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Futuros da Baía de Guanabara

Com atividades gratuitas para todas as idades, o Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ inaugura amanhã (21/3) exposição imersiva sobre os efeitos da crise climática.

Por Redação

Hoje, cerca de 12 milhões de pessoas que vivem na Baía de Guanabara sofrem com as alterações do clima. Deslizamentos, chuvas intensas, enchentes, períodos extensos de seca ameaçando o abastecimento de água e ondas de calor fazem parte do cotidiano de muita gente, sobretudo a população periférica, distribuída nas favelas cariocas e em municípios da região metropolitana do Rio, Baixada Fluminense, Região dos Lagos e Serrana.

De olho em saídas para o futuro, a exposição reúne projetos de pesquisa e extensão da UFRJ voltados para a redução da crise climática. Entre eles estão a Usina de Ondas, que produz energia limpa, o concreto ecológico, que substitui o cimento e reduz a emissão de gás carbônico, e o robô Ariel, capaz de detectar vazamento de óleo no mar.

“Um dos objetivos da exposição é mostrar como as ciências têm criado soluções para reduzir e desacelerar o aquecimento global, além de gerar impacto social, conscientizando a sociedade sobre a defesa da democracia climática a nível local e global”, explica Christine Ruta, bióloga e coordenadora do Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ.

É preciso lembrar que populações pobres são as mais afetadas e que é urgente integrar os saberes científicos e populares para enfrentar a crise.

Christine Ruta, bióloga e coordenadora do Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ.

Orientam a exposição perguntas como: de que forma a mudança do clima tem afetado a Baía de Guanabara, seu entorno, suas cidades e sua biodiversidade? O que esperar para os próximos anos e como o conhecimento produzido pelas universidades e pela população podem colaborar para enfrentar o problema?

Para ajudar o espectador a responder às perguntas, a mostra recorre a atrações imersivas, interativas e tecnológicas. Uma delas é o filme “Desafios da Baía de Guanabara”, exibido em duas telas, lado a lado, que colocam o espectador frente a frente com a biodiversidade e os efeitos da ação humana em uma das baías mais conhecidas do Brasil.

“Queremos aproximar o público da riqueza e relevância da Baía de Guanabara – um local que faz parte da vida dos cariocas, fluminenses e do imaginário brasileiro, mas ainda pouco conhecido em termos de diversidade, não só ambiental, mas também social, econômica e cultural”, explica Leonardo Menezes, curador da exposição e ex-diretor de Conhecimento e Criação do Museu do Amanhã.

Experiência imersiva e interativa

Outras experiências interativas são as Salas das Escolhas e o Mural das Iniciativas, com informações, perguntas e um painel para o público participar, propondo ações locais de combate aos problemas envolvendo a crise do clima na Baía de Guanabara nas próximas décadas.  

“Entre os problemas enfrentados pela Baía de Guanabara estão o aquecimento das águas, chuvas intensas, o aumento do lixo e queda da qualidade da água”, explica o biólogo marinho Paulo Paiva, professor do Instituto de Biologia da UFRJ e membro do comitê científico da exposição.

“Também há o risco de extinção de espécies marinhas, como botos-cinzas e raias gigantes, e a redução das atividades turísticas e econômicas na região, que tem hoje 20 mil pescadores com o futuro incerto”, completa Fábio Scarano, professor do Instituto de Biologia da UFRJ e membro do comitê.

Visitas guiadas e oficinas 

A programação também inclui oficinas e visitas guiadas para crianças e jovens alunos das redes pública e privada, estudantes universitários e grupos comunitários, especialmente do entorno da Baía. As visitas podem ser agendadas previamente pelo site da exposição.

Também estão previstas palestras com cientistas, gestores públicos e lideranças comunitárias, lançamento de livros, apresentações culturais e gravações de podcasts ao vivo.

