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Um pedacinho da Maré na Penha Circular

Nascida sobre palafitas, Conjunto Marcílio Dias tem histórias de luta por habitação

Edição #146 do Maré de Notícias

Por Hélio Euclides

Em 1948 ainda existia a Praia das Moreninhas e foi ali que oito famílias de pescadores ergueram as primeiras palafitas. Era um espaço próximo à antiga fábrica Kelson’s e ao Mercado São Sebastião. Assim começava o processo de ocupação do futuro Conjunto Marcílio Dias. Em 1988, o estado delimitou o que seria o bairro Maré e, apesar da história muito parecida com a das outras favelas do conjunto, Marcílio Dias não foi incluída no decreto municipal. 

Para chegar lá é preciso passar pela Passarela 16 da Avenida Brasil, sentido Zona Oeste, na altura do número 10.946, e ir até o fim do aglomerado de unidades da Marinha. O Conjunto Marcílio Dias é a favela mais distante do restante da Maré (2,3 quilômetros da Praia de Ramos). 

A Marinha brasileira marca a história do lugar: seu nome é uma homenagem ao marinheiro negro da Armada Imperial Brasileira, e a comunidade também faz um tributo a outro integrante dessa força armada através do seu centro municipal de saúde, nomeado  João Cândido, o “Almirante Negro”.

A história da favela mudou quando recebeu, em 1982, a visita de madre Teresa de Calcutá. Na época, Marcílio Dias era formada por apenas 800 barracos de madeira, onde viviam cerca de quatro mil moradores. A visita ilustre mobilizou lideranças locais e a Pastoral de Favelas para uma reorganização das moradias em uma área de quase 46 mil metros quadrados — com o aterramento da praia, cada vez mais habitações foram erguidas na região. Madre Teresa não foi a única visita ilustre: a escritora Nélida Piñon foi à biblioteca comunitária que leva o seu nome em 2011 e 2019.

Sem direitos

No início, a população era atendida por profissionais da organização Médicos Sem Fronteiras. Passadas décadas desde sua fundação, os moradores ainda encontram dificuldades para acessar direitos e serviços básicos, em especial a educação. 

A Escola Municipal Cantor e Compositor Gonzaguinha, por exemplo, só disponibiliza o Ensino Fundamental I; boa parte dos alunos precisa andar quatro quilômetros para estudar do outro lado da Avenida Brasil. Também não há creches públicas. 

Parcerias são bem-vindas: em 2022, por meio de uma articulação transdisciplinar com a Pontífice Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC/Rio), foi criada a Horta Comunitária/Escola Maria Angu.

Sem atenção

O poder público, segundo os moradores, esqueceu que Marcílio Dias existe. Pescadores participaram da fundação da comunidade, mas hoje eles lamentam o abandono, simbolizado no desabamento do cais ainda por reparar. “Já sofremos com a Baía de Guanabara com pouco peixe e sem profundidade, e agora vivemos com um cais que ninguém recupera”, diz José Lourenço da Conceição, pescador há 52 anos.

Outro problema anunciado é o fato de a localidade não ser assistida por uma estação do BRT. Moradores têm de caminhar até a passarela 15, a quase 400 metros da entrada da favela.

José Pereira de Araújo, conhecido como Zé Bigode, tem 68 anos e é um dos moradores mais populares do lugar. Ele veio há quatro décadas de Sapé, cidade da Paraíba, para viver em Marcílio Dias.

”Eu me lembro dos forrós, que eram bons. Na época a Igreja Católica trouxe um projeto da Caixa Econômica que distribuía material de construção, então conseguimos sair das palafitas, num tempo em que a comunidade ainda tinha mato. Juntávamos os amigos em mutirão para levantar as casas, que eram de telhado. Com o tempo as pessoas foram colocando lajes”, conta ele.

