Betto Gomes, estilista da Vila do João, é referência em moda Slow Fashion

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Dono de um atelier criativo e sustentável na Vila do João, Betto Gomes e sua equipe costuram um caminho de oportunidades que tornam possível o protagonismo favelado – também – no mundo da moda

Maiara Carvalho*

“Aqui é um atelier de moda com ‘M’ maiúsculo, dentro da Maré”. É o que diz Betto Gomes, estilista da Vila do João que faz questão de trazer seu território como fonte de criatividade na hora de produzir suas roupas. Entre linhas, tesouras e agulhas, Betto e sua equipe, formada inteiramente por mulheres, costuram um caminho de oportunidades que tornam possível o protagonismo favelado – também – no mundo da moda.

Cobiçado por diferentes perfis do mercado, o estilista já estampou capas de revistas, vestiu desfiles da São Paulo Fashion Week e as parcerias com empresas do setor não param de chegar! Recentemente, lançou sua mais nova coleção nomeada “Maré de Encantos”, inspirada pelo desejo de resgatar memórias do Conjunto de Favelas da Maré. Usando tecidos que normalmente são descartados por grandes fábricas têxteis, Betto consegue ressignificar cada pedaço, transformando-as em roupas de grife. É o chamado Slow Fashion, que ele garante ser mais do que um modo de produção, mas é, conjuntamente, seu estilo de vida.

Betto diz que sempre esteve envolvido com a arte. Quando mais novo, fazia aulas de teatro, e lá já observava a importância do figurino no processo criativo para transmitir uma mensagem, ainda que sem nenhuma palavra. Daí nasceu sua paixão.  No entanto, confessa ter balbuciado na hora de escolher qual caminho profissional seguir, justamente por enxergar a dificuldade de pessoas periféricas na hora de se inserirem no mercado de trabalho. Mas, atrevido que era, acreditou no seu sonho e decidiu que faria a faculdade de Designer de Moda. 

Formado há mais de 10 anos,  o estilista participou de diversos concursos da sua área. Em 2011, foi convidado para o reality do programa “Xou da Xuxa”, o que deu ainda mais certeza de que estava fazendo um bom trabalho. Alguns anos depois, foi chamado para o “É de Casa”, programa da Rede Globo, onde pela primeira vez entendeu que havia se tornado uma referência positiva do seu território

Eu nunca tive vergonha de ser de onde sou, mas omiti por muito por muito tempo para não sofrer preconceito. Mas, na chamada do programa que participei eu já era ‘o estilista da Maré’, foi aí que percebi a importância do meu lugar

Quando decidiu que abriria um espaço para produzir suas peças autorais, ela foi pensada inicialmente para ser fora da comunidade. Hoje, Betto não só se orgulha de ter um atelier na Vila do João, como também sonha em abrir sua primeira loja na localidade. Para ele, é importante que os moradores se aproximem  da sua arte e desmistifiquem a ideia de que moda e favela são incompatíveis.

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O que nós fazemos aqui é costura de alto padrão, nenhum atelier do mundo tira o que nós fazemos aqui

Trabalho em coletivo

Com uma equipe formada por quatro mulheres, o estilista salienta que o Slow Fashion designa um olhar reflexivo enquanto produz. Para além da busca sobre a origem do tecido a se usar, é importante o entendimento de que as máquinas não trabalham sozinhas, e ali existem pessoas que precisam viver. “As peças são feitas por mulheres que, além de costureiras, são donas de casa, algumas ainda têm seus filhos para criar. E infelizmente, ainda vivemos numa sociedade que entende que a mulher não tem valor comercial, então quando elas decidem trabalhar, elas acabam fazendo dois trabalhos”. 

Toda produção é pensada em coletivo, e em cada uma existe uma troca de saberes até chegar a um produto final. Ele vem com a ideia, mas são suas meninas quem dão a direção: “Se eu tiver dúvidas eles me orientam, quando posso também ajudo e dou minha opinião”, diz Dona Edileuza, parceira há nove anos das “ideias malucas” de Betto.

O crochê é um forte elemento na construção das roupas, e essa é a especialidade de Lu (attelie_da_lu), que periodicamente realiza trabalhos junto ao amigo, quem conhecera durante um curso de especialização. Já as irmãs Ivonete e Lusineide trabalham no ateliê há um ano, e ressaltam a diferença das suas outras experiências como costureiras: “Trabalhamos em muitas fábricas, mas aqui foi uma novidade. É muito diferente você trabalhar com a criatividade, e não só produzir sem parar […] A gente coloca a roupa no manequim e vai olhando se precisa de um toque a mais. Quando vê o brilho nos olhos dele (Betto), a gente sabe que deu certo.”

Maré Cheia: de Peixes e Encantos

Refletindo sobre sua trajetória, Betto se deu conta que não teve uma referência falando sobre moda dentro da Maré, mas agora pretende preencher parte dessa lacuna e fazer do seu território um espaço de pesquisa, mas também de resgate ancestral. Para isso, iniciou há um ano a coletânea “Maré Cheia”, que posteriormente viraria uma trilogia junto a “Maré de Peixe” e “Maré de Encantos”.
Em seu primeiro ato, as ideias surgiram a partir da estética visual da Maré antiga: água da Baía, palafitas e barracos. Para o segundo, a colônia de pescadores da Marcílio Dias foi a grande inspiração, a fim de evidenciar a cultura local. Neste mês de novembro, Betto finalizou seu terceiro ato em evento realizado no Museu da Maré, a convite da ECO Moda Rio. Partindo da obra renascentista de Botticelli, “Nascimento da Vênus”, a coleção dialoga com a fluidez das águas do mar, por onde emerge a deusa em sua concha.

Assim como as pérolas encontradas nas conchas, Betto revela a reação defensiva dos moradores da Maré, que mesmo em meio a dificuldades, não deixam de brilhar.

(*) Maiara Carvalho é estudante de Rádio e TV da Universidade Federal do Rio de Janeiro e faz parte do projeto de Extensão Conexão UFRJ com o Maré de Notícias.

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