A exposição “Futuros da Baía de Guanabara: Inovação e Democracia Climática” está na Casa da Ciência da UFRJ, que fica na Rua R. Lauro Müller, 3, Botafogo até o dia 14 de maio. Funciona de terça a sábado, das 9h às 20h; domingos e feriados, das 10h às 16h, com entrada gratuita. Agendamento de visitas guiadas e mais informações, é so acessar baiadeguanabara.forum.ufrj.br.

A educação cultural

Aula de Educação Física com toque de arte e cultura afro-brasileira

Por Hélio Euclides

Quando se pensa numa sala de aula vem à mente várias carteiras, uma atrás da outra. Já em uma aula de educação física, o pensamento é na realização de jogos como futebol, queimado e handebol. Mas muitos professores já estão optando por uma aula mais participativa e com diferencial. Um dessas aulas aconteceu na última terça-feira (14/03), na Escola Municipal Ginásio Olimpíadas Rio 2016, que fica na Nova Holanda. Os alunos assistiram a uma apresentação de jongo, uma dança dos ancestrais, de roda e de umbigada, que integra percussão de tambores e canto.

A apresentação foi uma ponte da Maré com a 10° Edição do Encontro Nacional de Cultura Popular no Vidigal, considerado o maior encontro de cultura afro realizado em favela, que reúne mestres de todos os lugares. O evento na escola contou com a parceria da Lona Cultural Municipal Herbert Vianna e com a participação de dez jongueiros. O idealizador da apresentação foi Lucas Henrique Ferreira, de 29 anos, professor de Educação Física da escola, especialista em Educação para as Relações Étnico-Raciais e mestrando em Educação.

A apresentação foi avaliada como muito positiva pelo professor, com a participação de mais de 100 alunos. Com isso, há possibilidade da volta dos jongueiros, para a realização de uma oficina com os estudantes. “No ano passado criamos um grupo de maculelê que se apresentou em vários lugares, como o Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. A Luta pela Paz e a Redes da Maré nos ajudaram com o transporte”, diz. 

Para Ferreira, trabalhar jongo dentro da disciplina de Educação Física proporciona a realização de uma atividade que envolve o corpo, mente, jogo, luta e exercício. “Quando se fala em luta, remete-se à cultura japonesa. Eu vivencio a luta indígena, as culturas brasileiras e africanas, dessa forma trago uma nova realidade aos alunos. O objetivo é potencializar o dia a dia deles com outras habilidades, pois futebol eles encontram a qualquer hora nas quadras e campos da favela”, comenta. 

O educador escolhe trabalhar na sala de aula expressões afro-brasileiras, como a capoeira, o jongo, o samba de roda, o maculelê, o huka huka e o peikrãn, que é uma peteca indígena. “É uma luta esse trabalho de educação, já fui até chamado de macumbeiro da escola. O bom é que a escola que atuo é aberta e tenho apoio para articular”, conclui.

O site da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, da Fundação Oswaldo Cruz, mostra que atualmente, há leis que asseguram a obrigatoriedade do ensino da cultura e história afro-brasileiras, africanas e indígenas nas escolas. A lei 10.639 foi sancionada em 2003 e institui o ensino da cultura e história afro-brasileiras e africanas e a lei 11.645 complementa a lei 10.639 ao acrescentar o ensino da cultura e história indígenas.

Autor da Maré lança primeiro livro infantil

Lançamento distribuiu brindes e contou com oficina de lambe lambe

Samara Oliveira

No último sábado (11), aconteceu no Pontilhão Cultural da Maré, o primeiro dia de lançamento do livro “Moleque Piranha”, de Renato Cafuzo. Com um público atento e envolvido em toda programação, o evento contou com a participação do Grupo Ujima, que conta histórias negras da literatura infanto-juvenil com ancestralidade, identidade e representatividade. Além disso, teve bate papo com o autor, distribuição de brindes para as crianças, oficina de lambe lambe e brinquedos liberados para a diversão da criançada.

Renato Cafuzo, ilustrador de outros cinco livros infanto-juvenis de autoras negras, estreia sua primeira história publicada falando sobre infância e arte de rua, trazendo duas fortes homenagens: uma para seu amigo de adolescência, o cineasta Cadu Barcellos, e outra para a vereadora Marielle Franco. Assim como Cafuzo, ambos são crias do Conjunto de Favelas da Maré, e marcam a história do território com uma trajetória de luta contra o racismo, dando voz às narrativas que definem as periferias como um lugar onde os sonhos são possíveis. 

