Lei permite que cidadão obtenha conhecimento de gastos públicos
Por Hélio Euclides*
Só no sapatinho. Esse era o slogan não oficial de diversos políticos, que realizavam as suas atividades em completo segredo. Nem em confessionários eles revelavam realizações. Isso só começou a mudar com a Lei nº 12.527, de 2011, que regulamentou o acesso às informações realizadas pelos órgãos públicos. A Lei de Acesso à Informação (LAI) é a mais importante legislação para garantir aos cidadãos a possibilidade de acessar dados do poder público.
Para garantir o exercício pleno desse direito, a LAI define os mecanismos, prazos e procedimentos para a entrega das informações solicitadas à administração pública pelos cidadãos. A LAI é um marco para a transparência pública e o controle social no Brasil que assegura aos cidadãos o direito de receber dos órgãos públicos informações de seu interesse.
A transparência pública precisa ser um instrumento para a promoção de uma sociedade justa, democrática e pacífica. Para isso, todas as pessoas precisam fiscalizar o cumprimento da Lei de Acesso à Informação na administração pública e cobrar melhorias.
Acessibilidade para transparência dos dados públicos:
Quando a publicação da LAI completou dez anos, a Fiquem Sabendo, uma organização sem fins lucrativos especializada no acesso à informações públicas, promoveu o lançamento da WikiLAI, com o propósito de reunir em um portal acessível todas as informações necessárias para os cidadãos brasileiros fazerem valer seu direito de conhecer sobre gastos e trabalhos de qualquer esfera governamental.
Um ano depois, em maio de 2022, o governo federal apresentou um balanço do atendimento à LAI, as demandas por informações tiveram um crescimento anual de 35% entre 2013 e 2021 e boa parte dos pedidos recebe uma resposta em 11 dias, quase a metade do prazo legal.
A importância e as barreiras da LAI
Apesar de ser lei, nem todos os municípios dispõem de regulamentações próprias para tratar dialogar com o cidadão sobre essas questões. Para Maria Vitória Ramos, cofundadora e diretora da Fiquem Sabendo, defende que todos os órgãos devem atender a pedidos de informação. “O problema é a diferença enorme entre as instâncias federal, estadual, municipal e os poderes. Então hoje, por mais que a gente critique muito porque dá muita atenção ao Executivo Federal, ele é de longe o mais avançado em termos de transparência. O legislativo está muito atrás, o judiciário nem começou, é uma caixa preta, os municípios da maioria ainda não têm nem a lei regulamentada. Os dados mais importantes para os cidadãos, segurança pública, educação, saúde, estão nos estados e municípios. O que a gente precisa agora é que os órgãos federais, como a Controladoria Geral da União, se responsabilizem por de fato implementar a lei de acesso nos estados e nos municípios”, explica.
Ramos percebe uma lacuna nas periferias e favelas, vivendo um apagão de dados. “Não se tem dados de saneamento nas periferias, então mesmo que a LAI funcionasse nesses espaços, ainda tem um trabalho inicial de mapeamento e coleta para que essas informações sequer existam”, diz. Ela acrescenta que há avanços, mas que é preciso exigir a utilização da linguagem cidadã. “É necessário cada vez menos juridiquês, porque o acesso à informação só existe também com acesso à educação, acesso à internet, e o tipo de linguagem que o governo ainda usa exclui a maioria da população”, expõe.
A especialista acredita que um ponto importante é a padronização nas informações. “É preciso ter mapas nacionais, porque hoje você tem estado coletando todas as informações sobre um crime e outros que anotam que um homo sapiens faleceu. Já tentamos fazer um mapa da violência contra a mulher a nível nacional usando a LAI, conseguimos os dados, mas eles eram completamente incompatíveis e impossíveis de comparar. Precisamos ter protocolos para que a coleta e armazenamento desses dados sejam padronizados entre os estados”, comenta.
Por fim, Ramos adverte sobre o cuidado com a segurança de dados. “Quem pode acessar os dados por parte do governo e ter backup? Hoje a maioria das informações não tem backup. Se você tem qualquer tipo de problema, se perde tudo”, conclui.
Outro que destaca a importância da LAI é Polinho Mota, coordenador de dados do Data_labe. “Temos que valorizar a cultura de transparência. Por exemplo, quando o código do consumidor começou a se popularizar, a gente teve muitas iniciativas de popularização sobre esses direitos, com disponibilização e propaganda sobre o tema de forma massiva. Muito porque é do interesse do Estado a formalização das transações comerciais de compra e venda. Com a LAI a gente não tem o mesmo movimento ou da mesma forma. Falta incentivo para o cidadão utilizar seu direito à informação, porém isso não se reduz apenas ao incentivo, pois é o próprio Estado se pondo em possível lugar de auditoria. Então há um temor, só que isso é um tabu, que é produto da cultura. Por isso digo que é preciso fomentar a cultura de acesso à informação considerando todos os agentes da sociedade”, conta.
O morador da favela Rubens Vaz, na Maré, Jader Lopes, que é líder de marcenaria, nunca ouviu a sigla LAI, mas confessa que já fez pesquisa sobre fontes de informações válidas. “Acredito que precisam ser aprimoradas e melhoradas a divulgação para uma maior transparência. É inadmissível que ainda possa ter governantes que escondam informações. É preciso que o cidadão tenha acesso e isso se reverta em pertencimento do patrimônio público, não dando margens para as empreiteiras fazerem o que desejam”, diz.
Lopes lembra que outro dia leu um artigo que o marcou, sobre uma prefeitura que desviou verbas de obras públicas. “Algo que se vê na história do país, um espaço de corrupção. Para mudar isso é preciso que todos tenham interesse em procurar as informações e compartilhem com amigos, só assim poderemos respirar mudanças. Precisamos entrar em rodinhas de conversar e ter a necessidade de discutir sobre obras, como a que acontece no entorno da Maré”, finaliza. A obra citada ocorre na Avenida Brasil, para a construção do corredor de ônibus BRT Transbrasil, que se arrasta desde 2014.
O acesso à informação é um direito
Sobre a ausência do Sistema Eletrônico do Serviço de Informações ao Cidadão (e-SIC), três municípios fluminenses foram procurados para falar sobre o assunto. As prefeituras de Guapimirim e Sumidouro não responderam os contatos.
A Prefeitura de Tanguá informou que implantou a sua ouvidoria em parceria com a Controladoria Geral Da União (CGU), que integrou o município ao sistema Fala.BR, uma plataforma interativa que facilita o acesso às informações das atividades relacionadas ao Poder Executivo e possibilita o envio de elogios, solicitações, denúncias, reclamações e sugestões, por qualquer pessoa, sendo física ou jurídica. Completou que após a pandemia inaugurou seu atendimento presencial. O prefeito Rodrigo Medeiros afirmou que considera importante manter o cidadão por dentro de tudo que é debatido no governo, algo indispensável na democracia moderna. “O cidadão precisa ter meios para acompanhar, avaliar e auxiliar no controle da gestão”, comenta.
Conheça os portais nacionais de acesso à informação:
*Esta reportagem foi produzida por meio do projeto Sala de Redação, desenvolvido pela Énois, um laboratório de comunicação que trabalha para impulsionar diversidade, representatividade e inclusão no jornalismo brasileiro. As informações foram apuradas de forma colaborativa pelo Maré de Notícias (RJ).