Zé Bigode diz que se sente no Nordeste. “Calculo que 80% da minha geração são de conterrâneos (nordestinos); isso é bom. Aqui é a melhor favela da cidade”, declara. O mesmo amor tem Ana Cunha, presidente da Associação de Moradores de Marcílio Dias: “Como presidente e moradora daqui, essa comunidade sempre fará parte da minha vida.”

Cada favela que forma esse bairro chamado Maré tem sua própria história e diversidade cultural. Em 2023, esta coluna pretende mostrar um pouco de cada uma delas. No nosso próximo encontro descobriremos como nasceu a favela de Parque Maré. Até lá!

Pescadores de Marcílio Dias denunciam abandono do estado – Foto: Matheus Affonso

Yoga se multiplica na Maré

Curso proporciona a formação de mulheres na prática milenar

Por Hélio Euclides

Há oito anos começava um trabalho que visava cuidar da mente e corpo na Maré. Com o tempo, a professora Ana Olívia percebeu a força de vontade de suas alunas e a possibilidade de nascerem novas mestres para potencializar a yoga no território. Dessa forma, no último domingo (12) ocorreu a formatura de 16 moradoras da Maré. Elas se formaram como instrutoras na prática da yoga. 

O Instituto Yoga Maré começou em 2015, com aulas na sede da Redes da Maré e no Centro de Artes da Maré, ambos na Nova Holanda; no Espaço Casulo, na Baixa do Sapateiro; e na Clínica da Família Adib Jatene, na Vila dos Pinheiros. Em junho de 2019, o Instituto Yoga na Maré inaugurou um espaço próprio, o NUBES – Núcleo de Bem-Estar e Saúde, ampliando suas atividades e atendimentos. Atualmente, cerca de 200 pessoas são alunas ativas e regulares.

O Espaço Terra Matter, na Glória, foi o local escolhido para a cerimônia de entrega dos certificados das futuras professoras de yoga. A festa contou com a presença de familiares, parceiros e apoiadores do Instituto Yoga na Maré. Todas as formandas começaram a cerimônia recebendo uma tatuagem de henna, que simboliza além do visual, a prosperidade e proteção. Depois o evento seguiu com dois mantras, entoação de determinadas palavras tendo o poder de elevar o nível da meditação. Os mantras são considerados ferramentas de conexão espiritual. 

O momento alto da formatura foram os discursos. Professores e formandas estavam emocionados e relembraram suas trajetórias. “As vidas dessas professoras formadas se cruzaram pela prática milenar. Foram 15 meses de estudos, superando as dificuldades de uma pandemia. As alunas tiveram uma grande bagagem de estudos e disciplinas. A formação possibilita a multiplicação do impacto positivo e ainda uma forma de geração de renda para essas mulheres”, destaca a professora Ana Olívia, coordenadora do Yoga Maré. Ela completou que um dos objetivos do curso é possibilitar que algumas das novas professoras ressignifiquem seus futuros e transformem a visão elitizada que o yoga ainda tem na sociedade. 

Ao final, Olívia agradeceu às instituições parceiras que acreditaram numa portuguesa que desejava tanto criar uma instituição de yoga. Uma das instituições foi a Redes da Maré. “Na pandemia o telefone da nossa instituição ficou em minha casa, e sempre tocou com pessoas desejando saber sobre o Yoga Maré. Essa formatura é o resultado da importância de um trabalho”, comenta Helena Edir, diretora da Redes da Maré. Também estava representando a instituição, Patrícia Vianna, que lembrou do tempo que foi coordenadora de Ana, que antes da yoga foi professora de espanhol na Maré. “Gostei de ter apoiado o trabalho dela. Percebo uma resistência e uma resiliência no grupo, que leva o nome da Maré. Desejo que continuem por muitos e muitos anos”, diz.