O lançamento acontece também em outras duas datas. No dia 16 de março, na Biblioteca Comunitária Maria Lina, em Nova Iguaçu, e dia 22, na Biblioteca Parque, no Centro. 

Da vivência à criação do personagem 

“Uma expressão da rua para a própria rua”, é como o autor define o “Moleque Piranha”, personagem que dá nome ao livro. O desenho teve como influência os cartoons, e à medida que a relação do autor com a cidade ia mudando, o “moleque piranha” também se adaptava em suas diferentes expressões. Foi no trajeto da Zona Oeste à Zona Sul do Rio de Janeiro, há quase uma década, que a caminho do trabalho, Renato, que à época tinha acabado de se tornar pai, aproveitava o percurso para se expressar pela cidade adesivando o desenho pelas ruas. 

Consciente ou inconscientemente, a figura dá forma a uma lembrança da infância do autor, que começou a desenhar por influência do pai que trabalhava em uma gráfica. Entre os brinquedos favoritos, blocos de papel estavam no topo da lista. Era o que o seu pai mais levava pra casa. 

“Lembro dele com um bloco desenhando um toco de árvore e no toco desenhava um rosto. Esperou até ver minha cara confusa com o desenho e soltou: “esse é o cara-de-pau”. É impressionante notar a similaridade da construção dessa piada com a do personagem que eu colo por aí hoje em dia”, relembra Renato, que hoje continua utilizando o desenho como intervenção artística em diferentes espaços urbanos através da colagem de adesivos. 

Então, se você mora no Rio, possivelmente já viu o “moleque piranha” por aí, que inclusive também circula pelas ruas fora do Brasil. A arte ganhou um contexto coletivo quando amigos do autor a fizeram circular por diferentes lugares, reafirmando como as ruas podem expressar e guardar memórias e seus diferentes significados. 

Em uma narrativa onde todos os personagens são negros – e apenas dois são adultos – grande parte da história se passa na escola. Revisitando sua própria trajetória, Cafuzo traz nos versos a potência das infâncias negras e a importância da educação como forma de criar outras possibilidades de futuro. Enxergando cada criança como um mundo em expansão, o autor mostra como ser parte e ser visto por uma comunidade, expande as possibilidades de ser e existir com humanidade. 

“Não acho que seja fantasioso contar uma história bonita na favela, mas quando faço é na esperança que tenhamos mais dias assim. E demonstrar que isso é possível pras nossas crianças é importante! Alguns traços do racismo partem basicamente do que você pode ou não pode fazer. E isso, numa fase de desenvolvimento como a infância, se traduz em como você pode ou não pode se desenvolver”, reforça o autor. 

Um pedacinho da Maré na Penha Circular

Nascida sobre palafitas, Conjunto Marcílio Dias tem histórias de luta por habitação

Edição #146 do Maré de Notícias

Por Hélio Euclides

Em 1948 ainda existia a Praia das Moreninhas e foi ali que oito famílias de pescadores ergueram as primeiras palafitas. Era um espaço próximo à antiga fábrica Kelson’s e ao Mercado São Sebastião. Assim começava o processo de ocupação do futuro Conjunto Marcílio Dias. Em 1988, o estado delimitou o que seria o bairro Maré e, apesar da história muito parecida com a das outras favelas do conjunto, Marcílio Dias não foi incluída no decreto municipal. 

Para chegar lá é preciso passar pela Passarela 16 da Avenida Brasil, sentido Zona Oeste, na altura do número 10.946, e ir até o fim do aglomerado de unidades da Marinha. O Conjunto Marcílio Dias é a favela mais distante do restante da Maré (2,3 quilômetros da Praia de Ramos). 

