Censo da Maré de 2012 e 2013, verificou que, entre as 16 favelas que compõem o território, é no Parque Maré onde a maioria da população indígena vive
Reportagem: Lucas Feitoza
Edição: Elena Wesley e Samara Oliveira
Dados: Samantha Reis
Artes e gráficos: Messias
A Maré concentra a maior parte da população indígena do município do Rio de Janeiro. É o que apontam os dados do Censo Populacional da Maré. Realizada entre os anos de 2012 e 2014, a pesquisa identificou que 0,6% da população da Maré se declarou indígena, o que equivale a 12,5% da população indígena registrada pelo Censo do IBGE de 2010.
Com coleta de dados durante os anos de 2012 e 2013, o Censo Populacional da Maré verificou que, entre as 16 favelas que compõem a Maré, é no Parque Maré onde a maioria das pessoas indígenas vivem. Das 845 que se declararam indígenas, 229 têm endereço na comunidade.
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É o caso de Valdir Custódio, de 56 anos. Com origens em Itabaiana, município de 23 mil habitantes localizado no interior da Paraíba, sua jornada na Maré começou na infância quando, aos 1 ano de idade, ele chegou no território em 1969. Acompanhado de seu pai, Severino Custódio, de ascendência indígena, e sua mãe, Marieta Rodrigues, branca. Valdir conta que o pai decidiu migrar na expectativa de trabalhar na construção da Ponte Rio-Niterói, porém o sonho de Seu Severino não se concretizou, visto que ele não sabia nadar. Para sustentar a família, conseguiu emprego num mercado, onde trabalhou até se aposentar. Severino faleceu aos 76 anos.
Valdir lembra que morou por cerca de quatro anos em uma casa de palafita, até que a família conseguiu se mudar para uma casa de alvenaria. Durante a infância, via sua mãe pegar água nas bicas da rua, já que não havia encanamento na casa.
Clique aqui para acessar o infográfico da pesquisa.
Seis a cada dez indígenas não vive em terras indígenas
O processo migratório experimentado pela família de Valdir é uma realidade para outros milhares de brasileiros. O Censo 2022 revelou que seis a cada dez pessoas indígenas vivem fora das terras indígenas. De acordo com a Constituição Federal de 1988, as terras indígenas são “territórios de ocupação tradicional”, cabendo à população indígena habitá-las de forma permanente e usufruir de seus bens, a fim de preservar suas atividades produtivas, seu bem-estar e sua reprodução física e cultural.
A demarcação de terras indígenas, no entanto, é um processo que enfrenta muitos obstáculos, como a ação de garimpeiros e grileiros e a pressão do agronegócio, como ocorreu em 2023, quando Câmara e Senado aprovaram o Marco Temporal, que busca restringir o direito à terra à população indígena. Sem acesso à moradia e a outros direitos básicos, a população indígena é pressionada a migrar para outros territórios, inclusive áreas urbanas.
Valdir acredita que um dos motivos de não ter a memória da família preservada, pode ter sido a xenofobia, isto é, o preconceito pela origem, prática que era comum principalmente com pessoas nordestinas.
“Ele [Severino] nunca contou nenhuma experiência que mostrasse a etnia, de onde a gente veio, passou só as comidas nordestinas: cuscuz amarelo, aipim, inhame cará. [Os pais] vieram para cá pro Sudeste e acho que, para ele [Severino], essa cultura não era incentivada”. Valdir também acredita que o apagamento da cultura indígena também é percebida na região Nordeste: “a gente na mídia vê muito do movimento negro, mas dos indigenas não”.
O senso comum relaciona territórios indígenas apenas à Região Norte, mas o Brasil concentra diversos povos originários em todas as regiões do país. Embora a maior parte da população indigena de fato viva no Norte – são 753.357 habitantes, o que equivale a 44,5% do total, o Nordeste detém a segunda maior quantidade, com 528,8 mil, o que representa 31,2% de toda a população indígena registrada no Censo do IBGE de 2022.
População indígena cresceu cerca de 88% em 2022
O Censo 2022 registrou 1.693.535 indígenas, um aumento de 88,8% em comparação aos números coletados em 2010, quando o Censo identificou uma população de 896.917 indígenas.
A quantidade de habitantes indígenas já apresentava aumento ao longo das edições do Censo por diversos fatores, como reconhecimento de identidade e melhoria na metodologia de coleta de dados desde a primeira realização da pesquisa, em 1872. A categoria indígena passou a ser utilizada somente em 1991, superando termos como “caboclo” e “mestiça”.
Valdir Custódio acredita que possa haver mais pessoas indígenas na Maré, que assim como ele não conhecem a sua origem.
“Não me perguntaram sobre etnia no Censo, mas tenho outros parentes que também vieram nessa época e que ainda hoje moram na Maré”.
Como funcionou a identificação de pessoas indígenas no Censo 2022
Em 2022, o IBGE ampliou a metodologia de coleta de dados para identificar pessoas indígenas, com grande participação das lideranças dos povos originários. Entre as ações implementadas estão:
- Aperfeiçoamento do mapeamento de aldeias indígenas, tanto nas cidades quanto nas áreas remotas;
- Padronização da abordagem e perguntas mais claras, como “você se considera indígena?”;
- Criação da figura do guia comunitário indígena;
- Treinamento diferenciado para os recenseadores;
Você sabia?
A Escola Municipal Erpídio Cabral de Souza homenageia o “Índio da Maré”, famoso morador do Parque Maré e lembrado com frequência pelas pessoas entrevistadas para esta reportagem. Nascido em 11/04/1948, em uma zona rural, neto de indígenas, Erpídio chegou à Maré ainda criança. Casou-se com Ana Paula de Souza (ainda residente na Maré) em 09/11/1979, da união nasceram Geison Paula de Souza e Gláucia Paula de Souza. O “Índio da Maré” foi membro da Associação dos Moradores da Maré, onde teve a oportunidade de prestar auxílio à comunidade. Além disso, de acordo com a Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro, Erpídio atuou como ator na Globo em alguns episódios do “Sítio do Picapau Amarelo”. Em 1°de março de 2009, faleceu aos 61 anos, deixando um legado de lutas e conquistas para o Conjunto de Favelas da Maré.
Esta reportagem é resultado de uma parceria entre o data_labe e o Maré de Notícias.