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Experiências da Maré em Fórum Mundial de Direitos Humanos

Encontro acontece desde esta segunda (20) na Argentina

Por Jéssica Pires

A terceira edição do Fórum Mundial de Direitos Humanos que aconteceu entre os dias 20 e 24 de março, em Buenos Aires, foi pensando como um espaço de debate público sobre os Direitos Humanos no mundo, os principais avanços e desafios focados no respeito às diferenças, na participação social, na redução das desigualdades, na promoção da equidade e da inclusão social. O encontro foi dividido em 26 eixos temáticos: Memória, Verdade e Justiça, Mobilidade Humana, Mudanças Climáticas, Discriminação, xenofobia e racismo, Direitos Digitais foram alguns deles. 

A Maré foi pauta durante um ciclo de conversas sobre “Impactos nos Direitos Humanos dos mercados Ilegais”, na mesa “Organização Comunitária contra a Violência – Organizando experiências para resistir ou contrariar a violência e o controle territorial por grupos armados”. Lidiane Malanquini, assistente social e coordenadora da área de Incidência Politica da Redes da Maré, compartilhou a experiência da organização nos processos de mobilização e articulação comunitária, com foco em como atuar no território que tem atuação de grupos civis armados. 

Lidiane apresentou um pouco dessa experiência de muitos anos da Redes, atuando em várias áreas e especificamente sobre o trabalho realizado pelo eixo Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça, em dias de operações policiais, e o trabalho do Espaço Normal em um trabalho de proteção e cuidado às pessoas ameaçadas. Participaram também da mesa Maria Claudia Albornoz, da organização A Poderosa (Argentina), Nahuel Bergier, Secretário de Justiça e Segurança do município de Moreno (Argentina), José Luis Calegari, Centro de Participação Popular Angelelli (Argentina) e a mediação foi de Alejandro Gelfuso – Cidade do Futuro – Argentina).

“Pra gente da Redes da Maré estar em um espaço como o Fórum Mundial de Direitos Humanos é muito importante. E a gente centralizar o debate sobre direitos humanos a partir da favela é fundamental, entendendo que a efetivação de direitos se constrói no cotidiano, no dia a dia. É fundamental organizações de base comunitária como a Redes da Maré construir esse espaço”, compartilha a assistente social.

Filme “Noite das Estrelas” é apresentado nos Estados Unidos

O curta que mostra a memória e shows da população LGBTQIA+ na Maré das décadas de 1980 e 1990 foi exibido na Virginia Tech, universidade dos Estados Unidos.

Por Andrezza Paulo

O filme Noite das Estrelas foi apresentado pelo diretor Paulo Victor Lino na última sexta-feira (17) na Virginia Tech, nos Estados Unidos. O projeto do Entidade Maré tem como principal inspiração a memória e história cultural LGBTQIA+ na Maré contada através dos shows realizados nas décadas de 1980 e 1990 no território, um deles intitulado como “Noites das Estrelas”, que deu nome ao curta.

Paulo Victor, fala da importância desse resgate histórico e cultural: “É um movimento cultural LGBTQIA+ que movimentou a Maré durante duas décadas e que não está registrado nas produções do território. Sentimos esse incômodo e tínhamos a urgência em tornar a memória pública, dentro do que sabemos fazer: arte”, contou.

Desde sua estreia em 2021 no Encontro de Cinema Negro Zózimo Bulbul, o projeto se expandiu e ganhou novos horizontes: em 2022 foi apresentado na Alemanha pelo também diretor Wallace Lino e agora, 2023, nos Estados Unidos. “Escrevemos e elaboramos o projeto em formato de filme e a expansão desse trabalho é sobre as manifestações não contadas e todas as histórias dessas LGBTs negras da Maré que agora são reverenciadas”, disse o diretor.

A exibição do filme fez parte da Conferência de Gêneros, Corpos e Tecnologia da Virginia Tech, em Virginia, Estados Unidos, na mesa que discute as relações queer negras. Paulo Victor enfatiza a relevância da investigação das relações LGBTQIA+, especialmente as negras e faveladas: “Investiguem cada vez mais porque existe um epistemicídio muito grande nesse Brasil que exclui histórias de LGBTs, de negros, de mulheres. A gente vai colocando cada vez mais as nossas histórias como as narrativas que também constroem esse país.”