A Marinha brasileira marca a história do lugar: seu nome é uma homenagem ao marinheiro negro da Armada Imperial Brasileira, e a comunidade também faz um tributo a outro integrante dessa força armada através do seu centro municipal de saúde, nomeado  João Cândido, o “Almirante Negro”.

A história da favela mudou quando recebeu, em 1982, a visita de madre Teresa de Calcutá. Na época, Marcílio Dias era formada por apenas 800 barracos de madeira, onde viviam cerca de quatro mil moradores. A visita ilustre mobilizou lideranças locais e a Pastoral de Favelas para uma reorganização das moradias em uma área de quase 46 mil metros quadrados — com o aterramento da praia, cada vez mais habitações foram erguidas na região. Madre Teresa não foi a única visita ilustre: a escritora Nélida Piñon foi à biblioteca comunitária que leva o seu nome em 2011 e 2019.

Sem direitos

No início, a população era atendida por profissionais da organização Médicos Sem Fronteiras. Passadas décadas desde sua fundação, os moradores ainda encontram dificuldades para acessar direitos e serviços básicos, em especial a educação. 

A Escola Municipal Cantor e Compositor Gonzaguinha, por exemplo, só disponibiliza o Ensino Fundamental I; boa parte dos alunos precisa andar quatro quilômetros para estudar do outro lado da Avenida Brasil. Também não há creches públicas. 

Parcerias são bem-vindas: em 2022, por meio de uma articulação transdisciplinar com a Pontífice Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC/Rio), foi criada a Horta Comunitária/Escola Maria Angu.

Sem atenção

O poder público, segundo os moradores, esqueceu que Marcílio Dias existe. Pescadores participaram da fundação da comunidade, mas hoje eles lamentam o abandono, simbolizado no desabamento do cais ainda por reparar. “Já sofremos com a Baía de Guanabara com pouco peixe e sem profundidade, e agora vivemos com um cais que ninguém recupera”, diz José Lourenço da Conceição, pescador há 52 anos.

Outro problema anunciado é o fato de a localidade não ser assistida por uma estação do BRT. Moradores têm de caminhar até a passarela 15, a quase 400 metros da entrada da favela.

José Pereira de Araújo, conhecido como Zé Bigode, tem 68 anos e é um dos moradores mais populares do lugar. Ele veio há quatro décadas de Sapé, cidade da Paraíba, para viver em Marcílio Dias.

”Eu me lembro dos forrós, que eram bons. Na época a Igreja Católica trouxe um projeto da Caixa Econômica que distribuía material de construção, então conseguimos sair das palafitas, num tempo em que a comunidade ainda tinha mato. Juntávamos os amigos em mutirão para levantar as casas, que eram de telhado. Com o tempo as pessoas foram colocando lajes”, conta ele.

Zé Bigode diz que se sente no Nordeste. “Calculo que 80% da minha geração são de conterrâneos (nordestinos); isso é bom. Aqui é a melhor favela da cidade”, declara. O mesmo amor tem Ana Cunha, presidente da Associação de Moradores de Marcílio Dias: “Como presidente e moradora daqui, essa comunidade sempre fará parte da minha vida.”

Cada favela que forma esse bairro chamado Maré tem sua própria história e diversidade cultural. Em 2023, esta coluna pretende mostrar um pouco de cada uma delas. No nosso próximo encontro descobriremos como nasceu a favela de Parque Maré. Até lá!

Pescadores de Marcílio Dias denunciam abandono do estado – Foto: Matheus Affonso

Yoga se multiplica na Maré

Curso proporciona a formação de mulheres na prática milenar

Por Hélio Euclides

Há oito anos começava um trabalho que visava cuidar da mente e corpo na Maré. Com o tempo, a professora Ana Olívia percebeu a força de vontade de suas alunas e a possibilidade de nascerem novas mestres para potencializar a yoga no território. Dessa forma, no último domingo (12) ocorreu a formatura de 16 moradoras da Maré. Elas se formaram como instrutoras na prática da yoga. 

