O meio de transporte mais disputado do momento enfrenta desafios e tenta resistir à uberização
Maré de Notícias #151 – agosto de 2023
Por Andrezza Paulo e Gabriel Horsth
Os moradores das favelas precisaram criar suas próprias alternativas para se locomoverem e conseguirem diminuir as desigualdades causadas pela ausência do Estado nesses territórios, sendo os mototáxis uma delas.
Sua origem é uma incógnita. Alguns estudiosos garantem que surgiu em 1994 na cidade de Xinguara, no Pará; outros, na cidade de Crateús, no Ceará. Independentemente de seu berço, esse modal de transporte público surgiu como um meio de se garantir o direito fundamental de ir e vir.
Na Maré não é diferente: João Victor, de 23 anos, é mototaxista no Piscinão de Ramos e conta que por lá mototáxis estão sempre no ponto ou em cima dos aplicativos para conseguir pagar as contas.
“Mesmo assim estamos perdendo dinheiro, porque os passageiros cada vez mais querem pagar menos”, lamenta.
Ele trabalha há cinco anos como mototaxista, cinco dias por semana, e enfrenta tanto a desvalorização como os perigos do trabalho: “Não sei se vou estar vivo amanhã por conta dos acidentes. Já passei por muitos e mesmo assim sinto medo.”
O mototáxi é um meio de transporte do qual a favela não pode viver sem, e ser mototaxista é a profissão na qual João se encontrou: “Gosto muito de andar de moto, então acabei achando meu lugar. Sou muito feliz nessa profissão, não me vejo fazendo outra coisa.”
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Espaço masculino
Vanessa Godoy, de 41 anos, é cria do Parque União e atua há oito anos na profissão. Ser uma mulher em um espaço majoritariamente masculino não é fácil. Ela conta que muitos passageiros se recusam a andar com ela quando descobrem que quem pilota a moto é uma mulher.
“Uma mototaxista entrou essa semana para trabalhar no ponto, mas o marido dela mandou que ela saísse. Disse que não é um trabalho pra mulher”, conta.
Ela nunca se deixou abalar com esses casos flagrantes de machismo, e prefere guardar apenas as histórias boas da profissão: “Tem mulheres que só se sentem à vontade para andar comigo, acham mais seguro.”
No seu Instagram (@vanessa_godoyrj), ela compartilha seu projeto pessoal, o City Tour, que leva pessoas de moto a lugares especiais no Rio de Janeiro. Vanessa conta que atuar como mototáxi ampliou sua percepção de que tudo é possível sobre duas rodas.
Liberdade
Leda Conceição, de 50 anos, mora na Nova Holanda e é usuária constante dos mototáxis, principalmente nos dias em que está atrasada. Ela encontrou no mototáxi uma alternativa também para levar o neto, Pedro, todos os dias para a escola. “Não consigo viver sem, virou meu principal meio de transporte e do meu neto também”, agradece ela aos amigos sobre duas rodas.
Wagner Monteiro, de 42 anos, conhecido como Bebê trabalha coordenando os pontos de mototáxis da Nova Holanda e Parque União. Ele conta que escolheu a profissão por ter espírito de liberdade e se considera um cara aventureiro.
“Trabalho há 12 anos de moto e entendi que, mesmo não ganhando muito dinheiro, esse era o emprego certo pra mim”, diz Bebê. Ele entende que, sobre duas rodas, é possível decidir mais sobre sua própria rotina.
Ainda assim, não consegue ver vantagens na proposta de transporte de passageiros por aplicativos: “Tem corrida que você pega seis merréis, em lugares longe. Não faz sentido, e o movimento tem diminuído drasticamente.”
1,5 milhão sobre duas rodas
Em 2009, o Congresso aprovou a lei que regulamenta as profissões de motoboy, mototaxista e motovigia. Segundo levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) realizado entre 2016 e 2021, mais de 1,5 milhão de pessoas trabalham como motoboy e mototaxistas sem vínculo empregatício; 60,1% dos mototaxistas não têm ensino médio completo; em sua maioria, são homens pretos e pardos, com idade inferior a 50 anos.
Com o isolamento e o desemprego causados pela covid-19, o número de entregadores e mototaxistas aumentou significativamente: se em 2016 havia 25 mil motoentregadores, no fim de 2021 (o segundo ano da pandemia) o contingente já ultrapassava mais de 322 mil profissionais.
A necessidade desses profissionais e um maior uso das redes sociais durante a pandemia, aliados à conscientização desses trabalhadores, fez com que casos de racismo que antes eram ignorados pela grande mídia ganhassem as manchetes dos jornais.
Violência e racismo
Em julho de 2020, um entregador foi vítima de agressões verbais e racismo por parte de um morador de um condomínio de casas em Valinhos (SP). Ele registrou um boletim de ocorrência. Em março de 2022, a proprietária de uma confeitaria em Goiânia (GO) denunciou à Polícia Civil um cliente que pediu que mandassem “por favor um entregador branco, não gosto de pretos nem pardos”.
Na mesma cidade, em julho deste ano, um entregador foi chamado de “macaco” ao ter a entrega de uma hamburgueria recusada pela moradora que solicitara o lanche: “Esse preto não vai entrar no meu condomínio. Mandar outro motoboy que seja branco.” O trabalhador disse que pretende “levar até o fim” o processo.
No Rio, em abril, o entregador Max Angelo dos Santos, cria da Rocinha, foi chicoteado com uma coleira de cachorro pela ex-jogadora de vôlei Sandra de Sá, em São Conrado. Ele não foi a única vítima: outra mototaxista, Viviane Maria de Souza, foi mordida por Sandra. A ex-jogadora foi indiciada por perseguição, lesão corporal e injúria.
Infelizmente, não há dados oficiais sobre o número de agressões sofridas pelos mototaxistas e motoboys.
Moto.Rio
Em janeiro deste ano, aplicativos como Uber e 99 iniciaram o transporte de passageiros e entregas de mercadorias por mototaxistas no Rio de Janeiro. A medida foi criticada pelo atual prefeito da cidade, Eduardo Paes, que alegou que a modalidade representava competitividade desleal com os trabalhadores já regulamentados, gerando diminuição de renda destes profissionais.
Seguindo o exemplo do aplicativo Táxi Rio, uma parceria entre a Prefeitura e o Sindicato de Mototaxistas do Rio de Janeiro lançou em 21 de julho o aplicativo Moto.Rio, que não cobra taxa dos motoristas e é regulamentado com base nas leis municipal e federal. Para se cadastrar, basta ter 21 anos e ao menos dois anos de habilitação na categoria A.
Mesmo enfrentando diversos desafios, os mototaxistas fazem parte da narrativa da construção da cidade, da memória da mobilidade urbana em duas rodas. É impossível negar sua originalidade, irreverência e genialidade.