Novos planos

O Noite das Estrelas, com apoio da Prefeitura do Rio de Janeiro através do Edital FOCA, vai ocupar o território da Maré com linguagens artísticas sobre a história dos shows das décadas de 80 e 90. Além da exibição do filme, o projeto ganhará um espetáculo e outras manifestações culturais que resgatam a cultura, a memória e a história LGBTQIA+ na favela.

Relembrando a Maré na Copa

Um relato sobre a experiência da Copa do Mundo na Maré

Tassia Menezes por Conexão UFRJ

Difícil saber por onde começar. Poderia escolher a ordem cronológica e contar que dividimos (eu, Tassia e o Fábio Caffé, repórter fotográfico) a nossa cobertura em duas experiências: uma visita à Rua Benjamin Constant, na Glória, no dia 2/12/22, quando o Brasil enfrentou Camarões; e na Nova Holanda, uma das 16 favelas que fazem parte da Maré, no dia 5/12/12, quando houve a goleada de 4×1 contra a Coreia do Sul.

Segui meu desejo e inicio o relato pela história da dona Helena Edir, de 72 anos, uma matriarca da Maré, que há anos é responsável pela decoração da Rua Ivete Vargas durante as copas do mundo. Esse é apenas um dos atributos dela, que além de ser conhecida como a “mãe de todos”, também é educadora e engajada nos movimentos sociais de mulheres e negros no bairro. Dona Helena foi a última pessoa que encontramos ao longo de dois dias, mas mesmo antes de vê-la, foi comum ouvir seu nome entre os moradores. Afinal, sem ela, o verde e amarelo talvez não estivesse assim tão presente naquela rua.

Torcedores durante Brasil x Coréia do Sul. Copa do Mundo 2022. Rua 4 atual rua Ivete Vargas, Nova Holanda, Favela da Maré, RJ.

Não só por ela, certamente. Afinal, é tudo feito coletivamente. Outra vizinha, a dona Maria da Penha, além de ser outra decoradora ativa, cede a garagem da sua casa e sua televisão para fazer a transmissão oficial da rua. Moradora da Maré há 45 anos, ela se mudou quando casou e nunca mais saiu. Conhece e já pegou no colo muitos dos adultos, que hoje, levam suas crianças para assistirem ao jogo ali na porta de sua casa. Com direito a cadeiras para fazer de arquibancada, pipoca para as crianças no intervalo e um toldo colocado às pressas quando a chuva começou a cair, a alegria era contagiante (inclusive a minha), cada vez que a bola atingia a rede e marcava mais um para a seleção brasileira. Daquela vez, no entanto, ela decidiu não fazer o churrasco que tinha feito quando o Brasil perdeu para Camarões, para não trazer azar. Naquele dia, deu certo.

Dona Maria da Penha que cedeu a garagem de sua casa para torcedores durante a Copa do Mundo 2022 na Nova Holanda, Favela da Maré, RJ.
Foto: Fabio Caffé

Da mesma maneira, outro morador, o Hugo, defendeu que o Brasil só havia perdido para o país africano porque ele não estava bebendo. Afinal, na partida em que decidiu tomar de novo a sua gelada, logo nos 6 primeiros minutos o Brasil já estava marcando. Enquanto isso, uma família da rua de trás fazia pela primeira vez um churrasco com os vizinhos, que afirmavam que teriam que manter a nova tradição. E eu, que virei a mascote da rua, fui acusada positivamente de levar sorte para o Brasil. Minha missão: voltar no jogo seguinte para garantir. “Futebol é superstição. Se fez e está funcionando, tem que manter”, me disse uma das vizinhas. Sem pressão, né?