O Instituto Yoga Maré começou em 2015, com aulas na sede da Redes da Maré e no Centro de Artes da Maré, ambos na Nova Holanda; no Espaço Casulo, na Baixa do Sapateiro; e na Clínica da Família Adib Jatene, na Vila dos Pinheiros. Em junho de 2019, o Instituto Yoga na Maré inaugurou um espaço próprio, o NUBES – Núcleo de Bem-Estar e Saúde, ampliando suas atividades e atendimentos. Atualmente, cerca de 200 pessoas são alunas ativas e regulares.

O Espaço Terra Matter, na Glória, foi o local escolhido para a cerimônia de entrega dos certificados das futuras professoras de yoga. A festa contou com a presença de familiares, parceiros e apoiadores do Instituto Yoga na Maré. Todas as formandas começaram a cerimônia recebendo uma tatuagem de henna, que simboliza além do visual, a prosperidade e proteção. Depois o evento seguiu com dois mantras, entoação de determinadas palavras tendo o poder de elevar o nível da meditação. Os mantras são considerados ferramentas de conexão espiritual. 

O momento alto da formatura foram os discursos. Professores e formandas estavam emocionados e relembraram suas trajetórias. “As vidas dessas professoras formadas se cruzaram pela prática milenar. Foram 15 meses de estudos, superando as dificuldades de uma pandemia. As alunas tiveram uma grande bagagem de estudos e disciplinas. A formação possibilita a multiplicação do impacto positivo e ainda uma forma de geração de renda para essas mulheres”, destaca a professora Ana Olívia, coordenadora do Yoga Maré. Ela completou que um dos objetivos do curso é possibilitar que algumas das novas professoras ressignifiquem seus futuros e transformem a visão elitizada que o yoga ainda tem na sociedade. 

Ao final, Olívia agradeceu às instituições parceiras que acreditaram numa portuguesa que desejava tanto criar uma instituição de yoga. Uma das instituições foi a Redes da Maré. “Na pandemia o telefone da nossa instituição ficou em minha casa, e sempre tocou com pessoas desejando saber sobre o Yoga Maré. Essa formatura é o resultado da importância de um trabalho”, comenta Helena Edir, diretora da Redes da Maré. Também estava representando a instituição, Patrícia Vianna, que lembrou do tempo que foi coordenadora de Ana, que antes da yoga foi professora de espanhol na Maré. “Gostei de ter apoiado o trabalho dela. Percebo uma resistência e uma resiliência no grupo, que leva o nome da Maré. Desejo que continuem por muitos e muitos anos”, diz.

Foram 15 meses de muito esforço

O 1º Curso de Formação de Professores de Yoga foi oferecido pelo Instituto Yoga na Maré, em parceria com a Escola Svadhyaya, que ofereceu conteúdo realmente relevante para formar bons instrutores. Parte das aulas foram on-line, num total de dez meses no virtual. Em dezembro de 2022 ocorreu a avaliação final. “A palavra dessa turma é resiliência. Às vezes não tinha internet em todos os lares da Maré e elas iam umas às casas das outras, isso é uma conexão entre elas. Nos 17 anos de curso, essa turma foi a melhor. São de excelência, o que mostraram ao guiar uma aula. Elas serão luz”, conta Adriana da Cunha, professora e fundadora da Escola Svadhyaya. 

O curso ofereceu disciplinas diversas, como Anatomia Aplicada ao Yoga, Anatomia Sutil, Àsanas, Ética do Yoga, Fundamentos da Alimentação Yogui, Iniciação ao Sânscrito, Mantras, Meditação e Pranayamas. As alunas trabalharam a postura e exercícios respiratórios. Na cerimônia, as alunas receberam o diploma da formação de 200 horas em Hatha Yoga, com certificação internacional pela World Yoga Alliance. “Tenho gratidão aos professores e a este grupo que apesar das minhas dificuldades de vida, nunca me deixaram desistir. Hoje posso falar que somos da Maré para o mundo. Aprendemos a respeitar a diversidade de vida e a saúde de cada um, agora é ensinar esse aprendizado para os outros”, diz Adailza Gomes Barbosa, conhecida como Dray, de 54 anos.