Foram 15 meses de muito esforço

O 1º Curso de Formação de Professores de Yoga foi oferecido pelo Instituto Yoga na Maré, em parceria com a Escola Svadhyaya, que ofereceu conteúdo realmente relevante para formar bons instrutores. Parte das aulas foram on-line, num total de dez meses no virtual. Em dezembro de 2022 ocorreu a avaliação final. “A palavra dessa turma é resiliência. Às vezes não tinha internet em todos os lares da Maré e elas iam umas às casas das outras, isso é uma conexão entre elas. Nos 17 anos de curso, essa turma foi a melhor. São de excelência, o que mostraram ao guiar uma aula. Elas serão luz”, conta Adriana da Cunha, professora e fundadora da Escola Svadhyaya. 

O curso ofereceu disciplinas diversas, como Anatomia Aplicada ao Yoga, Anatomia Sutil, Àsanas, Ética do Yoga, Fundamentos da Alimentação Yogui, Iniciação ao Sânscrito, Mantras, Meditação e Pranayamas. As alunas trabalharam a postura e exercícios respiratórios. Na cerimônia, as alunas receberam o diploma da formação de 200 horas em Hatha Yoga, com certificação internacional pela World Yoga Alliance. “Tenho gratidão aos professores e a este grupo que apesar das minhas dificuldades de vida, nunca me deixaram desistir. Hoje posso falar que somos da Maré para o mundo. Aprendemos a respeitar a diversidade de vida e a saúde de cada um, agora é ensinar esse aprendizado para os outros”, diz Adailza Gomes Barbosa, conhecida como Dray, de 54 anos.

Uma festa de muita emoção

O evento ainda contou com um filme da trajetória do projeto, buffet vegetariano e apresentação ao vivo de música indiana. Entre as professoras formadas, há mulheres de 25 a 64 anos, que são estudantes universitárias, vendedoras ambulantes, professoras, diaristas, operadoras de caixa, assistentes sociais e costureiras. “Estou maravilhada em chegar a este objetivo com 64 anos. Espero que minhas colegas da terceira idade saiam do sofá, pois é algo que mata e venham para a yoga para serem mais felizes”, expõe Elza Cristina da Silveira.

Entre os presentes na formatura estavam os alunos do Yoga Maré. Uma delas era Maria de Sena, de 61 anos, moradora do Parque Maré.  “É gratificante ver essas amigas chegarem nessa conquista. São quatro anos que faço yoga com a percepção de que é um exercício para o corpo e a cabeça, algo que só faz bem”, conta. Familiares estavam emocionados, é o caso de Maria Aparecida, de 64 anos, moradora da Vila do João e mãe da professora formada Daniele Dias. “É preciso divulgar esse curso, que a Maré é beneficiada, algo importante para nós. Eu vim das palafitas, num tempo que não tinha esse trabalho, por isso vejo como valioso”, afirma. 

Caeta Pontes é mãe da mais nova professora, Miriam de Lima, de 25 anos. Ela estava emocionada em ver a filha se formando numa atividade que gosta. “Minha filha é psicóloga, agora é professora de yoga e o próximo passo vai ser a especialização no trabalho infantil. Tenho orgulho de saber que ela vai poder mostrar o conhecimento dentro do território da Maré, trazendo melhoria na saúde mental para os moradores”, conclui.

Algumas professoras formadas já dão seus primeiros passos na carreira, já recebendo para dar aulas na favela pelo Instituto Yoga na Maré, mas também estão à frente de turmas abertas em uma Clínica da Família na Ilha do Governador, uma academia em Benfica e um espaço de autocuidado em Bonsucesso. O próximo passo é chegar de forma consistente aos estúdios de yoga da Zona Sul do Rio, onde algumas delas já substituíram professoras titulares.

Redes da Maré publica nota em repúdio a fake news sobre visita do ministro Flávio Dino

Ministro da Justiça participou do lançamento do sétimo Boletim de Segurança Pública

Da redação

Após a visita do ministro da Justiça, Flávio Dino, na Maré na última segunda-feira (13), um vídeo em que o ministro aparece entrando na favela Nova Holanda foi usado para sugerir que Flávio Dino estava sem seguranças e, que, por isso, teria envolvimento com o crime organizado para conseguir entrar no local sem que houvesse tiros.