A rua toda torce muito. As crianças se vestem a caráter, bem brasileiras… é um encanto. E naquele dia, a alegria pairava na Ivete Vargas, no meu rosto e de Fábio também. Porém, apesar de ser torcedora ferrenha, Dona Helena não fez parte da festa. A prova de como ela é intensa quando se fala de Copa do Mundo é a foto que virou quadro na parede da casa de sua sobrinha Adriana, onde a matriarca também reside. A imagem a mostra chorando após a derrota do Brasil para a Alemanha, em 2014, no famoso 7 a 1. Desta vez, no entanto, ela não estava presente na torcida e descobrimos o motivo quando, por acaso, após o fim do jogo, paramos na casa de Adriana.

Família da dona Helena durante o jogo do Brasil x Coréia do Sul na Copa do Mundo 2022. Na parede, o quadro em homenagem a ela.
Foto: Fabio Caffé

A razão é que pouco antes do campeonato começar, não só Helena, mas a rua inteira perdera uma pessoa muito querida: dona Vera Lúcia, irmã da educadora. Ela estava na rua arrumando as bandeirinhas, quando passou mal e não resistiu. Apesar da dor da falta, uma homenagem foi feita, com a celebração de uma missa de sétimo dia naquela mesma rua, pintada e colorida por todos, incluindo a própria Vera, que deixou saudades.

Tradição é tradição

Na Glória, a experiência é diferente da Maré, por ser menos familiar e mais agregadora. Ali, as pessoas não se conhecem, mas estão todas juntas em uma única torcida. Na rua, mais de uma televisão: a de seu Luis, algumas no bar da frente e, caminhando um pouco mais, um novo espaço que ganhou destaque esportivo por reunir flamenguistas ao longo dos jogos do ano: o Comida, Resenha e Futebol (CRF), liderado por Fabiano Mielke há pouco mais de um ano. Ele fica feliz de ter conseguido movimentar o “point”.

É caminhando por ali que conhecemos também a Regina Lúcia, também conhecida como Regina Geladinha. Com um vestido exclusivo feito por ela mesma para acompanhar os jogos, a torcedora estava trajando a bandeira do Brasil. Com orgulho, ela diz que vai usar sempre por trazer sorte, mesmo quando o jogo ainda estava no zero a zero. Junto de Luis e de outros, Regina foi uma das responsáveis pela pintura da escada. Ele mesmo nos contou que, neste ano, em virtude de os jogos da Copa terem estado muito próximos às eleições, optaram por fazer uma decoração menor do que a tradicional. Mas a escada não poderia faltar.

O figurino da Regina Lúcia, na Glória.
Foto: Fábio Caffé

Verde e amarelo de novo

De volta às ruas, encontramos a correspondente bancária Célia Rocha. Com uma blusa amarelo vivo e uma calça verde, ela saiu da apresentação de teatro da filha e foi direto assistir ao jogo, orgulhosa das cores que carregava. Por tanto tempo associado a indivíduos ou ideologias, é difícil esse assunto não surgir ao elogiar seu vestuário: “Estou adorando poder me vestir assim sem ter que ouvir piadas”, disse ela, enquanto o marido anunciava seu voto com orgulho.

De outro lado, a aposentada Vilma Monteiro se mostrava brasileira da cabeça aos pés, quando até suas unhas estavam a caráter. Torcendo pelo hexa que, que não veio a moradora da rua recordou que sempre arrumava sua mãe também para assistir aos jogos, fazia parte da tradição.

Entre tradições e superstições, a comprovação de que fazer as coisas da mesma maneira não são garantia de vitória chegou junto com o gol naquele jogo arrastado contra Camarões. Já durante os nove minutos de prorrogação, com todos segurando a respiração enquanto assistiam a um empate que parecia imutável, o torcedor Valter decidiu que iria colocar a sua touca da sorte. Foi imediato: gol da seleção africana e derrota do Brasil.

Lembrar disso no final desse texto pode ser apenas uma forma de buscar uma absolvição imaginária por não ter regressado à Maré para assistir àquele último jogo. Ou apenas a tentativa de conforto a todos que, de alguma maneira, estão buscando motivos para explicar o inexplicável. Futebol é assim mesmo.

