas ele precisa ter destinação correta”, comenta. Para entender os momentos de chuvas, é preciso falar de planejamento urbano e manutenção, para evitar volta em meia o que acontece na cidade. “Isso ocorre porque não foi resolvido a questão das chuvas fortes, com falhas no escoamento. Uma responsabilidade nossa, como ser humano, é demandar o poder público, para que faça o manejo correto, para que os moradores não sofram”, afirma.

A coordenadora alerta que ao ocorrer enchentes há contaminação da água, das casas, das comidas e estraga as moradias. “Uma série de danos que precisam ser levados em consideração. Isso tudo é questão de saúde, de acesso e de qualidade de vida. A Prefeitura precisa entender que é preciso uma destinação correta prevendo os eventos extremos. Às vezes a chuva não é tão forte, mas já alaga, algo que não deveria acontecer”, conclui.

Os resíduos podem ser luxo ou lixo

Desde 2010, o país conta com a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), que reúne o conjunto de princípios, objetivos, instrumentos, diretrizes, metas e ações, para uma gestão integrada e o gerenciamento ambientalmente adequado. No papel é bonito, na realidade só alguns poucos são contemplados. Na cidade do Rio de Janeiro, o trabalho é realizado por um caminhão de pintura diferenciada. A coleta seletiva só chega no entorno da Maré, a favela ainda não é contemplada pelo serviço municipal.

No ano de 2022, um dos projetos que melhorou a coleta dos resíduos na cidade foi o ecoponto. A Comlurb (Companhia de Limpeza Urbana) criou 20 novas unidades para receber os resíduos, que reúne caixa compactadora de 15 m3 para receber lixo comum e duas outras para entulhos, galhadas e bens inservíveis. Os 20 ecopontos estão nas favelas do Fogueteiro, no Rio Comprido; Vagão e Vila Jurema, em Realengo; Santo Amaro, no Catete; Madureira, embaixo do Viaduto Negrão de Lima; Mineira, no Catumbi; Vigário Geral; Parada de Lucas; Amarelinho; Novo Lar, no Recreio; Camarista Méier, no Engenho de Dentro; Mangueira; na Avenida Paranapuan, na altura do Morro do Dendê, Vila Joaniza, Parque Royal e Pixunas, na Ilha do Governador; Sá Viana, no Grajaú; e Arará, em Benfica.

A Maré não foi contemplada por nenhum dos dois projetos. Assim ainda é possível ver áreas de descartes de lixo impróprios ou caçambas que não suportam tantos resíduos, e tudo fica espalhado pelo chão. Dandaiana de Freitas, moradora do Conjuntos Pinheiros, acredita que a dispensa do lixo domiciliar em locais adequados ajudaria a diminuir as enchentes, algo que vê sempre pela sua janela em frente a ciclovia. “A coleta aqui na minha rua acho bem feita. Quando os garis demoram um dia ou mais a vir, quando vêm, eu vejo eles varrendo o que ficou no chão. Outro dia, vi uma caçamba de lixo virar por causa da enchente e o lixo foi todo no chão. Isso só piora as coisas quando chove”, comenta.

Como moradora ela percebe erros de vizinhos, como areia de obra toda molhada e perto um bueiro. “A primeira coisa que pensei foi que parte dessa areia entrou no bueiro e causou mais entupimento”, conta. Para ela a coleta deve ser mais efetiva em algumas ruas e travessas. “Algumas pessoas relatam que a coleta do carro de lixo passa apenas uma vez por semana, e mesmo assim num horário que a maioria das pessoas estão dormindo”, diz. Freitas também desejava ver as papeleiras pelas ruas e principalmente nas praças. “As poucas que existiam foram destruídas. Dia desses vi numa reportagem que até nas áreas mais cuidadas pelo poder público na cidade havia falta de papeleiras. O meu desejo era que fossem colocados aqueles coletores coloridos que indicam o lixo ou resíduo pela cor”, finaliza. 

A coleta domiciliar na Maré

O Maré de Notícias entrou em contato com a Comlurb para a respostas aos questionamentos. A empresa informou que mantém uma gerência dentro da Maré exclusivamente para o atendimento das 16 favelas locais. Segundo a instituição, a coleta de resíduos domiciliares e do lixo público é realizada de segunda a sábado, em dois turnos, com uma equipe composta por 76 garis, que trabalham com apoio de sete caminhões compactadores e dois satélites, veículos mais estreitos que têm mais facilidade para acessar becos, além de quatro mini tratores. Já no domingo, o trabalho é em regime de plantão e os garis realizam a limpeza dos locais com grande concentração de pessoas, como os bailes. 

A Comlurb alertou que muitas vezes o trabalho dos garis é prejudicado pelo excesso de carros estacionados dos dois lados das ruas, o que dificulta o trânsito dos veículos de coleta. Os locais onde não há possibilidade de acesso para coleta contam com contêineres, que também são limpos duas vezes por dia. A companhia reiterou o apelo para que os resíduos dos moradores da Maré sejam dispostos de forma ordenada, respeitando as orientações da gerência local, para evitar que fiquem expostos por muito tempo em via pública. 

A companhia confirma que todas as áreas onde há possibilidade de acesso de caminhões são atendidas com o Serviço de Remoção Gratuita de Entulho de pequenas obras domiciliares e de outros materiais inservíveis como móveis, galhadas e eletrodomésticos e que a solicitação pode ser feita pela Central de Atendimento via WhatsApp 3460-1746. A Maré também é atendida pelo serviço de combate a vetores da Comlurb. A empresa afirmou que em 2021, foram realizadas 88 intervenções locais na Maré, principalmente revisões periódicas em valões e escolas municipais.

Sobre os ecopontos a Comlurb avisou que ainda não está fechado o planejamento da instalação. Os locais que receberão ecopontos ainda estão em estudo. Já quanto às papeleiras, a empresa enfatiza que há muitos casos de roubos e furtos, com média de 500 a 600 unidades por mês, ou 6.000 a 7.200 por ano. Com registros de vandalismo e furto em toda a cidade, do Leblon a Santa Cruz, com prejuízo aos cofres públicos. A Comlurb assegurou que tem tentado repor com prioridade em locais com maior fluxo de pedestres, como centros comerciais, pontos de ônibus e de táxi, estações do metrô, barcas, hospitais, escolas, shoppings e praças.

Compartilhar notícia:

Inscreva-se

Mais notícias
Related

Por que a ADPF DAS favelas não pode acabar

A ADPF 635, em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), é um importante instrumento jurídico para garantir os direitos previstos na Constituição e tem como principal objetivo a redução da letalidade policial.