Lutar é um verbo eternamente conjugado por nós, moradores de favelas

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Shirley Rosendo*

A sua casa é um ambiente seguro para você, certo? A escola onde seus filhos ou parentes estudam a mesma coisa. O bairro que você mora, de alguma forma, também é. Ou seja, apesar das nossas dificuldades, tentamos e lutamos para que o espaço onde moramos, estudamos, trabalhamos seja um ambiente seguro. Mas você já se imaginou em um local onde uma operação policial pode ocorrer a qualquer momento e colocar isso tudo em questão? Já se imaginou morar em um local onde algum grupo civil armado ou paramilitar possa cobrar pela sua segurança? Já imaginou o caveirão voador sobrevoando a sua casa, seu trabalho? Pois bem, essa é a realidade da maioria das favelas cariocas.

Quando uma operação policial ocorre, o caveirão terrestre desfila pelas ruas das favelas, como se nelas não tivesse ninguém. Do mesmo modo, quando caveirões voadores são utilizados é como se a favela virasse para esses um terreno vazio. Ou seja, a vida é suspensa!  As casas e as escolas deixam de ser aqueles espaços seguros, pois o caveirão voador estremesse as nossas casas, os blindados deixam nosso coração mais que apertado. E, em questão de segundo, raciocinamos onde é o lugar mais seguro para não virarmos estatísticas. Corremos para as escolas para buscar nossos parentes. E quem só trabalha na favela, espera o momento mais seguro para ir embora. Porém, nós não podemos! E, infelizmente, quem deveria garantir nossos direitos é o maior violador. Então, até para se esconder de um tiro em nossa casa temos que pensar em como. Temos que pensar como não viramos estatística.  E, infelizmente, a cada dia, em algumas das mais de mil favelas que tem no Estado do Rio de Janeiro, uma vida se vai, deixando um vazio, acompanhado de muita dor, no peito das mães e parentes de vítimas do Estado.

E embora sejam corriqueiras as falas “que as favelas estão passando por um momento de passividade, que favelados e faveladas são despolitizados”, o que o Ato PAREM DE NOS MATAR vem mostrar, é que não há movimento de inércia, em especial, quando é o direito à vida que é colocado em xeque. Ele foi organizado por mais de 85 instituições e reuniu aproximadamente 5 mil pessoas na orla de Ipanema. E, para variar, era o mesmo dia do ato convocado pelo atual presidente, que no geral não faz a menor questão de zelar pelos nossos direitos – aliás pelo contrário. Então, o nosso ato contém muitas respostas:

1) Parem de nos Matar, não toleraremos mais essa política de genocídio e daremos visibilidade a ela até que ela seja suspensa;

2) Não estamos na inércia, pois embora nossas favelas sejam preconizadas pelo Estado, estamos lutando diariamente para que o quadro se inverta;

3) Não recuaremos! Não sairemos das ruas, pois a rua e a cidade é nossa também, e buscaremos todas as estratégias possíveis de visibilizar as violações de direitos aos quais passamos, assim como mostraremos a nossa capacidade de se juntar e reinventar para conquistar nossos direitos.

E, por fim, o problema da violência não é de exclusividade da favela, não é um problema só dela. Logo, os cidadãos da cidade precisam se implicar, em resolver esse problema junto.

*Moradora da Maré, Mestre em Educação e Política pública. Pesquisadora de juventudes, favela e educação. Coordenadora de Mobilização do Eixo de Segurança Pública e Acesso a Justiça da Redes da Maré.



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