Em sua conta do Twitter, o ministro explicou a vinda até a Maré: “Soube que representantes da extrema-direita reiteraram seu ódio a lugares onde moram os mais pobres. Essa gente sem decoro não vai me impedir de ouvir a voz de quem mais precisa do Estado. Não tenho medo de gritos de milicianos nem de milicianinhos.”

A Redes da Maré, responsável direta pelo evento e por receber o ministro e sua comitiva, publicou uma nota de repúdio as fake news espalhadas nos últimos dias.

Leia o texto na íntegra:

QUEM TEM MEDO DA PRESENÇA DO ESTADO NAS FAVELAS?

A divulgação de mentiras e distorção de fatos quanto a presença de autoridades em regiões da cidade em que as políticas públicas são ineficazes é um fato recorrente. Por isso, vemos nos questionamentos da ida do ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, a uma das favelas da Maré, o Parque Maré, a oportunidade de esclarecer o que, de fato, ocorreu.

A luta por melhores condições de vida nas favelas e periferias urbanas do Rio de Janeiro é diária. São milhares de pessoas e organizações da sociedade civil envolvidas em uma rede extensa que constrói, dia a dia, possibilidades de avanços de direitos para 1,7 milhão de moradores das favelas da região metropolitana do Rio que, apesar de muitos, são historicamente considerados menos participantes da cidade.

Essa luta diária envolve, dentre muitas ações estratégicas, uma central: que o Estado se implique e cumpra seus deveres também nestas regiões. Não se reivindica mais do que se é de direito: segurança, iluminação, saneamento básico, educação, saúde. É dever constitucional do Estado – tanto em nível federal quanto estadual e municipal – garantir esses direitos básicos para todos.

Portanto, há décadas, se reivindica a devida presença Estatal nas favelas no Rio de Janeiro, entendendo que temos, na cidade, tratamento desigual em relação ao acesso da população às políticas públicas. O distanciamento do poder público e a segregação territorial não interessam, portanto, a quem luta contra a discriminação e o racismo e almeja transformações sociais nas favelas e periferias urbanas. Mas, é visível o interesse de quem quer manter as coisas como estão.

Não é surpresa para ninguém, haja vista a intensidade da cobertura midiática sobre o tema da violência, que a forma mais ostensiva com a qual o Estado se faz presente nas favelas é fortemente bélica e militarizada, em nome de um ineficiente combate à criminalidade que escoa recursos públicos sem transparência e demonstração de efetividade.

Mas talvez possa surpreender a muitos que o Estado também está presente nas favelas de outras formas, como por meio de escolas públicas, unidades de saúde, coleta de lixo etc. Essa é uma presença importante e cotidiana, mesmo que ainda precarizada e inconstante. Por isso, é objeto de muitas reivindicações por melhorias e ampliação dos serviços públicos por parte da sociedade civil.

Sem dúvidas, o Estado se faz presente nas favelas da Maré, mesmo tendo aberto mão da sua soberania em muitos dos seus deveres. Quando olhamos, por exemplo, para o direito à segurança pública, constatamos que, efetivamente, os moradores de favelas nunca o experimentaram dentro de um escopo de garantia de direitos, e precisamos pensar o porquê. Os moradores de favelas não deveriam ter os mesmos direitos que qualquer outro cidadão na cidade?

Criminalizar a presença de uma autoridade pública no Parque Maré, uma das 16 favelas da Maré, que foi recepcionada por organizações da sociedade civil e coletivos de cinco favelas do Rio de Janeiro, que atuam na produção de dados e processos de incidência, é algo inaceitável! Há décadas promovemos diálogos com o Estado para a construção de outras formas das políticas públicas atuarem nesses territórios.