O meu olhar atento relembra tudo que observei e sorri, ao ver como ficamos bonitos quando estávamos juntos de novo depois de tanto tempo. Se a gente conseguir se lembrar disso, vai ser mais tranquilo esperar pelos próximos quatro anos. E quem sabe em 2026 celebrar nos bares, nas ruas, nas passarelas o tão aguardado hexacampeonato.

Torcedores durante Brasil x Coréia do Sul na Rua 4, atual rua Ivete Vargas, Nova Holanda, Favela da Maré, RJ. Foto: Fabio Caffe

Sororidade e negritude celebradas com Homenagem Antonieta de Barros

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Mulheres que lutam pela igualdade de gênero na Maré são homenageadas na ALERJ

Lucas Feitoza

A deputada Renata Souza (PSOL) realizou na última quinta-feira (16) uma sessão solene na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) em comemoração ao Dia Internacional das Mulheres. Na cerimônia, a parlamentar concedeu a homenagem Antonieta de Barros para mulheres que colaboram para a igualdade de gênero nas áreas da educação, cultura, política, esportes, ação social e liderança comunitária em todo estado.

Em seu discurso inicial, Renata destacou a importância de celebrar a existência de Antonieta de Barros, a primeira parlamentar negra na luta das mulheres por equidade, reconhecimento e respeito e reconhecer a importância delas enquanto estão vivas. “Nesta solenidade temos a honra e alegria de homenagear mulheres com a homenagem Antonieta de Barros, que é concedido pela nossa mandata desde 2021, reconhecendo mulheres que são referência na luta por direitos e dignidade em seus espaços de atuação e protagonismo.”

Fizeram parte da mesa: Iza Vicente, vereadora de Macaé, a advogada Ilka Teodoro, a jornalista Sara York, a professora Ana Flávia Magalhães e a secretária municipal de políticas e promoção da mulher Joyce Trindade. Em seus discursos, as convidadas destacaram a memória das mulheres que vieram e abriram espaço para outras chegarem aos espaços de liderança, a força das mulheres, a importância do apoio e de oportunidades. 

Trabalhos feitos por mulheres da Maré também foram reconhecidos na homenagem

De acordo com dados do Censo Demográfico da Maré (2019) as mulheres são a maioria no bairro, representando 51% dos moradores. Na homenagem, o bairro foi representado por cinco iniciativas.

Receberam a homenagem Antonieta de Barros:

  • Bruna Silva do movimento social Mães de vítimas do Estado;
  • Casa das Mulheres da Maré da Redes da Maré;
  • Kamila Camillo fundadora da Organização Sem Fins Lucrativos (ONG) Crias do Tijolinho;
  • Raissa Lima da ONG Pra Elas;
  • Greicy Kelly do Bar das Minas:
  • Casa Resistências Maré.

Kamila Camillo agradeceu o reconhecimento em suas redes sociais: “Gratidão aos que vieram antes e prepararam o caminho! Que honra fazer parte desse time!” Kamila, além de psicóloga e mobilizadora social, é também fotógrafa e realizou a exposição “Crias do Tijolinho”, na qual venceu o prêmio inspirar do Instituto Neoenergia.

Raissa Lima disse estar honrada e feliz pelo reconhecimento na atuação na ONG Pra Elas. A iniciativa eleva a autoestima e confiança das mulheres da Maré com aulas de defesa pessoal, e foi reconhecida pela luta dos direitos das mulheres faveladas. Saiba mais sobre o Pra Elas.

Quem foi Antonieta de Barros?

Antonieta de Barros foi jornalista, professora e primeira mulher negra a ser eleita para um cargo político no Brasil. Foi autora da lei que criou o Dia do Professor comemorado em 15 de outubro. Filha de ex-escravizada, fundou o curso particular Antonieta de Barros para combater o analfabetismo. 

Vale lembrar que apenas há 92 anos as mulheres tiveram direito ao voto, e Antonieta foi eleita com menos de meio século do fim do regime escravocrata. Esse ano, o presidente Lula (PT) sancionou a lei que inclui a jornalista no livro de heróis e heroínas da pátria.

