Aqui se doa talento, trabalho e tempo

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Melhorar o mundo ou o seu redor por meio do voluntariado se tornou uma ação constante durante a pandemia.

Maré de Notícias #119 – dezembro de 2020

Por Hélio Euclides

A Organização das Nações Unidas (ONU) instituiu o dia 05 de dezembro como Dia Internacional do Voluntário, em 1985, com a intenção de promover ações em todas as esferas da sociedade, ao redor do mundo, tendo como meta os Objetivos do Milênio. Definidos pela própria ONU, em 2000, eles inspiram os voluntários a atuar de modo a diminuir a extrema pobreza e a fome, garantir o ensino básico para todos, promover a igualdade entre os sexos, reduzir a mortalidade infantil, viabilizar a sustentabilidade ambiental, entre vários outros objetivos. Na Maré, existem diversos voluntários que dedicam seu tempo ao serviço de melhoria do território.

Em 2017, o IBGE realizou uma pesquisa, segundo a qual,  no Brasil, 7,4 milhões de pessoas realizam trabalho voluntário. Giuliana Preziosi, especialista em sustentabilidade e voluntariado, ainda acha que são poucos, mas acredita que, com a pandemia, veio um movimento da solidariedade com um aumento da doação de pessoas físicas e jurídicas. Criou-se uma rede filantrópica. “Por outro lado, a desigualdade social veio à tona, algo que sempre existiu. Foi pedido o distanciamento social e lavar as mãos, mas como isso pode acontecer em casas com apenas um quarto para muitas pessoas e falta d’água?”, expõe. 

O sistema de voluntariado ainda, tem altos e baixos. O índice global de solidariedade (World Giving Index), realizado em 146 países, perguntou a mais de 150 mil pessoas se, no mês anterior à consulta, doaram dinheiro para uma organização da sociedade civil, ajudaram um estranho ou fizeram trabalho voluntário. Em 2018, o Brasil teve registrado o seu pior desempenho, saindo da posição de número 75 para o 122º lugar no ranking.

E,  mesmo com a queda nessa lista, o país teve bons exemplos dentro da atuação voluntária. Um exemplo de sucesso foi Paraisópolis, em São Paulo, onde moradores demonstraram e desenvolveram o sentido de pertencimento do território. “Na periferia, percebe-se o senso de coletividade, de mudança do território. Mas, por que ser voluntário? O mundo está com problemas em relação ao direito dos mais vulneráveis. Temos a necessidade de mudanças, de se indignar com tudo isso e querer fazer algo para o outro. A doação é gratificante para quem dá e para quem recebe”, conta. O Conselho Nacional de Saúde afirma que o voluntariado faz bem para o sistema imunológico, com sentimento de felicidade e satisfação. 

“O ato de ser voluntário me engrandeceu muito como ser humano. Atuei para o local onde nasci e tive a oportunidade de conhecer as dificuldades da minha favela profundamente. Chorei muito quando vi a precariedade do nosso povo.”

Eduardo da Silva, morador da Nova Holanda e voluntário da campanha Maré Diz NÃO ao Coronavírus
Eduardo da Silva quando realizou o trabalho voluntário na campanha – Foto: Douglas Lopes

Voluntários contra um vírus

Uma campanha de sucesso foi a Maré diz NÃO ao Coronavírus, idealizada pela Redes da Maré em conjunto com outras instituições. A ação deu-se em várias frentes, entre elas, a segurança alimentar, que chegou a atender 17.648 famílias com a entrega de cestas de alimentos e kits de higiene pessoal e de limpeza, somados a 53.350 refeições para pessoas em situação de rua, no período de 27 de março a 14 de outubro. 

A campanha mobilizou 56 voluntários regulares e outros 24 de forma esporádica, sendo a maioria moradores do território. “Se não fossem os voluntários, esse trabalho não tinha sido realizado. Foi uma demanda de logística, que necessitava de cerca de 50 pessoas diariamente nas entregas e fabricação das quentinhas. A importância de tudo isso é que as pessoas se mobilizaram por razões diferentes, todas com muito desejo de ajudar a favela onde moram”, conta Maira Gabriel, coordenadora da Redes da Maré.

