A cultura da periferia pelo olhar do cinema: ‘Vem pra Baixada’ chega a sua última temporada

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Cinema de Guerrilha da Baixada mostra a cultura sob o olhar de moradores do território

Por Lucas Cruz, Site da Baixada, em 14/04/2021 ás 10h

“Uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”. Assim nasceu, em julho de 2011, o Cinema de Guerrilha da Baixada. Foi no Bar do Caramujo, em São João de Meriti, onde jovens moradores da cidade se encontravam para fazer e falar sobre cinema. A oficina, realizada na porta do estabelecimento, rendeu muitos frutos, dentre eles o programa Vem pra Baixada.

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Na foto: Ricardo Rodrigues, Cavi Borges, Caramujo, Vitor Gracciano e Ney Santos. Arquivo/CGB

Uma abelha em um copo de cerveja e sua luta pela sobrevivência. Esse momento, filmado através de uma câmera simples, deu início a um movimento que formou muitos jovens no audiovisual e apresentou a cultura da Baixada Fluminense de uma forma diferente do que ainda é vista na mídia hegemônica; nos principais sites e emissoras de rádio e TV. Foram dois anos, sempre  às segundas, onde aconteciam os encontros. As aulas, oferecidas de maneira gratuita, impactaram moradores de diferentes municípios da região, fomentando a produção de curtas locais. O processo, que se deu de forma natural, foi percebido por quem via as oficinas e acabava se interessando pela possibilidade que o cinema traz: juntar realidade com fantasia. Ou vice-versa. Ou apenas um.

Ao longo da história do Cinema de Guerrilha foram produzidos vários filmes com a participação em diversos festivais e mostras em salas de cinema, como o Ponto Cine – maior exibidor de filmes brasileiros do mundo. O coletivo cresceu e se transformou em um espaço onde era possível ver a arte e a cultura que eram produzidas no território. Rodas de conversas, sarais e cineclubes que contavam com a participação de artistas não só da Baixada, como de outras periferias do Rio. O coletivo passou a oferecer as oficinas não apenas no bar, mas em outros espaços pela região.

Foi participando de eventos que o coletivo iniciou a cobertura de atividades culturais, percorrendo algumas cidades da Baixada. O movimento começou a entrevistar quem produzia a cultura local, sempre com a participação ativa de jovens que passaram pelo projeto. Nascia então o Vem pra Baixada que teve, ao todo, dez temporadas. “Na história do Cinema de Guerrilha tudo nasceu de forma espontânea e o Vem pra Baixada foi assim também”, conta Vitor Gracciano, um dos fundadores do movimento.

O programa foi visto não só por moradores da Baixada, mas como de outros estados, como conta Ricardo Rodrigues, que também fundou o coletivo. “O Cine Brasil comprou quatro episódios, no ano de 2016. Aí depois as pessoas começaram a procurar mais episódios, entraram em contato pelo site. Pessoal do Amazonas, Pará perguntando se não ia ter mais a série da Baixada”.

Derrubando muros e rompendo fronteiras, o Cinema de Guerrilha da Baixada produziu mais de 100 episódios do Vem pra Baixada. O programa é exibido pelo canal Cine Brasil TV, de segunda a sexta, às 12h30, e aos sábados, às 18h (saiba como sintonizar o canal: http://cinebrasil.tv/index.php/localize-o-canal).

Também é possível conferir alguns episódios que já foram liberados no youtube. Em um deles, o convidado foi o ator Leandro Firmino, que interpretou o personagem Zé Pequeno no filme “Cidade de Deus”. Outros vídeos também já estão disponíveis no canal do Cinema de Guerrilha da Baixada (https://www.youtube.com/c/CinemadeGuerrilhadaBaixada/videos).

O Site da Baixada conversou com alguns integrantes do projeto e pediu para que cada um contasse um pouco sobre como foi participar do ‘Vem pra Baixada’. Os depoimentos, que podem ser conferidos abaixo, só demonstram que a Baixada tem potência e muita coisa boa para mostrar.

“Integrar a equipe do programa ‘Vem Pra Baixada!’ faz parte dos projetos que se leva na retina por toda a vida. Não só por obviamente ser um trabalho com amigos e qualquer reunião com pessoas queridas, independentemente do propósito, desperta enormes prazeres. Mas sobretudo pelo intuito mor desse ajuntamento, que é salvaguardar a visão de pessoas-territórios historicamente negligenciados pelos veículos de comunicação massiva. Ter a oportunidade/disponibilidade de contar uma história através do seu ponto de vista é algo que foi perdendo o status de ‘luxo’ ao longo dos anos, porém o pioneirismo dessa atração jamais será esquecido. Capitaneado pelo maravilhoso time do “Cinema de Guerrilha da Baixada”, inúmeros cidadãos (como eu) viram nessa exibição um acolhimento necessário para progredir socialmente, se transformando num objeto ativo de reflexão seja na frente ou atrás das câmeras. Uma escritura na pele, especificamente uma tatuagem no olho-mente que só o Cinema/Audiovisual pode proporcionar.” Bruno Rangel