Quando o vento dança

O coletivo Mulheres ao Vento leva, por onde passa, a potência de mulheres periféricas

Tassia Menezes por Conexão UFRJ

Eram rostos familiares e reais. Não por conhecê-los, mas sim por enxergar neles uma familiaridade. Era como se ali, naqueles semblantes, eu pudesse ver uma tia minha, a mãe da minha amiga e a cunhada da minha irmã. Todas iam sendo levadas pelo vento, aquele que parece ser o grande protagonista deste texto. Não à toa, denominam-se Mulheres ao Vento: um coletivo formado por mulheres periféricas, em sua maioria negras e com mais de 40 anos, que decidiram – não sem esforço – ignorar o que as prendia e simplesmente voar.

Mais uma vez, então, venho contar outra história do ponto de vista da jornalista que vos escreve. E quem diria que chegaríamos tão longe com essa sessão? Que vocês me desculpem se eu estiver me excedendo, mas o que eu vivi não poderia ser descrito por verbos em terceira pessoa. É necessário que seja a partir do “meu olhar”.

Chegamos no Centro de Artes da Maré (CAM) naquela manhã de quinta-feira para acompanhar o penúltimo ensaio antes da grande estreia da nova performance das Mulheres ao Vento no Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Elas iriam compor uma das apresentações da Semana de Arte Favelada, evento que reuniu diferentes manifestações artísticas periféricas ao longo do mês de novembro. No dia 2/11, a ocupação foi em um dos espaços mais clássicos da cidade.

Grupo em frente ao Centro de Artes da Maré

Elas pareciam ansiosas pela chegada daquele momento. Muito focadas, ensaiavam suas falas e passos e me olhavam com curiosidade, algumas querendo saber a minha opinião, como se eu fosse uma crítica que pudesse aprovar ou não o que elas têm realizado. Ninguém precisaria, de fato, cumprir tal papel.

O Mulheres ao Vento (MAV) é um coletivo que existe desde 2016, a partir da idealização de duas ex-alunas de Dança da UFRJ. Simonne Alves e Andreza Jorge tinham um objetivo: encontrar uma forma de retornar para a periferia os saberes que haviam acumulado na academia. Assim, iniciaram uma parceria com o Centro de Artes da Maré naquele ano, ainda sem saber exatamente as feições que o projeto tomaria.

Inicialmente, havia dois grupos separados por faixa etária: de 15 a 30 anos, e de 30 em diante. Qual não foi a surpresa das coordenadoras ao perceber que, ao longo dos meses, a maior procura de mulheres com mais de 50 anos em participar iria moldar o Mulheres ao Vento da maneira que é hoje.

“A gente se deparou com essas mulheres com sede de querer, de fazer, de estar junto e somar. Então, adaptamos a metodologia para esse público, e essa se tornou a nossa característica maior.”

Simonne Alves , dançarina e fundadora do Mulheres ao Vento

A dissertação de mestrado de Simonne – Meu corpo DANÇA: um estudo sobre subjetividades de mulheres negras na Maré – teve como resultado um vídeo-performance realizado durante a pandemia com as mulheres do MAV. Após pesquisar a forma como a dança expressa os elementos e processos que constituem as subjetividades dessas mulheres pelo departamento de Antropologia Social do Museu Nacional, Simonne agora realiza seu Doutorado no mesmo programa. Organizando-se para estar na Universidade de Harvard no final deste ano para falar da sua pesquisa, a doutoranda celebra o grupo e tudo que ele tem ajudado a realizar.

Ao longo destes cinco anos, as Mulheres ao Vento já viveram experiências mais do que especiais: além de apresentações em teatros no Rio de Janeiro e em São Paulo, elas participaram de uma residência artística que levou uma parte do grupo para Paris, na França, em 2022. Agora, a dança e o vento ofereciam a elas a chance de apresentarem um espetáculo inédito no Theatro Municipal, levando àquele palco símbolos negros e afrodiaspóricos, como as entidades Eleguá e Oyá.