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, participou de um evento de lançamento da 7ª edição do, justamente chamado, Boletim Direito à Segurança Pública na Maré, que reúne dados de 2022 sobre as violências que sofrem os moradores nas 16 favelas da Maré, a partir dos confrontos sistemáticos que acontecem entre as polícias e grupos armados e estes entre si. Já é o sétimo ano em que a Redes da Maré publica essas informações, a partir do projeto “De Olho na Maré!”, realizado pelo eixo de trabalho que chamamos de Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça.

Como uma instituição da sociedade civil de base comunitária, sabemos da importância de reunir dados e evidências para mostrar para a sociedade que são inadmissíveis as violações de direitos que ocorrem diariamente, atingindo 140 mil moradores só nessa região. É cruel a naturalização e a perversidade de certos grupos que estimulam, inventam, mentem e distorcem, a qualquer custo, fatos que não correspondem à verdade.

Que medo é esse que se revela ao se perceber sinais (ainda simbólicos) de uma mudança de atitude em relação às favelas? Que medo é esse de que o Estado se faça presente de outra forma nas favelas? Os que se atemorizam e lançam mão de acusações e desinformações para refrear os ventos de mudança é que precisam se explicar para a sociedade brasileira.

Por isso, tornamos pública nossa indignação, como tecedoras e tecedores da Redes da Maré, com a tentativa de certos grupos de criminalizar o ministro Flávio Dino pela presença e escuta de nossas lutas. Isso nos atinge profundamente, pois, na realidade, é exatamente isso que sofremos todos os dias pelo simples fato de lutarmos por justiça.

Rio de Janeiro, 16 de março de 2023

Mães das vítimas de violência armada na Maré pedem fim do “combate aos corpos pretos e favelados”

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A programação faz parte do 14M, um conjunto de ações que manifestam por justiça à Marielle, Anderson e à população das favelas

Por Andrezza Paulo

As mães das vítimas de violência armada da Maré e do Manguinhos se reuniram nesta terça-feira (14) no Museu de Arte do Rio de Janeiro (MAR) para o segundo dia de lançamento do 7° Boletim de Segurança Pública na Maré. Na ocasião, as mães e familiares das vítimas pediram por justiça e confirmaram os dados que o Boletim mostra por mais um ano: jovens pretos estão sendo executados. O encontro faz parte da agenda do 14M, evento que aborda justiça pelos 5 anos do assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes.

Combate aos corpos pretos e favelados

O coletivo Mães do Manguinhos e Mães da Maré levantaram forças para denunciar as violações das ações policiais e estenderam ao chão, um mural com fotos de dezenas de vítimas da política de (in)segurança aplicada nas favelas. “Não tem investimento em cultura, em saúde ou em educação. Nossos impostos são revertidos em um projeto político de extermínio da população preta, pobre e favelada”, conta Ana Paula, mãe de Johnatha, morto aos 19 anos com um tiro nas costas.

De acordo com dados do Boletim de Segurança Pública na Maré, das 27 mortes no território por operações policiais,  19 eram homens negros e pardos, em sua maioria com até 29 anos de idade. Além das vítimas fatais, o boletim detectou 30 ações de cárcere privado e 27 torturas, além de violência física, psicológica e danos ao patrimônio.

Por trás de cada número, uma vida, uma história.

“Nunca mais vou abraçar meu filho, nunca mais eu vou ver meu filho, nunca mais eu vou ouvir meu filho. Eles não investigam nada. Decidem quem é traficante e matam”, diz Dona Fátima sem conter as lágrimas ao lembrar do filho de apenas 18 anos morto sufocado, por asfixia mecânica no Manguinhos.

