Grafite na Vila dos Pinheiros faz homenagem a Marielle Franco, Marcus Vinícius e Cadu Barcellos
Maré de Notícias #124 – maio de 2021
Dinho Costa e Hélio Euclides
Quem passa pela Linha Amarela não fica sem perceber um grafite que chama atenção bem na entrada da Vila dos Pinheiros. A ocupar o grande muro, além de um agradecimento aos profissionais de saúde que estão na linha de frente contra o covid-19, está a ilustração intitulada Sonhos interrompidos, homenageando a vereadora Marielle Franco, o estudante Marcus Vinícius e o cineasta Cadu Barcellos. As artes têm em comum o poder de provocar quem passa pelo local, seja a pé, de moto ou de carro; elas geram uma reflexão do porquê de aquelas imagens estarem ali e serem relevantes para a nossa sociedade, transformando o cinza sem graça do muro em um mural cheio de cores, histórias e, principalmente, memórias.
A arte traz como protagonistas três mareenses, vítimas da violência armada na cidade. Marielle Franco, socióloga e vereadora, foi executada em 2018, no bairro do Estácio. No mesmo ano, Marcus Vinícius foi baleado em operação policial na Vila dos Pinheiros, quando estava a caminho da escola. Em 2020, o cineasta Cadu Barcellos foi assassinado no Centro do Rio.
O autor do mural é um dos muitos artistas que colorem o território: Rogério de Souza Libone, mais conhecido como Bone, morador da Maré há 26 anos. Bone é um artista de street art (ou arte de rua, caracterizada por grafites e frases que narram o cotidiano). Seu trabalho é presença constante em muros, paredes e portões da região.
O mural do estacionamento começou a ser feito no começo deste ano e levou cerca de duas semanas para ficar pronto. “Muito bom o trabalho juntar Cadu e Marielle, personalidades que, ao longo de suas vidas, somaram muito na luta pelos direitos sociais e humanos das favelas, e o menino Marcus Vinicius, estudante do Ciep Operário Vicente Mariano, na Baixa do Sapateiro”, disse Bone.
Trabalhos como esse ajudam na luta pela resistência da memória dos mareenses, como também são importantes para conscientizar a população. Bone também homenageou profissionais da saúde, retratando uma enfermeira com uma seringa na mão, ressaltando a importância da vacinação contra o coronavírus em toda a população para conter a pandemia. “São grandes heróis diante de tudo que estamos vivendo”. O mural tem 15 metros de comprimento e fica a 20 metros da Clínica da Família Adib Jatene, na Vila dos Pinheiros.
A ação foi financiada pelo gestor do estacionamento, que cedeu o espaço para a ‘tela’, além de material e ajuda de custo para o artista. Durante a execução, familiares do cineasta Cadu Barcellos, um dos homenageados, estiveram presentes e levaram lanche para o artista. Bone ressalta que a maioria desses projetos que surgem na favela deriva de investimentos dos próprios moradores, seja em mão de obra, materiais, recursos ou financiamento.
Por ser querido pelas crianças, o artista já foi questionado algumas vezes por moradores sobre a possibilidade de dar aulas de arte para jovens da Maré. Ele se sente honrado, mas não vê como parar de pintar para lecionar, pois seu sustento ainda vem do trabalho como artista. Outra barreira seria o espaço para as aulas acontecerem, pois não é fácil encontrar um local adequado (cedido e não, alugado) para o desenvolvimento de um trabalho comunitário social.
A emoção aos olhos das mães
Bruna Silva, mãe de Marcus Vinícius, morto vestindo seu uniforme escolar em uma operação policial, conta que, no dia 8 de abril (dia do aniversário dela), recebeu um presente inusitado e emocionante. Bruna estava em uma farmácia quando olhou para o céu e viu um enorme arco-íris e, no fim dele, justamente o desenho do Marcus Vinícius. “Senti que era um sinal vindo do céu e que meu filho, de alguma forma, estava ali me olhando e dizendo que estava tudo bem”. Bruna acredita que o grafite ultrapassa o artístico por ter uma mensagem por trás. “É um gesto de protesto, para mostrar à sociedade o que acontece com moradores nas favelas, que essas pessoas não são mais um número: elas têm nome, sobrenome e histórias de vida.”
Agradecida a todas as pessoas envolvidas na homenagem ao filho, Bruna lembra que Marcus Vinícius sempre disse que o verdadeiro cria não morre, vira lenda. “Como mãe, só me faz bem olhar para o mural e ver o rostinho lindo dele, aquele sorriso, todos os dias. É uma energia tão boa quando eu vejo para aquele grafite, sinto que meu filho está em paz. É muito bom saber que meu filho ainda vive imortalizado na pintura aqui na Maré.”
“Achei muito bacana. Cadu merecia essa homenagem dos mareensse, os conterrâneos dele. Ele é uma estrela que deu muito orgulho para a família e para muitas pessoas que o conheceram. Tenho uma tristeza de não ter mais o meu menino, mas muito orgulho do homem que ele se tornou e o que representou para os jovens e para a Maré” comenta Neilde Barcellos, mãe de Cadu, feliz pela arte estar na Linha Amarela, uma via expressa importante na cidade.
Um amor pela Maré
Outro artista que está colorindo espaços na Maré é Marcelo Augusto. A sua street art está presente na Tabacaria Dreads Lock, da Vila dos Pinheiros, que traz o rosto de Cadu Barcellos. “Fiquei muito emocionada porque era um ponto de encontro que ele gostava muito de frequentar. O Cadu encontrava ali os amigos. Até eu mesma, quando não conseguia falar com ele pelo celular, ia direto lá e o achava”, conta a mãe do cineasta.
Cadu teve seu primeiro lar na Vila dos Pinheiros; depois, foi morar ainda criança nos conjuntos que levam o mesmo nome. “O desenho me passa um sentimento do quanto aquele lugar pertencia a ele. Meu filho era Maré de corpo e alma, gostava muito da favela. Em todos os lugares do Brasil e nos países em que esteve, sempre falou com orgulho que morava na Maré”, revela sua mãe, acrescentando que, nos anos 1970, havia muito preconceito com quem morava na Nova Holanda.
Uma arte que mostra vidas
O grafite transformou-se em uma referência na arte nos anos 1960 – uma expressão dos jovens do Bronx, o mais pobre dos cinco distritos que formam a cidade de Nova York. Com o passar do tempo, o grafite se tornou um cotidiano artístico. No Brasil, virou um instrumento de inserção social e resistência, se naturalizando nas favelas. Como arte popular, ele mostra que a população oprimida tem um poder de reconstrução e ressignificação.
Felipe Reis atuou por 13 anos na Maré como professor de hip-hop, estilo musical que engloba quatro pilares, entre eles o grafite. Ele compreende que essa forma de se expressar é uma tática de voz, de fazer parte da sociedade através de imagens e frases. Para ele, o hip-hop é uma cultura influente, que cresce a cada dia, com pessoas que se expressam por meio da música, dança ou pintura urbana. “O hip-hop atua como um grande incentivador porque ele oferece política, cultura e socialização para as pessoas. Especificamente sobre o grafite, ele leva esperança para a população da comunidade. Quando vejo uma pintura dos nossos que já foram é como levantar estátuas em homenagem aos amigos e guerreiros. Hoje, vemos a pintura da Marielle em muitos lugares e isso incomoda bastante a sociedade. Precisamos continuar a relembrar essas pessoas, ainda tão mobilizadoras, mesmo não estando fisicamente com a gente”.