Pobres mais pobres: aumento da inflação impacta grupos de renda mais baixa

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Até mesmo a invasão da Ucrânia pela Rússia afeta o orçamento dos mais pobres

Por Jorge Melo, em 11/04/2022 às 10h51

Anderson Felipe é gráfico, morador da Nova Holanda, 38 anos, casado e cinco filhos. Embora não tenha os números na cabeça, Anderson, mais conhecido como Dinho, sabe exatamente o que é inflação alta. Ele se depara com ela mês a mês quando vai ao supermercado, constata que a maioria dos preços foi reajustada, e é obrigado a cortar itens da lista de compras como a carne: “Optamos por ovos, frango, salsichas e substituímos a carne pelos hambúrgueres.” Dinho também escolhe marcas mais baratas quando se trata do essencial, como feijão e arroz. 

Da mesma forma, biscoitos recheados e iogurte rareiam na dispensa e na geladeira, para desgosto das crianças. “Você faz cortes nos supérfluos, e  infelizmente fiz vários”, afirma Dinho, preocupado. Comer fora nem pensar;  o churrasco e a pizza do fim de semana, estão suspensos. Mas Anderson tem pelo menos uma vantagem: não paga aluguel; caso contrário, teria que comprometer cerca de 15% de sua renda e certamente sua lista de compras seria ainda mais curta.

IPCA

Existem vários índices para calcular a inflação; o oficial é o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O IPCA pesquisa mensalmente preços em estabelecimentos comerciais, domicílios, prestadores de serviços e concessionárias de serviços públicos, como energia elétrica, água etc. 

As famílias pesquisadas têm renda de um a 40 salários mínimos e residem em regiões metropolitanas, capitais e entorno. O IPCA é a média ponderada dos preços dos produtos consumidos no dia a dia. São nove grupos: alimentação e bebidas; artigos de residência; transportes; comunicação; despesas pessoais; habitação; saúde e cuidados pessoais; vestuário; e educação.

A média ponderada, utilizada pelo IPCA, dá mais peso aos produtos e serviços consumidos de acordo com a faixa de renda. Sendo assim, para as famílias de menor renda, alimentos e bebidas, energia elétrica, gás, produtos de limpeza, moradia e transporte têm um peso maior. 

Muitas famílias brasileiras têm substituído ou aberto mão da carne para reduzir despesas – Foto: Matheus Affonso

Desigualdade econômica

De fevereiro de 2021 a fevereiro de 2022, a inflação geral foi de 10,54%. A inflação de fevereiro, medida pelo IPCA, foi de 1,1%, a maior do mês desde 2015. No entanto, o aumento dos preços no grupo de alimentação e bebidas foi de 1,20%, 

Outros itens contribuíram para apertar o cinto das famílias mais pobres. O gás de botijão, utilizado pelas famílias de menor renda, em 2021 aumentou 36,99%, três vezes mais que a inflação. O aumentou acumulado da energia elétrica em 2021 foi às alturas: 114%, segundo dados das Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel). 

No dia 14 de março, a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) autorizou reajustes entre 12% e 17%, em média, nas contas de luz de clientes da Light e da Enel Rio, distribuidoras de energia que atendem consumidores do estado do Rio de Janeiro. O maior reajuste será para os clientes da Enel Distribuição Rio, que atende três milhões de unidades consumidoras. Para os clientes residenciais, o aumento é de 17,14%.

Inflação dos mais pobres

O economista Matheus Peçanha, do Instituto Brasileiro de Economia (IBRE) e da Fundação Getúlio Vargas (FGV), explica que “as faixas de renda mais baixas são as que mais sofrem com a inflação em geral e, sobretudo, a de alimentos, uma vez que maior parte de seu orçamento é consumido em itens alimentícios”. 

De acordo com ele, “o que explica o impacto da inflação em cada grupo de renda é a parcela do orçamento dedicada àquele grupo de produtos. Quando a inflação se concentra em itens de primeira necessidade, como alimentos e energia, as faixas de renda mais baixa sofrem mais”. O economista afirma ainda que a redução da renda familiar tem consequências dramáticas, com “bem estar social em queda, eventualmente endividamento e inadimplência subindo”.

Vender em dólar

Na conta da inflação alta entra a política econômica do governo que privilegia a exportação de produtos agrícolas, o que acaba provocando o aumento do preço dos produtos no mercado interno: é melhor vender em dólar do que em reais. Os desequilíbrios ecológicos, como invernos rigorosos, nevascas, tufões etc, que afetam certos produtos importados (como o trigo) também contribuem.

No caso do trigo existe um componente novo, a invasão da Ucrânia pela Rússia, que é maior exportador de trigo do mundo (a Ucrânia é o quarto). Sem o trigo ucraniano e com as sanções globais à Rússia, haverá menos oferta de trigo, o que levará à alta dos preços no mercado internacional. 

O Brasil produz 7,5 milhões de toneladas de trigo (um pouco mais da metade do que consome) e importa 6,5 milhões de toneladas, segundo a Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo). O aumento do trigo impacta os preços do pão e das massas, dois dos itens mais importantes na dieta do brasileiro, principalmente os mais pobres. 

Guerra sem combustíveis

Matheus Peçanha esclarece que “o aumento nos combustíveis, principalmente no diesel, têm efeito cascata via custos: transporte público, alimentos (via maquinário agrícola), frete dos bens industriais”. A maior parte da produção brasileira (cerca de 75%) é transportada por caminhões. 

Em 2021, o preço do diesel aumentou 44% e o da gasolina, 46%. Mais uma vez a invasão russa tem consequências para a nossa economia: a Rússia é o terceiro maior produtor mundial de petróleo, e seus preços (assim como dos derivados) tendem a aumentar.  

A inflação nas favelas – uma pequena mostra

Uma pesquisa realizada no segundo semestre de 2021 pela Outdoor Social Inteligência, empresa especializada no consumo da classe C, concluiu que o gasto médio com alimentação nas favelas teve um aumento significativo durante a pandemia, consumindo mensalmente R$ 1079,00, quase o valor de um salário mínimo (R$ 1212,00), para uma renda mensal média de R$ 2.781,14 — ou seja, comer leva uma fatia de quase 40% dos rendimentos. 

A pesquisa ouviu 435 pessoas maiores de 18 anos no chamado G10, grupo de dez favelas de todo o Brasil consideradas de maior potencial econômico. Segundo a pesquisa, arroz e feijão são prioridades para 94% dos entrevistados. Em seguida, vêm o café e o açúcar (71%). Temperos, óleo e sal foram citados por 52% dos entrevistados. 

Mas a inflação alta afeta tanto quem produz quanto vende, ou seja, a indústria e o comercio. Segundo o economista Matheus Peçanha, “a inflação ao produtor (comércio e serviços) sempre chega antes num ambiente de inflação de custos como o nosso, e justamente na atual conjuntura de queda da renda das famílias agravada pela pandemia, fica muito difícil repassar para o consumidor sem perder muita demanda”.      Os efeitos da pandemia nas famílias mais pobres, segundo o economista, foram severos: “A pior consequência foi na renda, com muita gente indo para a informalidade ou perdendo o emprego; os preços em alta deterioraram em dobro o orçamento familiar.” Dinho resume o momento com realismo: “Agora temos mais do que nunca que economizar.”

Pesquisa concluiu que o gasto médio com alimentação nas favelas teve um aumento significativo durante a pandemia – Foto: Elizângela Leite

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