Levantamento mostra que, dos mais de 1,2 milhão de estudantes das universidades federais do Brasil, 3.379 se declaravam transgênero em 2018.
Segundo a pesquisa da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições de Ensino Superior (Andifes), os 3.379 estudantes que se declararam transgênero representam apenas 0,2% das vagas nos institutos federais. Os dados refletem como o caminho até a universidade no Brasil e em todo o mundo pode ser difícil para as pessoas que não se identificam com o gênero que lhes foi atribuído pela biologia. Difícil, mas não impossível! Confira abaixo cientistas transgênero que, sim, ingressaram nas universidades e se destacaram (ou ainda se destacam) na ciência.
Alan L. Hart, médico
O norte-americano Alan L. Hart nasceu em 1890. Foi médico, radiologista e escritor, além de pioneiro no uso do raio-x para detecção da tuberculose, doença infecciosa e transmissível que afeta principalmente os pulmões.
Depois de acumular passagens por diversas universidades norte-americanas, como a Universidade de Stanford e a Universidade do Oregon, Alan L. Hart passou a trabalhar, no ano de 1937, em um órgão oficial do estado norte-americano de Idaho, voltado para o controle da tuberculose. Ele foi responsável pela criação de clínicas para a detecção precoce da doença. Também percorreu o interior do estado para realizar exames em massa, tratar pacientes e treinar outros profissionais. Seu trabalho foi fundamental para salvar muitas vidas.
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Hart foi um homem transexual, isto é, nasceu com órgãos reprodutores femininos, porém, se identificava com o gênero masculino. Ele foi pioneiro também na transição masculina de gênero nos Estados Unidos. A transição de gênero é um processo médico que adéqua o corpo de uma pessoa ao gênero ao qual ela se identifica. Pode envolver tratamentos hormonais, cirurgia, entre outros procedimentos. Alan faleceu em 1962, e é reconhecido hoje também como uma referência entre cientistas transgênero.
Ben Barres, biólogo especialista em neurobiologia
O norte-americano Ben Barres nasceu em 1954 e se formou em biologia pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). Fez doutorado em neurobiologia na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, e pós-doutorado no University College London, no Reino Unido. A neurobiologia é um ramo da biologia que estuda o sistema nervoso e a função cerebral. Barres se dedicou a investigação das células do sistema nervoso. Participou da produção de centenas de artigos que foram publicados em revistas científicas importantes.
Ele foi professor da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, e dirigiu o Departamento de Neurobiologia da Escola de Medicina da instituição. Seu laboratório fez descobertas importantes sobre os processos de desenvolvimento cerebral e de comunicação entre as células do sistema nervoso.
Ben foi o primeiro cientista abertamente transexual da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos. Ele faleceu em 2017, deixando um grande legado para a ciência e uma grande inspiração para outros cientistas transgênero.
Lynn Conway, cientista da computação
A norte-americana Lynn Conway nasceu em 1938. Ela é cientista da computação e engenheira eletricista formada pela Universidade de Columbia (EUA). Atuou na empresa americana multinacional de tecnologia IBM Research na década de 1960. Lá participou de projetos importantes, iniciando o desenvolvimento de sistemas que são a base dos microprocessadores e dos chips de memória atuais.
Lynn é uma mulher transexual, isto é, apresenta a biologia do sexo masculino, porém, se identifica com o gênero feminino. Ela foi demitida da IBM em 1968 quando revelou sua intenção de fazer a transição de gênero. Em 2020, a empresa pediu desculpas à cientista.
A pesquisadora atuou ainda no Xerox Palo Alto Research Center (PARC), inicialmente uma divisão de pesquisa que, posteriormente, tornou-se uma empresa independente. E também atuou na agência do Departamento de Defesa norte-americano (DARPA, em inglês). Foi professora da Universidade de Michigan. E, além de todas as contribuições científicas, Lynn é uma importante ativista, inspirando não somente cientistas transgênero, mas também outras pessoas LGBTQIAPN+.
Jaqueline Gomes de Jesus, psicóloga e pesquisadora
Jaqueline Gomes de Jesus nasceu em 1987 e é uma mulher transexual brasileira. Ela tem pós-doutorado pela Escola Superior de Ciências Sociais e História da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC/FGV), além de graduação em psicologia, mestrado e doutorado pela Universidade de Brasília (UnB). Também importante ativista, é pesquisadora, professora, autora de livros e presidenta da Associação Brasileira de Estudos da Transhomocultura (Abeth).
Jaqueline é professora de psicologia do Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ) e do Departamento de Direitos Humanos, Saúde e Diversidade Cultural da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz (DIHS/ENSP/Fiocruz). Também é professora do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ensino de História da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (PROFHISTÓRIA/UFRRJ) e do Programa de Pós-Graduação em Bioética, Ética Aplicada e Saúde Coletiva (PPGBIOS/Fiocruz).
Foi a primeira gestora do sistema de cotas para negras e negros da UnB. Atuou em órgãos do governo brasileiro, incluindo Ministério do Planejamento, assessoria técnica da Presidência da República e Ministério da Justiça. Em 2017, recebeu a Medalha Chiquinha Gonzaga da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, por indicação da vereadora Marielle Franco (1979-2018). A premiação foi uma homenagem a sua contribuição no debate sobre relações raciais, gênero, sexualidades e direitos humanos, destacando-se entre grandes cientistas transgênero na academia do Brasil.
Luma Nogueira de Andrade, educadora e pesquisadora
A brasileira Luma Nogueira de Andrade cresceu em Morada Nova, no Ceará. Ela é doutora em Educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC), mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) e graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). Obteve o título de doutora em 2012, aos 35 anos de idade, tornando-se a primeira travesti a conseguir este feito no Brasil. Em entrevista ao Reciis (ICICT/Fiocruz), ela explicou que se identificar como travesti é uma autoafirmação e se refere a uma questão política e de reconhecimento histórico.
Luma foi professora de escolas estaduais e particulares. Tomou posse como professora da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB) em 2013. Com isso, passou a ser também a primeira travesti a fazer parte do corpo docente efetivo de uma universidade pública federal do Brasil. Atualmente, é diretora do Instituto de Humanidades da UNILAB.
Em 2023, ela foi homenageada com a Medalha Iracema, a maior condecoração do Poder Executivo Municipal de Fortaleza (CE), que homenageia pessoas que contribuíram para o desenvolvimento da cidade.
Vivian Miranda, astrofísica
A carioca Vivian Miranda é uma mulher transexual que se graduou em física na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em 2008. Ela fez mestrado em física também na UFRJ e, em 2015, concluiu o doutorado em cosmologia na Universidade de Chicago, nos Estados Unidos. Por lá, também fez dois pós-doutorados: um na Universidade da Pensilvânia e outro na Universidade do Arizona.
Vivian participou do desenvolvimento de um satélite na Nasa, agência espacial americana. E, ao longo de sua trajetória, recebeu alguns prêmios importantes por sua atuação científica, entre eles, o Nathan Sugarman Award, o Schramm Fellowship e o Leona Woods Lectureship Award.
Atualmente, é professora da Universidade de Stony Brook, nos Estados Unidos.
Essa matéria foi originalmente publicada pelo portal Invivo e está sendo reproduzida com permissão do veículo.