Brincando com o vento

Eleguá é um dos nomes que se dá a Exu, orixá dos caminhos. É ele que libera a passagem, dá o movimento e permite que ele aconteça, em todos os tempos presentes, passados ou futuros. Já Oyá/Iansã é a orixá que inspira o nome do grupo. Conhecida por ser aquela que controla os ventos e tempestades, ela se transforma tanto em búfalo quanto em borboleta, indicando a intensidade das mudanças e transformações.

Eu já sabia que eles faziam parte do espetáculo, pois havia acompanhado o ensaio no galpão na semana anterior. Dito isto, cheguei ao Theatro Municipal tranquilamente, preparada para assistir à performance das Mulheres ao Vento, mas ciente de que sabia o que veria e ouviria. Lá dentro, encontrei um lugar lindo e cheio de pessoas e de vida, apesar da chuva torrencial que caía do lado de fora naquele Dia de Finados.

No entanto, bastou que o espetáculo se iniciasse para que eu me emocionasse do começo ao fim. Fui levada pelo vento. Acompanhada por uma banda toda composta por mulheres, podia vê-las e ouvi-las gritando seus nomes em alto e bom som, bem como suas profissões: “Rosimere, aposentada; Patrícia, cozinheira; Adriana, pedreira!”. O que significava para elas ocupar aquele espaço? E para mim?

O espetáculo foi construído em conjunto, a partir das vivências reais daquelas mulheres. Em um dado momento, Lurdinha Araújo conta no palco a experiência de estar na calçada sentada com seus três filhos, enquanto via sua casa pegando fogo. Eu sabia, pois ela já havia me contado, que seu ex-marido fora o responsável por isso, há mais de 20 anos. Mas apesar da dor, ela estava ali renascendo desse fogo, como uma fênix.

“Eu não quis passar tristeza, mas sim mostrar que eu dei a volta por cima. Hoje, tenho a minha casa e meus filhos estão todos bem.”

Lurdinha Araújo, integrante do grupo.

Nestes dias, ouvi muitas histórias, como a de Adriana, 35 anos, que se curou da depressão graças à motivação do MAV; a de Rosimere, 61 anos, que parou de sentir tantas dores no corpo em virtude dos movimentos que passaram a fazer parte da sua vida; e a de Patrícia, 46 anos, que vem aos poucos abandonando a timidez para poder se expressar. “A gente pega um pedacinho de cada uma como exemplo. Aprendo muito”, conta ela.

No fim, a curiosidade em saber se haviam se divertido é respondida com inúmeros sorrisos no rosto e na vontade de fazer sempre mais: “passa tão rápido que parece que foi só um ensaio”, me falou Sendy Silva, entre fotos e celebrações no final. Em comum, as saias que voam, o desejo de se enxergarem cada vez mais, se fortalecerem umas nas outras e de realizarem sonhos antes inimagináveis, apenas por serem quem são.

Residência artística do MAV na cidade de Lille, França- Abril/22

Vitória Miranda

Vi no Mulheres ao vento um espaço para trazer conhecimento para comunidade e mostrar que favela é arte. Já no primeiro contato, no ensaio delas para a apresentação no Theatro Municipal, percebi a dimensão do projeto e como é representativo. Ele estabelece uma relação de mulheres pretas e periféricas com a dança, o corpo sensual (qualquer corpo) e a música, com suas histórias sendo contadas por si através da fala e do movimento.

Apresentação do Grupo no Theatro Municipal do Rio em novembro de 2022.

O amor pelo que fazem é visto nas feições, sorrisos, no suor e no olhar de cada mulher presente naquele ensaio. E assim, o Mulheres ao Vento me marcou de diversas maneiras. A partir da faixa etária das participantes, com a maioria acima dos 50 anos, elas demonstraram como se expressar através do corpo e da fala. Em uma conversa com Simone Alves, cria do Morro São José (em Madureira), ela relatou:

“A nossa mais velha tem 77 anos e ela faz mais coisa do que muita gente, isso é muito mágico”.

Simone Alves, integrante do grupo

A filha e a neta desta integrante também fazem parte do projeto. Com três gerações da mesma família dividindo o mesmo espaço de criação, elas relembram a importância e a força da ancestralidade e da maternidade. 

