Artigo: O que a sociedade escolhe lembrar e o que a sociedade escolhe esquecer?

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Por Eixo Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça, em 26/06/2022.

20 de junho de 2018. Nesta data, uma operação policial se iniciava às 09h30min no Conjunto de Favelas da Maré, horário em que crianças estavam a caminho da escola e muitas pessoas a caminho do trabalho. A recordação de quem estava na favela neste dia é do intenso barulho do helicóptero blindado da Polícia Militar, que foi usado como plataforma de tiro e sobrevoava a região com voos rasantes, que podiam ser ouvido muito de perto das residências e comércios, gerando muito medo e desespero. As escolas e postos de saúde do território não abriram neste dia, o que interrompeu o acesso dos moradores a direitos básicos – como saúde e educação. 

Como resultado da operação policial, um morador ficou ferido por estilhaços de tiros e sete pessoas foram mortas durante atuação da polícia na favela: Marcos Vinicius, de 14 anos de idade, foi baleado quando voltava da escola, foi socorrido, mas não resistiu e faleceu na noite do mesmo dia. Levi, de 18 anos de idade, foi morto dentro da própria casa e mais 4 homens, em sua maioria jovens e negros, foram mortos dentro de uma outra casa – Kelvin Duarte, Francisco Felipe, Paulo Henrique e Igor Barbosa.

À época, a equipe da Redes da Maré foi às ruas e contabilizou mais de 100 marcas de tiros no chão e estilhaços de munição, vindos do helicóptero.

Apesar da ascensão de instrumentos jurídicos que questionam a legalidade da ação das polícias em favelas e periferias, após quatro anos da barbaridade ocorrida no dia 20 de junho de 2018,  o Estado continua sem reconhecer as graves violações de direitos humanos fundamentais que são cometidas durante as ações da segurança pública em operações lancinantes na Maré e demais favelas do Rio de Janeiro.

Passados quatro anos, a família de Marcus Vinicius, que completaria a maioridade este ano, segue sem respostas do Estado sobre a morte do jovem. Em relação às outras vítimas, não se escuta nem o nome e aos familiares e amigos destes só resta a lembrança. Foram retirados o direito à memória e identidades dessas pessoas. Aos familiares e amigos restou as estratégias para resguardar a memória das vidas que foram perdidas, estratégias essas, que por várias vezes não são legitimadas pela sociedade que anseia por segurança na cidade.

O que a sociedade escolhe lembrar e o que a sociedade escolhe esquecer? 

Compreende-se que as políticas de segurança pública se fundamentam sob uma perspectiva moral e dessa forma não se dão enquanto um direito acessado por todos, de forma equânime. Ao contrário, quando acontecem mortes decorrentes de operações policiais, a pergunta de grande parte da população é o que a pessoa fez para merecer tal destino ou se a pessoa era merecedora de tamanha truculência, criminalizando a vítima, legitimando a ordem social violenta e justificando as mortes de determinadas pessoas em determinados territórios. 

Embora os moradores de favelas não tenham experimentado a democracia e a cidadania de forma plena, reforçar seus nomes, suas trajetórias, seus interesses e sonhos é um ato de reafirmar direitos e uma estratégia para enfrentamento das sistemáticas formas de violências e de violações a que estão submetidos. É necessário discutir a história brasileira e pensar a memória enquanto um direito.

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