Rafaela Vilar é irmã de Guilherme, assassinado aos 19 anos com mais de 10 perfurações no corpo, 5 de arma de fogo e 5 de objeto cortante. “Enrolaram 2 meses para entregar o laudo que fica pronto em 30 dias e quando peguei, me deparei com 10 perfurações no corpo dele”. Ela relata o quão importante é a produção de dados sobre a violência armada e suas vítimas nos territórios de favela. “O que fizemos aqui hoje foi muito importante para mostrar para outras pessoas que elas têm direito de falar, de expor o que estão sentindo e de buscar justiça por suas famílias”. Rafaela representa irmãs, mães e tantos outros familiares que não tiveram direito ao luto e que seguem na busca incansável por justiça.

As intervenções sobre a segurança e o contexto de violência armada na Maré continuaram através de outras manifestações: a exposição artística de pintura do Encontro das Artes e com slam de Stacy Ferreira e Mat que emocionaram o público.

Até quando eu vou ter que aceitar a violência armada? É sempre uma voz silenciada e uma arma na cabeça apontada. Eles me olham e me julgam como indigente, mas não vale minha escuta quando grito que sou inocente. 

  • Stacy e Mat

Teatro das Oprimidas celebra o mês das mulheres com evento gratuito

Programação potencializa a voz feminina e lança edição extraordinária de revista Metaxis

Por Lucas Feitoza

Para celebrar o mês das mulheres, o Centro de Teatro do Oprimido (CTO) localizado no bairro da Lapa, região central carioca, realiza nos dias 16 e 17 de março o Festival Teatro das Oprimidas.  

O evento também celebra o Dia Mundial do Teatro dos Oprimidos (16) e usa a técnica do teatrólogo brasilleiro Augusto Boal, que envolve exercícios e jogos teatrais e fazem tanto os artistas quanto o público se conectarem com as questões sociais e assuntos como machismo, racismo e sexismo. No evento a técnica será utilizada dando destaque às lutas feministas e cobrando os direitos das mulheres por meio de apresentações de peças, performances e um documentário sobre o projeto. 

A programação conta também com o lançamento da décima edição da revista Metaxis, que celebrou o Teatro das Oprimidas, projeto que levou debates, oficinas e laboratórios através da estética feminina para cidades da região metropolitana. Na revista, além das experiências pessoais e vividas durante o projeto, também são abordados pelos multiplicadores temas como os  desastres ambientais que são recorrentes no início do ano, como os alagamentos que atingiram o estado no mês passado. 

A criadora do Teatro das Oprimidas e editora da revista Metaxis, Bárbara Santos, destaca que a edição extraordinária da revista tem muita diversidade e pode servir de inspiração para os leitores. Bárbara acrescenta que o público pode esperar um espetáculo lúdico, mas carregado de ensinamentos e linguagem simples que facilitam a compreensão e aproxima da cena: “É incrível como nossos grupos teatrais conseguem traduzir situações espinhosas e complexas em narrativas leves e acessíveis. O Festival vai oferecer beleza, alegria e um convite à participação engajada. Nesses eventos é possível se divertir”, afirma.

O teatro dos oprimidos na Maré

O Teatro das Oprimidas fez apresentações itinerantes por cidades do entorno da Baía de Guanabara e também no Peru e na Guiné-Bissau. A Maré foi um dos bairros carioca contemplados com apresentações do projeto, no Museu da Maré, Piscinão de Ramos e na clínica da Família Américo Veloso. Maiara Carvalho, coordenadora do projeto, começou sua atuação no CTO aqui na favela, disse que  a forma das apresentações abordarem  temas sensíveis como violência, homofobia, racismo e machismo, faz as pessoas perceberem que não são histórias de sofrimento mas sim de como sorrir mesmo diante das adversidades. “A gente quer celebrar no dia 16 a nossa existência, rir, dançar na dor e celebrar a nossa história que vem sendo feita por mãos pretas de mulheres, celebrar no mês das mulheres que estamos vivas”, concluiu.

O  Centro do Teatro do Oprimido fica na  Av. Mem de Sá, 31 – Lapa, RJ.