Ela detalha que os voluntários tiveram interesse em participar da campanha, conheceram as diretrizes da Redes da Maré, ocorrendo, assim, um processo de formação política e um alinhamento com o que a instituição entende como importante para o território. “Foi muito bom ver esse trabalho comunitário. Além disso, os voluntários não se conheciam, viraram amigos e criaram uma rede de apoio. Foi muito potente como experiência”, diz. Após a campanha, alguns voluntários foram contratados em outras frentes, seja de uma forma temporária ou definitiva. 

Um dos que fez parte da campanha foi Eduardo da Silva, morador da Nova Holanda, uma das 16 favelas da Maré. “A Redes da Maré corria atrás das doações, e eu percebi que precisava de pessoas para levar as cestas básicas para quem precisava. Quando começou a campanha, eu estava em casa, sem trabalho e fui me voluntariar. Percebi que era o momento de ficar junto e recebi alegria”, expõe. Ele explica que o voluntariado vai além de não ficar em casa ou trabalhar de graça. “O ato de ser voluntário me engrandeceu muito como ser humano. Atuei para o local onde nasci e tive a oportunidade de conhecer as dificuldades da minha favela profundamente. Chorei muito quando vi a precariedade do nosso povo”, conta.

A diretora Cristine Fontoura e o jardim da Escola Municipal Professor Josué de Castro – Foto: Matheus Affonso

Uma Maré de voluntários 

A pandemia trouxe muitas outras iniciativas, dentre elas, o projeto De Mulher pra Mulher Gospel. Alice Oliveira se uniu com mais de 15 mulheres voluntárias para atividades de conscientização. “Sentimos a necessidade de nos comunicar com mulheres por meio das redes sociais. Nosso desejo é produzir conteúdo que minimizasse os efeitos emocionais da pandemia”, explica. O grupo organiza lives com temas como empreendedorismo, depressão, ansiedade e pânico. 

No mês de setembro, o grupo foi para as ruas da Maré com balões e cartazes, para falar sobre a prevenção do suicídio. Em outubro, foi a vez da caminhada feminina para a conscientização sobre a importância do autoexame das mamas. No mês passado, ocorreram uma doação de sangue coletiva e a participação na campanha Novembro Azul. “Para mim, é uma necessidade ser voluntária. Eu não consigo ver pessoas ao meu redor precisando de assistência e ficar com os braços cruzados no conforto do meu lar”, conclui. A longo prazo, o grupo pretende conseguir um espaço físico onde possa oferecer assistência emocional e social para as mulheres. 

Projeto De Mulher pra Mulher Gospel durante a marcha do outubro rosa – Reprodução

Quem vê uma mulher cuidando das plantas e pintando canteiros da Escola Municipal Professor Josué de Castro, na Vila do João, não imagina que a própria diretora é responsável pela jardinagem do colégio. Com ajuda de professores, alunos, ex-alunos e responsáveis, Cristiane Lagarto Fontoura monta o jardim pergolado e bancos reciclados para os estudantes terem um espaço de aconchego na hora do recreio. “Somos todos voluntários. Isso demonstra dedicação, conscientização e carinho pela escola”, resume.

Geraldo de Oliveira – coordenador da Biblioteca Nélida Pinon, em Marcílio Dias – Foto: Matheus Affonso

A diretora conta que a educação ambiental só é possível quando envolve a todos nos cuidados das árvores, arbustos e paisagismo. O trabalho voluntário já ultrapassa o portão da escola, com a pintura do muro. Outra novidade é que um ex-aluno está fazendo um mosaico de ladrilho em forma de roda na parte externa do muro. Esses trabalhos já trazem resultados. “Depois que estas ações foram iniciadas, a escola nunca mais foi invadida”, afirma. Em Marcílio Dias, Geraldo de Oliveira iniciou as atividades da Biblioteca Comunitária Nélida Piñon. Além de oferecer um espaço para a leitura, o local disponibiliza uma geladeira, cheia de livros, para as pessoas poderem trocar exemplares ou simplesmente levá-los, sem precisar preencher nenhuma ficha. O trabalho já mobiliza outras pessoas, que agora organizam ações sociais e passeios para as crianças da favela. “O voluntariado é a mola que alavanca muitos projetos sociais neste país. Sem essa mão de obra, certamente muitas pessoas não seriam assistidas. O presente é o amor ao semelhante e o sorriso de uma criança. Penso que ninguém consegue ser feliz sozinho”, conta. Oliveira ainda colabora mensalmente e faz doação de materiais escolares no início de cada ano para moradores de Pedra Atravessa, no sertão da Paraíba.

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