Se a lógica de ser periférico pressupõe a ideia de estar distante de um centro, o Mulheres ao Vento chega com a proposta de desmistificar isso, incluindo mulheres e mostrando que elas são verdadeiras deusas e guerreiras. Assim como Oyá, elas passaram e passam por diversas tempestades em suas trajetórias, mas se tornaram donas do vento e aprenderam a dançar com ele.

Programas sociais foram fundamentais durante fase crítica da covid-19

Pesquisadores do Centro de Ciências da Saúde da UFRJ analisaram situação dos beneficiados e do sistema de saúde brasileiro entre 2020 e 2021

Por Carol Correia pelo Conexão UFRJ

Uma pesquisa realizada pelo Instituto de Estudos em Saúde Coletiva (Iesc) e pela Faculdade de Medicina (FM), atualmente em revisão na revista Scientific Reports, indicou que os programas sociais de transferência de renda foram essenciais durante o período crítico da covid-19. Investigação também ressaltou que a população negra teve um maior índice de mortalidade no mesmo recorte temporal.   

O estudo, que analisou dados de contágio da doença colhidos entre março de 2020 e setembro de 2021 em todo o Brasil, detectou uma relação inversa entre as taxas de mortalidade e infecção e o número de pessoas de uma mesma família que eram beneficiárias de algum dos programas governamentais.

Segundo Roberto Medronho, professor da Faculdade de Medicina da UFRJ e um dos autores do artigo, a hipótese discutida pelo grupo é de que, com a segurança dos benefícios, os usuários evitaram de se expor em busca do sustento, mantendo o devido isolamento social. Quanto mais pessoas de um mesmo núcleo familiar estavam asseguradas pelos programas, menos chances o vírus tinha de atingir suas residências.

“A transferência de renda permitiu que as pessoas ficassem mais em casa se protegendo de pegar e morrer de covid. Encontramos que, nos municípios com maior quantidade per capita de famílias beneficiadas pelo Bolsa Família e Auxílio Emergencial, esses índices foram menores.”

Roberto Medronho, professor da Faculdade de Medicina da UFRJ

Outra descoberta surpreendeu os pesquisadores: em munícipios com uma população com maior cobertura de planos de saúde privados, as notificações de contágio foram maiores, mas isso não se refletiu em um menor número de mortes.

“A gente espera que em grupos com maior acesso ao atendimento de saúde a mortalidade seja menor, mas isso não aconteceu. Infelizmente não tivemos acesso a dados individuais para analisar se as fatalidades foram maiores no serviço privado ou público.”

Roberto Medronho, professor da Faculdade de Medicina da UFRJ

O trabalho também reforçou um dado já apontado por outros institutos, pesquisadores e ativistas, como a própria UFRJ e a Anistia Internacional: a população preta e parda foi muito mais afetada que a população branca, e isso não tem apenas relação com classe social. 

Os municípios que tinham maior proporção de pessoas alfabetizadas e uma renda média semelhante, mesmo que alta, tiveram 45% mais mortalidade entre pretos do que brancos. De acordo com o professor, o cenário é um reflexo da formação histórica do Brasil, com uma sociedade altamente escravocrata e discriminatória.

“Para mim, isso é uma forte evidência de que pessoas com o mesmo nível de escolaridade e renda podem sofrer dificuldades de acesso aos mesmos tratamentos diferenciados apenas pela cor de sua pele. Ou seja, o racismo estrutural mata.”

Roberto Medronho, professor da Faculdade de Medicina da UFRJ

Além dos benefícios sociais, o Sistema Único de Saúde foi outro fator determinante para ajudar a população durante a crise: sem ele, o número de óbitos e de vítimas da doença seria muito maior.

Os pesquisadores afirmam que parte das políticas públicas foram essenciais para diminuir o impacto da enfermidade, mas que a falta de investimento e de ampliação das campanhas contribuiu para o cenário de tragédia.   Estratégias de testagem em massa, isolamento de casos positivos, valorização dos imunizantes e defesa de medidas não farmacológicas poderiam auxiliar no combate ao vírus.

Leia o artigo completo aqui.