Ataques à vista

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Cortes na educação prejudicarão, especialmente, negros e pobres, estudantes mais dependentes de programas sociais e de inclusão

Maré de Notícias #101 – junho de 2019

Jorge Melo

No dia 15 de maio, o Brasil viveu uma jornada de manifestações. No Rio de Janeiro, mais de 200 mil pessoas reuniram-se na Candelária, no centro da cidade. Em mais de 200 cidades brasileiras houve protestos. Ao comentar as manifestações, o presidente Jair Bolsonaro disse que se tratavam de “idiotas úteis”. No mesmo dia 15, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, tentou explicar, na Câmara dos Deputados, o bloqueio de 30%, (R$ 7,4 bilhões) dos recursos para as universidades, escolas técnicas e de Ensino Médio federais, medida que originou os protestos. O ministro disse que se a reforma da Previdência fosse aprovada poderia rever o bloqueio. Culpou os governos Dilma Rousseff e Michel Temer. “Não somos responsáveis pelo desastre da educação, não votamos neles”, disse, na ocasião.

 No dia 22, Weintraub voltou à Câmara. Dessa vez, para a sabatina na Comissão de Educação. Apenas repetiu o que já havia dito. Nesse mesmo dia, o Ministério da Economia anunciou que liberaria cerca de R$ 1,5 bilhão para a Educação. Mesmo assim, o corte ainda ultrapassa os R$ 5 bilhões. Antes disso, no dia 20, Weintraub se reuniu com os reitores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (USRN); da Universidade Federal do Semi-Árido (Ufersa) e do Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN) e sugeriu que os estudantes, em função dos cortes, assumissem funções dos funcionários terceirizados, entre elas a limpeza das universidades.

Alunos pobres serão os mais afetados

Iamara Viana é professora da PUC-RJ e do Instituto de Educação Carmela Dutra. Graduou-se em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), fez Mestrado e Doutorado na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e, graças a uma bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal (Capes), vinculada ao Ministério da Educação, fez estágio na École de Hautes Études en Science Sociales, em Paris/França. Segundo ela, um corte desse porte inviabiliza as instituições universitárias e – certamente – atinge com mais precisão e contundência negros e pobres, estudantes historicamente mais dependentes de bolsas e programas de incentivo para se manterem nas universidades. “Posso afirmar que para esses grupos, do qual faço parte, será praticamente impossível desenvolver pesquisas científicas”.

Os números confirmam os temores da professora. Pesquisa da Associação dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), realizada em 2018, revela que a maioria dos alunos das universidades federais, ao contrário do que se é amplamente alardeado, vem de famílias com renda per capita de até 1,5 salários mínimos. E são pardos ou negros. Segundo o reitor da UFRJ, Roberto Leher, em aula-pública proferida nas manifestações de 15 de maio, “65% dos nossos estudantes concluíram o Ensino Médio em escolas públicas e a renda familiar é de R$ 1328,00; são estudantes que requerem uma universidade pública, capaz de assegurar condições objetivas de permanência”. Na ocasião, Leher disse ainda que a maioria dos que abandonam a universidade o fazem para trabalhar, prover seu próprio sustento e o da sua família.

Balbúrdia

Os ataques à Educação começaram antes de o atual governo assumir o poder.  Suas promessas de campanha miravam – sem dó nem piedade – as instituições de ensino público. Mas os ataques não ficaram sem respostas. Paulatinamente, as manifestações estão crescendo.

Apesar de apreensiva, Iamara Viana, que também coordena um curso de Pós-Graduação da PUC, no polo Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, está otimista. “É fantástico ver como alunos do Ensino Médio e de várias universidades e professores das redes pública e particular estão se posicionando contra os cortes”.

Uma dessas manifestações aconteceu no dia 8 de maio, na Universidade Federal Fluminense (UFF). O ato foi organizado pelos sindicatos de professores e funcionários, com apoio das entidades estudantis. E contou com a participação de mais de 5 mil pessoas. A UFF tem nove campi; 43 mil estudantes matriculados, 130 cursos de Graduação, 8 mil alunos de Pós-Graduação e 3.373 docentes. E estava na mira do ministro da Educação. No dia 30 de abril, ele anunciou o bloqueio de 30% dos recursos destinados a três universidades que, segundo ele, promoviam “balbúrdia” (discussões políticas e manifestações). As outras universidades promotoras de tais “balbúrdias” são a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e a Universidade Federal da Bahia (UFBA). Como foi alertado de que a medida era ilegal, o ministro decidiu ampliar o bloqueio para todas as federais.

Samantha Viz Quadrat é professora do Curso de História da UFF há 13 anos e docente há 25, progredindo do Ensino Fundamental à Pós-Graduação. É uma das mais importantes pesquisadoras da ditadura civil-militar (1964-1985), com uma produção acadêmica volumosa, com artigos, livros, participação em seminários e simpósios, no Brasil e Exterior. “A UFF teve um impacto enorme na minha vida. As oportunidades de crescimento pessoal e profissional que a educação pública me deu fortalecem meu compromisso em dar um retorno ao País e à sociedade brasileira”, afirma.  

Educação na linha de tiro

Não pairava dúvida de que a Educação não seria uma prioridade do governo e que os professores e as universidades públicas seriam os alvos. Em agosto de 2018, em entrevista ao Jornal das Dez, da Globonews, Jair Bolsonaro afirmou que retiraria recursos das universidades e que “o jovem brasileiro tem tara por formação superior”. Sugeriu que os estudantes procurassem cursos técnicos profissionalizantes. “Vamos tirar mais recursos de cima [do ensino superior] e jogar mais no ensino infantil, fundamental”, disse o então candidato.

A promessa foi parcialmente cumprida: se por um lado o ensino superior se vê ameaçado, como advertia o então candidato, as promessas de investir na Educação Básica e Secundária não foram nem de longe cumpridas. O que se vê é exatamente o contrário – o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), que promove políticas públicas para a Educação Básica e Secundária, sofreu um corte de 47%.

Raphael Alberti tem 33 anos e é professor há nove. Formou-se em História na UFRJ e concluiu recentemente o mestrado na Fundação Getúlio Vargas. Atualmente, trabalha em Caruaru, Pernambuco, no Ensino Médio. “Desde o governo Michel Temer, as políticas públicas relacionadas à Educação têm sido feitas sem um debate amplo, com a participação de estudantes, professores e comunidade escolar. Em um País com curta tradição democrática, assistimos preocupados à escalada de um regime autoritário eleito democraticamente. Tudo bem contraditório assim”, diz Alberti.

Estudo mostra que 65% dos alunos das universidades públicas têm renda familiar de R$ 1.328 | Foto: Douglas Lopes

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