SERVIÇO:

16 de março

11h às 21h

11h – Exposição artística

14h – Performance artística “Isso não é bla bla bla” do Grupo Ponto Chic

14h10 – Peça de Teatro Legislativo Feminista “Até quando?” do Núcleo Marincanto

17h – Performance artística “A Baía é de quem?” do Núcleo Baía de Guanabara

17h10 – Peça de Teatro-Fórum “Brasil, um país acolhedor?” do Coletivo Magdas Migram

19h – Performance artística “Abordagem” do Núcleo Viradouro

19h10 – Espetáculo de Teatro-Fórum “Gêneres” da Cia CTO

17 de março

19h às 03h20

17h – Exposição artística

19h45 – Performance “180 neles!” da Ocupação Artística do Viradouro

20h – Apresentação e Distribuição da revista METAXIS – Teatro das Oprimidas com Bárbara Santos

20h30 – Documentário Teatro das Oprimidas

21h30 – Show musical com Luciane Dom

22h – Show musical com Dom Moça Prosa

01h – DJ Bieta

Boletim de Segurança Pública da Maré é entregue à Lula, em Brasília

Entrega foi feita durante cerimônia de restituição do PRONASCI

Por Jéssica Pires

A restituição do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (PRONASCI) foi realizada nesta quarta-feira (14) no Congresso Nacional, em Brasília. Flávio Dino, Ministro da Justiça e Segurança Pública apresentou a restituição do programa em sua visita à Maré, na última segunda-feira, durante o lançamento do Boletim de Segurança Pública da Maré, quando também fez o convite para a equipe do Eixo Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça da Redes da Maré participar da cerimônia e entregar o boletim pessoalmente ao presidente Lula. 

Liliane Santos, assistente social e cria da Baixa do Sapateiro, coordenadora do eixo Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça da Redes da Maré foi convidada a participar da agenda de retomada do PRONASCI, durante a cerimônia desta quarta-feira. Esse programa de nível nacional pode determinar diretrizes e políticas públicas que contribuam na consolidação de boas práticas no campo da segurança pública. Também foi entregue a Lula uma carta com intenções dos coletivos e organizações que marcaram presença na visita de Dino à Maré no início da semana. A entrega foi feita por Janete Nazareth, integrante do coletivo de mulheres Mulheres do Salgueiro,

Stacy Ferreira e Math de Araújo, artistas mareenses, também participaram da cerimônia, recitando um poema elaborado a partir dos dados e análises do Boletim Direito à Segurança Pública na Maré. Stacy Ferreira é cria da Nova Holanda, escritora, filha de Michele e neta de Dona Miriam, é formada no Ensino Médio no Colégio Estadual Olga Benário, é cantora e campeã do Slam Colegial Flup 2022. Math de Araujo é cria da favela Rubens Vaz, escritor desde 2015, filho de Rosemery e Marcelo, é formado técnico em Mecânica no CEFET/RJ e cursa Jornalismo na UERJ. É autor do zine “A reza” (2017) e do livro “Maré cheia” (ed.1, 2018). É fundador do Slam Maré Cheia, autor convidado da Flip 2018, orientador do Slam Colegial Flup 2022.

Foto: Ricardo Stuckert | Os artistas Stacy Ferreira e Math de Araújo.

Segurança Pública e Cidadania:

O Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (PRONASCI), lançado em 2007, porém descontinuado, seguirá a partir de cinco eixos de atuação: o combate à violência contra mulher e feminicídio, com a retomada das sete casas da mulher e lançamento de mais 40 casas em todo o país; a justiça antirracista; o trabalho em territórios que são fortemente atingidos pela violência e uma política específica para presos e regressos. 

O programa será liderado por Tamires Sampaio, que também é Assessora Especial do Ministro da Justiça e Segurança Pública. Para o Maré de Notícias, Tamires falou que o programa tem como foco o combate ao racismo que tem influência nas operações policiais devido ao alto número de mortalidade de jovens negros. A cerimônia foi transmitida no link.