Integrantes do projeto Cores Marés, do Maré de Notícias trazem reflexões sobre 18º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo
Por Gabriel Horsth, Juliana Neri, Rahzel Alec e Vitor Felix
A Maré adentrou a Vila. Os dias que antecederam o 18º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo eram de muitas expectativas, curiosidades e certo receio. Dentre as conversas na redação do Maré de Notícias, nos perguntamos quais eram os assuntos mais pautados pelo jornalismo brasileiro no momento e quais os perfis de pessoas que se encontram em espaços como o da ESPM, que fica no bairro de Vila Mariana – Zona Norte da Cidade de São Paulo, onde foi sediado o evento.
Embora a agenda de atividades disponibilizadas contemplasse a presença de diversos comunicadores que fazem parte do cenário da comunicação no Brasil, entre jornalistas populares e acadêmicos, o centro do debate não foi a periferia. Independente das especulações sobre o evento, que possibilitou o acesso da Maré ao espaço de troca e também de destaque – ao trazer como referência a Ministra de Igualdade Racial, Anielle Franco, cria do mesmo território – precisaríamos experienciar, ocupar o espaço, ou, na melhor das frases: viver o momento.
Ao longo dessa última semana de junho, as equipes do Maré de Notícias e do projeto Cores Marés participaram do evento que contou com palestras e oficinas de temas atuais, como: o aumento de divulgação de notícias falsas e o uso da Inteligência Artificial pelos meios de informação.
Combate à desigualdade racial em pauta
Na quinta-feira, 29 de junho, a então ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, debateu pautas importantes de sua atuação à frente do Ministério, defendendo a importância de projetos que visam a empregabilidade de jovens negros nas zonas periféricas do Brasil. Além disso, em resposta a Gabriel Horsth, jornalista do Cores Marés, a ministra Anielle assegurou que sua gestão têm mantido conversas regulares com o Ministério da Justiça, de Flávio Dino, e com o Ministério da Cidadania e dos Direitos Humanos, de Silvio Almeida, para redução dos índices que impactam a vida de pessoas negras no Brasil, como as violências nas favelas, o desemprego e a falta de oportunidades educacionais. A ministra afirmou que esses desafios só podem ser resolvidos com o empenho de trabalho conjunto desses ministérios.
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Na mesa “Perspectivas Negras no Jornalismo: vozes femininas do Brasil e dos Estados Unidos”, Tatiana Lagôa, editora do Jornal O Tempo, debateu iniciativas que buscam por um jornalismo antirracista e transformador. Mediada pela jornalista Thais Folego, da Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial (Cojira) de São Paulo, o encontro teve a participação da convidada internacional Dorothy Tucker, presidente da Associação Nacional de Jornalistas Negros (NABJ), além de Nicoly Ambrosio, da Amazônia Real.
Tatiana abordou as nuanças no processo de construção do jornalismo antirracista no Brasil, apresentando um desafio antigo e conhecido por nós: como furar a bolha das manchetes criminais e apresentar a negritude como virtude? Além disso, houve discussão sobre a importância das empresas assumirem posicionamentos antirracistas, problematizando o entendimento de que é necessária a construção de uma aliança com pessoas e entidades brancas na luta por justiça social.
Dorothy apresentou como funciona na prática o trabalho com os jornalistas afro-americanos na NABJ, começando por correções frequentes nas manchetes racista no país. Sendo o processo dividido por 3 importantes etapas: (1) identificar se o veículo é racista por essencial, filosofia ou posição política. Após, (2) estabelecer um diálogo com o veículo para evidenciar a situação racista. Por último, (3) denunciar publicamente o preconceito através de declarações nas redes sociais. As denúncias realizadas pela NABJ geraram demissões importantes de jornalistas racistas nos EUA.
Nicoly falou sobre seu trabalho cobrindo a realidade das comunidades indígenas do Amazonas. Narrou como os conflitos são invisibilizados a partir do alinhamento a estereótipos e folclorização da cultura indígena. A partir de exemplos concretos de racismo no jornalismo local, Nicoly apresentou matérias sobre o resgate das identidades negras no Amazonas a partir do trabalho de base.
Conhecendo e reconhecendo às pautas trans
Outro importante tema, que se alinha perfeitamente com os objetivos e ações do projeto Cores Mares, foi sobre a pauta trans. Além do pronome: para cobrir a pauta trans é preciso reconhecê-la. Foi a partir dessa provocação que Alana Rocha, primeira mulher transexual formada em jornalismo a atuar em TV aberta nas editorias de Polícia e Factual no Brasil, Caê Vatiero, jornalista transmasculino não-binário formado pela UNESP, e Vênuz Capel, Gestore de Mídias Sociais da Produtora de Jornalismo de Quebrada Periferia em Movimento, debateram sobre a possibilidade de uma linguagem neutra e mais inclusiva no jornalismo. É bem recorrente nos depararmos com um “juntes”, “ilus” e, principalmente, o famoso “todes” na internet, em mesas de debates, séries, filmes, palestras e eventos diversos. Esse movimento é característico da população LGBTQIAPN+ e é reconhecido como “linguagem neutra”. A proposta é ampliar os pronomes e adjetivos, dando menos importância à binaridade e ampliando as demarcações de gênero na linguagem. Fácil? Não! Difícil como ser uma pessoa LGBTQIAPN+ em um país extremamente violento e conservador como o Brasil. Impossível? Não! Alana, Caê e Vênuz mostraram que basta força de vontade e compromisso ético e solidário para promoção de mais igualdade e direitos no jornalismo. Pode parecer distante e chato, mas a língua é viva e tem como tendência transformação constante, portanto, mudar é necessário e inevitável. Linguagem é poder, sendo assim, é importante a possibilidade de formar novas alianças e mundos através dela.
Urgência na diversidade e protagonismo na produção jornalística
O evento é frequentado tradicionalmente por profissionais de veículos de comunicação da grande mídia, estudantes de jornalismo e nos últimos anos vem contando com a presença, ainda não tão expressiva, de veículos independentes. Nesse sentido, a programação ainda carece de uma atenção para temáticas voltadas ao jornalismo independente, que tem feito trabalhos a partir de novas metodologias, reconhecendo e visibilizando tecnologias locais e que buscam ampliar a visão social de pautas sobre os territórios de favela e outras periferias.
A Abraji contou com a modalidade remota nesta edição, disponibilizando painéis, cursos e oficinas para jornalistas e estudantes de diferentes partes do Brasil e do mundo, que puderam acompanhar parte das atividades pela internet. Apesar dos diversos temas abordados, a 18° edição do Congresso disponibilizou apenas um painel sobre a comunicação e a população LGBQTAIPN+. A falta de dados sobre pessoas LGBTQIAPN+ dificulta a visibilidade desta população e a necessidade de debater as narrativas com a presença de jornalistas LGBTQIAPN+. A imprensa brasileira deve criar mecanismos de combate a desinformação e discursos de ódio, buscando meios de acesso e identificação de narrativas e pautas para além das manchetes sensacionalistas, expandindo e transformando as novas formas de comunicação.