Entenda o Projeto de Lei que equipara aborto em casos de estupro a homicídio 

Data:

Na proposta, meninas e mulheres vítimas de estupro podem pegar até 20 anos de prisão caso realizem o procedimento

Por Andrezza Paulo e Andreza Dionísio

O Projeto de Lei 1904/2024, apelidado de “PL da Gravidez Infantil”, “PL do Aborto” ou até mesmo de “PL de Incentivo ao Estupro”, busca equiparar o aborto realizado após a 22ª semana de gestação ao crime de homicídio e desampara as vítimas de estupro e seus direitos reprodutivos. A medida visa punir a mulher e o profissional de saúde que realiza o procedimento com pena mínima de seis anos, podendo chegar a 20 anos de reclusão. A urgência da proposta legislativa foi votada e aprovada na Câmara dos deputados no Brasil no último dia 12.

Desde 1940, o aborto é permitido no Brasil em casos de estupro. A legislação também prevê que ações libidinosas com meninas de até 14 anos é considerada estupro de vulnerável em qualquer situação.  Deste modo, compreende-se que qualquer gravidez até essa idade pode ser considerada fruto de estupro, o que significa que esse público (meninas de até 14 anos) teria o direito ao aborto garantido. Hoje o aborto é permitido no Brasil também em casos de risco à vida da gestante e anencefalia ou malformação congênita do feto. 

Um dos pontos principais do Projeto de Lei 1904/2024 é a alteração deste código penal que não estabelece limites para a interrupção da gestação, atribuindo a tipificação de crime às vítimas que realizarem o procedimento após a 22ª semana de gravidez. Em casos de risco de morte materna, a criminalização não se aplica. 

O projeto de lei acrescenta os seguintes parágrafos ao código penal:
“Quando houver viabilidade fetal, presumida em gestações acima de 22 semanas, as penas serão aplicadas conforme o delito de homicídio simples previsto no art. 121 deste Código”

“Se a gravidez resulta de estupro e houver viabilidade fetal, presumida em gestações acima de 22 semanas, não se aplicará a excludente de punibilidade prevista neste artigo.”

| Já leu essas?

“PL do Aborto” tem urgência incomum na câmara

Diferente do processo tradicional que os projetos de lei costumam passar, com a aprovação de Arthur Lira, presidente da câmara, este projeto não passaria pelas comissões temáticas do parlamento, que fariam as análises mais detalhadas, permitindo que houvesse um debate público mais amplo. 

A advogada Gabriela Rondon, da Anis – Instituto de Bioética, fala ao Maré de Notícias sobre a importância da mobilização social nas etapas deste processo: “Um projeto como esse poderia passar pela Comissão Temática da Saúde, também passaria pela Comissão de Constituição e Justiça, que é onde se faz a análise sobre a pertinência da proposta, se ela não viola de maneira muito óbvia a Constituição. Passando por essas comissões era possível, inclusive, que sua tramitação fosse interrompida antes de chegar ao plenário, que é o lugar onde poderá ser aprovado. Foi justamente isso que se impediu que acontecesse quando, em apenas 23 segundos se aprovou no plenário da câmara o regime de urgência, o que significa que ele não passa por comissão nenhuma”, conta.

Caso o Senado faça alguma alteração, o projeto volta para avaliação da Câmara, mas se o Senado aprovar sem alterações, a lei vai para a sanção ou veto do Presidente da República. Neste momento, o Presidente Lula pode vetar o projeto mesmo sem ter passado pelas comissões.

Gabriela Rondon explica a importância da pressão popular sobre o projeto de lei: “A pressão popular está sendo vitoriosa em adiar. Os deputados que propuseram o regime de urgência votaram neste semestre, antes do recesso de julho, tanto na Câmara quanto no Senado, justamente com uma medida bastante autoritária de tentar mostrar força com um tema como esse”. Com a repercussão, o presidente da Câmara recuou e indicou que a votação deve acontecer no segundo semestre.

Repercussão como “PL da Gravidez Infantil”

Em diversos estudos, pesquisas e levantamentos, os números mostram que a maioria dos estupros no Brasil ocorrem em crianças e adolescentes. Relatórios do Sistema Único de Saúde (SUS) de 2022, revelam mais de 14 mil gestações em meninas de até 14 anos no país.

Dados do Instituto de Segurança Pública registraram em 2023 quase nove mil vítimas de estupro apenas no estado do Rio de Janeiro. Das 8.836 denúncias, 40% delas eram de crianças com até 13 anos. Os registros mostram ainda que 67% destas crianças eram negras ou pardas e a maioria das vítimas era formada por meninas.

O Instituto Patricia Galvão realizou em 2022 uma pequisa acerca da Percepção Nacional sobre o Aborto em Casos de Estupro. Segundo o levantamento, para 86% dos entrevistados os corpos e mentes de meninas ainda não estão preparados para uma gravidez.

Em estudo da Unicef, apenas 7 a cada 100 casos de estupro chegam à polícia, ou seja, menos de 10%. Segundo especialistas, as crianças não entendem o que aconteceu, são vítimas ameaçadas e até a conivência de outros familiares são barreiras para a denúncia e acessos aos serviços de saúde. 

Mobilização Social

O PL 1904/24 repercutiu em todo território nacional e a mobilização social é intensa. Diversas entidades, figuras públicas e movimentos sociais se posicionaram contra a proposta, considerando-a inconstitucional, ineficaz e prejudicial à saúde pública e aos direitos das mulheres.

“Vítimas seriam responsabilizadas pela consequência dos atos de um agressor, do seu estuprador”

Gabriela Rondon

A advogada complementa: “Enquanto a pena do sistema criminal regular seria aplicada para as mulheres acima de 18 anos, as meninas abaixo dessa idade, seriam submetidas a um regime da justiça juvenil com a aplicação medidas socioeducativas para um crime, no caso um ato infracional análogo ao crime de homicídio, que é o mais grave que pode haver. Inclusive gerar medidas mais gravosas de internação por vários anos para essas meninas que são as vítimas dos estupros”, reforça Rondon.

‘Tirar a pena da vítima [do estupro] você não abre mão?’

Em recente entrevista para o Fantástico, da Rede Globo, o autor do projeto de lei, o deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL/RJ) foi questionado se aceitaria mexer no texto até a votação, retirando a pena da vítima. No entanto, o parlamentar defende a proposta e os anos de condenação: “Eu não gostaria e não vou aceitar que exista ajuste para minimizar o que a gente está fazendo”, afirma o deputado.

Compartilhar notícia:

Inscreva-se

Mais notícias
Related

Por que a ADPF DAS favelas não pode acabar

A ADPF 635, em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), é um importante instrumento jurídico para garantir os direitos previstos na Constituição e tem como principal objetivo a redução da letalidade policial.

Escutar o povo negro é fortalecer a democracia 

Texto escrito por Anielle Franco, Ministra da Igualdade Racial do Brasil exclusivamente para o Maré de Notícias