Uma festa de muita emoção

O evento ainda contou com um filme da trajetória do projeto, buffet vegetariano e apresentação ao vivo de música indiana. Entre as professoras formadas, há mulheres de 25 a 64 anos, que são estudantes universitárias, vendedoras ambulantes, professoras, diaristas, operadoras de caixa, assistentes sociais e costureiras. “Estou maravilhada em chegar a este objetivo com 64 anos. Espero que minhas colegas da terceira idade saiam do sofá, pois é algo que mata e venham para a yoga para serem mais felizes”, expõe Elza Cristina da Silveira.

Entre os presentes na formatura estavam os alunos do Yoga Maré. Uma delas era Maria de Sena, de 61 anos, moradora do Parque Maré.  “É gratificante ver essas amigas chegarem nessa conquista. São quatro anos que faço yoga com a percepção de que é um exercício para o corpo e a cabeça, algo que só faz bem”, conta. Familiares estavam emocionados, é o caso de Maria Aparecida, de 64 anos, moradora da Vila do João e mãe da professora formada Daniele Dias. “É preciso divulgar esse curso, que a Maré é beneficiada, algo importante para nós. Eu vim das palafitas, num tempo que não tinha esse trabalho, por isso vejo como valioso”, afirma. 

Caeta Pontes é mãe da mais nova professora, Miriam de Lima, de 25 anos. Ela estava emocionada em ver a filha se formando numa atividade que gosta. “Minha filha é psicóloga, agora é professora de yoga e o próximo passo vai ser a especialização no trabalho infantil. Tenho orgulho de saber que ela vai poder mostrar o conhecimento dentro do território da Maré, trazendo melhoria na saúde mental para os moradores”, conclui.

Algumas professoras formadas já dão seus primeiros passos na carreira, já recebendo para dar aulas na favela pelo Instituto Yoga na Maré, mas também estão à frente de turmas abertas em uma Clínica da Família na Ilha do Governador, uma academia em Benfica e um espaço de autocuidado em Bonsucesso. O próximo passo é chegar de forma consistente aos estúdios de yoga da Zona Sul do Rio, onde algumas delas já substituíram professoras titulares.

Redes da Maré publica nota em repúdio a fake news sobre visita do ministro Flávio Dino

Ministro da Justiça participou do lançamento do sétimo Boletim de Segurança Pública

Da redação

Após a visita do ministro da Justiça, Flávio Dino, na Maré na última segunda-feira (13), um vídeo em que o ministro aparece entrando na favela Nova Holanda foi usado para sugerir que Flávio Dino estava sem seguranças e, que, por isso, teria envolvimento com o crime organizado para conseguir entrar no local sem que houvesse tiros.

Em sua conta do Twitter, o ministro explicou a vinda até a Maré: “Soube que representantes da extrema-direita reiteraram seu ódio a lugares onde moram os mais pobres. Essa gente sem decoro não vai me impedir de ouvir a voz de quem mais precisa do Estado. Não tenho medo de gritos de milicianos nem de milicianinhos.”

A Redes da Maré, responsável direta pelo evento e por receber o ministro e sua comitiva, publicou uma nota de repúdio as fake news espalhadas nos últimos dias.

Leia o texto na íntegra:

QUEM TEM MEDO DA PRESENÇA DO ESTADO NAS FAVELAS?

A divulgação de mentiras e distorção de fatos quanto a presença de autoridades em regiões da cidade em que as políticas públicas são ineficazes é um fato recorrente. Por isso, vemos nos questionamentos da ida do ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, a uma das favelas da Maré, o Parque Maré, a oportunidade de esclarecer o que, de fato, ocorreu.

A luta por melhores condições de vida nas favelas e periferias urbanas do Rio de Janeiro é diária. São milhares de pessoas e organizações da sociedade civil envolvidas em uma rede extensa que constrói, dia a dia, possibilidades de avanços de direitos para 1,7 milhão de moradores das favelas da região metropolitana do Rio que, apesar de muitos, são historicamente considerados menos participantes da cidade.

