Visibilidade trans e travesti é sobre respeito à vida

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Em um país com preocupantes índices de violência transfóbica, normalizar corpos e vivências diversas é uma luta diária, urgente e de todos

Maré de Notícias Edição #137 – junho de 2022

Por Tamyres Matos

A discussão sobre a transexualidade ganhou o mundo nos últimos anos. Seja em novelas da Globo – personagem Ivan em “A força do querer” – ou em séries de sucesso da Netflix, a vivência transgênero entrou para a pauta de debates e para a agenda cultural. Mas isso está longe de ser suficiente. Para Indianara Siqueira, transvestigênere* presidente do grupo Transrevolução e fundadora e coordenadora do espaço de acolhimento CasaNem, o tópico mais urgente deste momento (ainda) de pandemia é a sobrevivência da comunidade trans frente ao cenário de degradação social. 

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Indianara Siqueira é uma das integrantes da Casa Nem, e mais potentes vozes pela comunidade. Foto: divulgação

“A experiência de abandono nós já temos desde a epidemia de Aids. Nós conhecemos bem o distanciamento social e físico da sociedade hétero-cis-normativa. Aliás, é o que a gente mais sabe fazer. E isso acontece por conta da nossa segurança física mesmo, além da situação com o vírus. Acredito que o mais importante nesse momento é mostrar que temos direito à cidade, a ocupar diferentes espaços. É essencial que as pessoas nos vejam como cidadãs de fato participando da vivência nos mais diversos lugares”, acredita.

Gilmara Cunha, que recebeu, em 2015, uma Medalha Tiradentes pelo seu trabalho no grupo Conexão G, tem o pensamento alinhado com o de Indianara. Cria da Maré, a estudante de psicologia chama a atenção para um dado marcante: a expectativa de vida de uma pessoa trans no Brasil é de 35 anos, o que representa metade da média nacional. “Isso é inadmissível. É preciso que se efetive, com urgência, o direito à vida. Corpos trans ainda são invisibilizados e marginalizados dentro e fora da favela. Mas para corpos favelados e especialmente corpos pretos, a violência é maior”, relata.

Gilmara e Indianara são figuras reconhecidas por seu importante trabalho, ambas seguem na luta com 37 e 50 anos de idade, respectivamente. A paranaense Indianara – que também se identifica como Indianare e vive no Rio desde 1996 – teve sua vida contada em um filme exibido no Festival de Cannes, em 2019. Aos 27 anos, a acompanhante Ludmylla, mais conhecida como Mylla, ressalta o quão vital é falar sobre os corpos trans para que suas existências não sejam vistas como algo à parte da sociedade. “Isso (o mês da visibilidade trans)** significa muito pra gente. Precisamos que as pessoas vejam que somos exatamente como elas: seres humanos de luz e merecemos brilhar como todas as outras pessoas”, afirma.

Gilmara Cunha é uma das fundadoras do Conexão G, na Maré. Foto: arquivo pessoal

Avanços e combate à marginalização

Pela primeira vez na história uma atriz trans foi premiada pelo seu trabalho com o Globo de Ouro (uma das mais importantes honrarias do universo cultural). Aos 31 anos, MJ Rodriguez recebeu no dia 10 de janeiro o prêmio de Melhor Atriz pela série “Pose”, da Netflix, e declarou que tinha o sonho de mudar a mente dos outros com amor. “O amor vence. Para meus jovens bebês LGBTQIA, estamos aqui! A porta está aberta. Agora, alcancem as estrelas”, celebrou.

É um consenso na comunidade trans de que houve melhoras ao longo dos anos. “Nós, que integramos a luta desde os anos 90, sabemos: não podíamos sair de casa durante o dia sem que a polícia nos levasse para a delegacia. Tinha que ter muita passabilidade (possibilidade de ser reconhecida como uma mulher cisgênero, ou seja, com aquelas que se identificam com o gênero de nascimento) ou não ser conhecida pela polícia porque você podia ser presa por vadiagem, sem motivo nenhum. Hoje ainda continua existindo a violência, mas as coisas mudaram”, explica Indianara. Esse cenário é retratado no seriado “Pose”, em sua leitura estadunidense.

Então quais foram esses avanços? Com muita luta, as pessoas trans passaram a ter seu direito ao nome social reconhecido; foi aprovada a mudança de nome no registro civil sem necessidade de cirurgia; o processo transexualizador no Sistema Único de Saúde (SUS) está garantido; o direito à doação de sangue; retirada da classificação da transexualidade como transtorno mental (somente em 2018) e a criminalização da transfobia. Mas a jornada está apenas começando.

Para Gilmara, as pessoas cis precisam fazer diversos questionamentos para que continuemos avançando. “Quantas amigas trans você tem? Quantas pessoas trans estavam na sua ceia de Natal? Com quantas pessoas trans você já namorou? Com quantas pessoas trans você já trocou uma ideia à luz do dia? O primeiro passo é desmarginalizar essas vivências. Há muito desconhecimento sobre a população trans e o desconhecimento é a base do preconceito. Pessoas cis precisam se abrir pra conhecer sobre essas vivências e as principais demandas pra se juntar na luta”, aponta a ativista.

*O termo transvestigênere, que reúne as identificações trans, travesti e transgênero, foi cunhado recentemente por Indianara e pela vereadora de São Paulo Erika Hilton.

** Texto publicado no site do Maré de Notícias em janeiro, Mês da Visibilidade Trans e Travesti

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