Artigo: Dois de junho – um ano da morte de Miguel

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Por Edu Carvalho, em UOL ECOA em 03/06/2021 às 07h

‘’No país negro e racista /No coração da América Latina/ Na cidade do Recife/ Terça-feira 2 de junho de dois mil e vinte’’ não são apenas versos escritos e cantados por Adriana Calcanhotto, fruto de mais uma bela criação musical da artista. É o início de um caso que chocou o Brasil há um ano. 

Trata-se da história de Miguel Otávio Santana da Silva, criança de cinco anos, morta após cair do 9º andar de um apartamento em um prédio de luxo no Centro do Recife. Por estar sem aulas na creche devido à quarentena imposta pela propagação do vírus, o menino teve de acompanhar a mãe, Mirtes Renata Souza, que trabalhava como doméstica –  mesmo este não sendo um serviço considerado essencial no período de pandemia –  na casa de Sarí Corte Real, ex-primeira dama de Tamandaré, cidade no litoral sul de Pernambuco. 

Era ela a responsável, àquele momento, pelos cuidados da criança, enquanto Mirtes passeava com o cachorro da agora ex-patroa. Já sua empregadora, bem, essa estava mais atenta a um trato em suas unhas, com ajuda de uma manicure. Impaciente, deixou que o menino ficasse sozinho no elevador para procurar a mãe, negligenciando no tratamento. 

Sem saber direito onde encontrá-la, Miguel foi do 5º até o 9º andar do prédio, indo à área onde ficam peças de ar-condicionado e sem precisar altura e lugar, escalou a grade que protegia os equipamentos. ‘’Trinta e cinco metros de voo/Do nono andar/Cinquenta e nove segundos antes de sua mãe voltar’’, remonta a canção de Calcanhotto que já foi gravada por Maria Bethânia. 

O que se viu de lá pra cá foi puro suco do Brasil, infelizmente. Sarí Corte Real pagou uma 

fiança de 20 mil reais e aguarda o julgamento em liberdade. A ex-primeira dama é Indiciada por abandono de incapaz com resultado morte e pedido de agravamento da pena em decorrência da pandemia, o julgamento ainda não foi concluído e segue com ilegalidades. 

Recentemente, a Justiça fez a escuta de testemunhas sem o conhecimento dos advogados da mãe de Miguel.

Em meio ao sofrimento e luto ressignificado em luta, Mirtes Renata, em parceria com a Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), tornou-se exemplo de resistência por atividades de assistência social e fortalecimento dos Direitos Humanos, através da criação do Instituto Menino Miguel. Numa entrevista ao UOL Tab, a doméstica contou sobre seu retorno à sala de aula, agora para formar-se em Direito através de uma bolsa.”Resolvi estudar Direito para entender melhor a Justiça e o processo”.

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Quem passou pela Consolação, em São Paulo, ou pelo Recife Antigo, na noite do dia 1º, viu frases como “O resto da vida sem meu filho”e “Justiça por Miguel” projetadas em alguns dos prédios da região. A ação foi produzida pela Change.Org Brasil. 

Na capital pernambucana, ontem (2/6), quando completou um ano do ocorrido, aconteceu um ato em frente ao Palácio da Justiça. Há uma campanha para que seja anulada a oitiva que ouviu a testemunha sem ciência de Mirtes e sua defesa. Para pressionar, publicações com as tags #AnulaOitiva #JustiçaPorMiguel são disparadas nas redes, marcando também @Mirtesrenata (mãe de Miguel) e o @tjpeoficial. 

Para que não mais tenhamos que ver surgir e cantar o destino de um pequeno Ícaro, mais um sangue de preto, no país negro e racista, no coração da América Latina. 

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