Essa luta diária envolve, dentre muitas ações estratégicas, uma central: que o Estado se implique e cumpra seus deveres também nestas regiões. Não se reivindica mais do que se é de direito: segurança, iluminação, saneamento básico, educação, saúde. É dever constitucional do Estado – tanto em nível federal quanto estadual e municipal – garantir esses direitos básicos para todos.

Portanto, há décadas, se reivindica a devida presença Estatal nas favelas no Rio de Janeiro, entendendo que temos, na cidade, tratamento desigual em relação ao acesso da população às políticas públicas. O distanciamento do poder público e a segregação territorial não interessam, portanto, a quem luta contra a discriminação e o racismo e almeja transformações sociais nas favelas e periferias urbanas. Mas, é visível o interesse de quem quer manter as coisas como estão.

Não é surpresa para ninguém, haja vista a intensidade da cobertura midiática sobre o tema da violência, que a forma mais ostensiva com a qual o Estado se faz presente nas favelas é fortemente bélica e militarizada, em nome de um ineficiente combate à criminalidade que escoa recursos públicos sem transparência e demonstração de efetividade.

Mas talvez possa surpreender a muitos que o Estado também está presente nas favelas de outras formas, como por meio de escolas públicas, unidades de saúde, coleta de lixo etc. Essa é uma presença importante e cotidiana, mesmo que ainda precarizada e inconstante. Por isso, é objeto de muitas reivindicações por melhorias e ampliação dos serviços públicos por parte da sociedade civil.

Sem dúvidas, o Estado se faz presente nas favelas da Maré, mesmo tendo aberto mão da sua soberania em muitos dos seus deveres. Quando olhamos, por exemplo, para o direito à segurança pública, constatamos que, efetivamente, os moradores de favelas nunca o experimentaram dentro de um escopo de garantia de direitos, e precisamos pensar o porquê. Os moradores de favelas não deveriam ter os mesmos direitos que qualquer outro cidadão na cidade?

Criminalizar a presença de uma autoridade pública no Parque Maré, uma das 16 favelas da Maré, que foi recepcionada por organizações da sociedade civil e coletivos de cinco favelas do Rio de Janeiro, que atuam na produção de dados e processos de incidência, é algo inaceitável! Há décadas promovemos diálogos com o Estado para a construção de outras formas das políticas públicas atuarem nesses territórios.

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, participou de um evento de lançamento da 7ª edição do, justamente chamado, Boletim Direito à Segurança Pública na Maré, que reúne dados de 2022 sobre as violências que sofrem os moradores nas 16 favelas da Maré, a partir dos confrontos sistemáticos que acontecem entre as polícias e grupos armados e estes entre si. Já é o sétimo ano em que a Redes da Maré publica essas informações, a partir do projeto “De Olho na Maré!”, realizado pelo eixo de trabalho que chamamos de Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça.

Como uma instituição da sociedade civil de base comunitária, sabemos da importância de reunir dados e evidências para mostrar para a sociedade que são inadmissíveis as violações de direitos que ocorrem diariamente, atingindo 140 mil moradores só nessa região. É cruel a naturalização e a perversidade de certos grupos que estimulam, inventam, mentem e distorcem, a qualquer custo, fatos que não correspondem à verdade.

Que medo é esse que se revela ao se perceber sinais (ainda simbólicos) de uma mudança de atitude em relação às favelas? Que medo é esse de que o Estado se faça presente de outra forma nas favelas? Os que se atemorizam e lançam mão de acusações e desinformações para refrear os ventos de mudança é que precisam se explicar para a sociedade brasileira.

Por isso, tornamos pública nossa indignação, como tecedoras e tecedores da Redes da Maré, com a tentativa de certos grupos de criminalizar o ministro Flávio Dino pela presença e escuta de nossas lutas. Isso nos atinge profundamente, pois, na realidade, é exatamente isso que sofremos todos os dias pelo simples fato de lutarmos por justiça.

Rio de Janeiro, 16 de março de 2023