“Meu primeiro contato com o audiovisual foi através do Cinema de Guerrilha da Baixada. Eu era aluno da oficina que acontecia em São João, no bar do Caramujo. De tão interessado e apaixonado pelo cinema eu comecei a ajudar e a produzir curtas-metragens, documentários, sempre fazendo fotografia, som direto, assistência de direção. Então comecei junto também no projeto ‘Vem pra Baixada’, que é um projeto de extrema importância pra Baixada Fluminense. Ter participado desse foi maravilhoso. Artisticamente e também por ser cria da Baixada, ter conhecido cada canto da Baixada através desse programa, ali eu tive privilégio de conhecer muitos artistas e eventos que eu jamais imaginaria conhecer. Poder ter conhecido a cultura de outros municípios, ajudar a mostrar a cultura daqui não tem preço.” Raslan Benevenuto

“Fiquei muito feliz quando me chamaram, pois era algo que eu não esperava, mas que a muito tempo eu tinha vontade de fazer. Eu vejo que o projeto ‘Vem Pra Baixada’ tem um grande impacto, pois através dele podemos ver que a Baixada tem sim grandes artistas e movimentos artísticos. Fazer parte de tudo isso faz com que eu desenvolva de forma grandiosa o meu lado profissional.” Janina Jenny

“Apesar de morar na cidade do Rio eu sempre busquei a parte cultural pro lado da Baixada. Conheci o Cinema de Guerrilha durante um cineclube em Belford Roxo e fiquei maravilhado com tudo o que o coletivo fazia. Depois desse cineclube eu mantive sempre contato com eles, fiz oficina de cinema com eles no Sesc de Nova Iguaçu, em São João, estava sempre envolvido com eles…me convidaram pro projeto, um deles o ‘Vem pra Baixada’ e gostei pra caramba porque dá visibilidade pro pessoal da Baixada, às vezes marginalizado pelo simples fato do local onde mora. A gente fez um filme chamado Muro da Baixada, que mostra bastante isso, como se existisse um muro dividindo o Rio das demais cidades. Foi uma experiência incrível, maravilhosa, agregou muito conhecimento pra mim, conheci muita gente, lugares diferentes e mostrar um pouquinho da cultura que ferve na Baixada Fluminense, é algo impressionante. É como dizem, nos lugares onde você tem a crise é onde a criatividade acaba se exacerbando, eu acredito muito nisso.”   Jota Santos

“Eu tive uma experiência muito legal no ‘Vem pra Baixada’. Toda experiência que tive foi pautada no fazer, entendendo como funciona a questão do audiovisual, mas de forma independente. Uma experiência bacana que tenho pra compartilhar é de como as pessoas que eram gravadas respondiam às gravações, sempre de forma positiva, abertas e se sentem valorizadas por estarem sendo reconhecidas naquele momento. É uma das partes mais importantes esse reconhecimento. Apesar daqui ser um pouco apagado por outras localidades, a gente tem muita coisa boa acontecendo o tempo todo, seja uma lanchonete que abre, um show acontecendo ou um evento de rua o ‘Vem pra Baixada’ tava lá gravando. Mas acho que o ponto principal é como nossas coisas e acontecimentos são valorizadas quando tem alguém pra falar por eles e isso o ‘Vem pra Baixada’ faz de uma maneira linda e única.”  Mon Braga

“O ‘Vem pra Baixada’ é um programa muito importante por muitos motivos. A questão da visibilidade da produção dos centros periféricos e o ‘Vem pra Baixada’ conseguiu ter esse acesso pra televisão, um canal pago, então acho que isso já é um grande feito. Eu pontuaria também que através dos programas nós conseguimos entender e mostrar um pouco da diversidade cultural, artística que a gente tem na Baixada Fluminense. Um território muito grande, que abriga uma diversidade, uma pluriversalidade de artistas, de pessoas, de gêneros e a gente tinha oportunidade de fazer isso através do programa e isso pra mim é incrível.” Jon Thomaz

“O Cinema de Guerrilha tem uma importância gigantesca na minha vida porque eles que abriram as portas da produção audiovisual e me fizeram ver que era possível fazer cinema. Eu tinha feito umas 3 oficinas com eles e acabei atuando na produção do Vem pra Baixada. Quase como pedir música no Fantástico depois de 3 gols, rs. Foi muito importante essa colaboração com a produção do programa e também um aprendizado prático muito valioso. Vou ser sempre grata ao Cinema de Guerrilha e ao Vem pra Baixada. Eu acho que o programa cumpre um importante papel de mostrar o que a Baixada tem de melhor, sempre de dentro pra fora. Ele tem um importante papel na desconstrução do estigma que as pessoas e a mídia tem sobre esse território, porque o programa mostra o que temos de melhor e contribui para a construção de um novo imaginário sobre a Baixada Fluminense.” Carol Vilamaro

“Foi uma experiência incrível. Muito gratificante e que sinto muita falta. Pude produzir, apresentar e até ser entrevistado. Percorremos várias cidades da Baixada, conheci muita gente boa e vivi bons momentos. Tudo isso contribuindo para a cultura da Baixada Fluminense.” Marcos Lamoreux

Um salve à cultura periférica. Um salve ao Cinema de Guerrilha da Baixada. Aplaudimos de pé todos vocês!

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