Artigo: o coronavírus é só mais um ‘rodo cotidiano’

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Por Wesley Brasil, do Site da Baixada, em 15/03/2021 às 13h10

Susto mesmo a gente tomou quando a polícia militar assumiu o controle da estação de trem em Belford Roxo: só quem podia comprovar que estava saindo pra trabalhar podia embarcar. Agora te pergunto, querido leitor: quem, em sã consciência, vai sair de casa no horário do rush pra dar rolé de trem? Ainda mais no ramal Belford Roxo, servido por umas minhocas de metal que parecem aqueles trens fantasmas de filme B?


Um estudo da Casa Fluminense aponta que todos os dias os trens carregam dois milhões de pessoas que deixam seus municípios diariamente para acessar oportunidades de lazer, estudo e trabalho nas áreas privilegiadas da capital – um reveillon por dia que não tem nada a ver com festa.


A pandemia tem servido como uma lupa sobre dados como esses, escancarando a ausência de serviços em territórios da metrópole carioca. O “fica em casa” é o velho normal de quem sempre morou longe demais dos 15 ou 30 minutos que a Avenida Brasil separam, ou melhor, conectam os Rios de Janeiros.


É nesse contexto da distância, da luta pela sobrevivência, que a Baixada Fluminense tem enfrentado o novo coronavirus. Sem a opção do tal homeoffice, muita gente por aqui encarou situações análogas a escravidão, embarcou em coletivos que estranhamente sumiram das ruas ao invés de ampliar a oferta justamente para evitar a aglomeração, se assustou com o início da pandemia que chegou a dobrar o número de casos de um dia para o outro e agora volta à rotina mesmo com uma letalidade 2,5 vezes maior que a média nacional.


Não é difícil perceber o cansaço das pessoas sobre o assunto: passando no calçadão vestido de duas máscaras (sim, é uma recomendação da OMS), é possível flagrar aglomerações em lojas, gente na rua sem máscara e até os PMS, aqueles que estavam tão preocupados com sabe-se lá o quê, impotentes diante da mão do mercado, ou melhor, do supermercado – entenda como quiser, querido leitor.


Estamos em silêncio diante do esporro, mas não o que veio com o coronavírus, e sim aquele que o precede: o rodo cotidiano que obriga o morador da Baixada Fluminense a se apertar num espaço curto, quase um curral, sendo ainda tratado como alguém que anda por onde gosta – seja o trem, ônibus, metrô ou elevador de serviço.


Não existe homeoffice pra quem mora além da Linha Vermelha. E por mais que a gente reforce a urgência do protocolo básico do uso de máscaras e distanciamento, a urgência pela sobrevivência fala mais alto e a seleção nem um pouco natural faz o seu trabalho de eliminar alguns de nós. Por aqui não tem jeito, todo mundo se encosta.

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