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Mães das vítimas de violência armada na Maré pedem fim do “combate aos corpos pretos e favelados”

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A programação faz parte do 14M, um conjunto de ações que manifestam por justiça à Marielle, Anderson e à população das favelas

Por Andrezza Paulo

As mães das vítimas de violência armada da Maré e do Manguinhos se reuniram nesta terça-feira (14) no Museu de Arte do Rio de Janeiro (MAR) para o segundo dia de lançamento do 7° Boletim de Segurança Pública na Maré. Na ocasião, as mães e familiares das vítimas pediram por justiça e confirmaram os dados que o Boletim mostra por mais um ano: jovens pretos estão sendo executados. O encontro faz parte da agenda do 14M, evento que aborda justiça pelos 5 anos do assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes.

Combate aos corpos pretos e favelados

O coletivo Mães do Manguinhos e Mães da Maré levantaram forças para denunciar as violações das ações policiais e estenderam ao chão, um mural com fotos de dezenas de vítimas da política de (in)segurança aplicada nas favelas. “Não tem investimento em cultura, em saúde ou em educação. Nossos impostos são revertidos em um projeto político de extermínio da população preta, pobre e favelada”, conta Ana Paula, mãe de Johnatha, morto aos 19 anos com um tiro nas costas.

De acordo com dados do Boletim de Segurança Pública na Maré, das 27 mortes no território por operações policiais,  19 eram homens negros e pardos, em sua maioria com até 29 anos de idade. Além das vítimas fatais, o boletim detectou 30 ações de cárcere privado e 27 torturas, além de violência física, psicológica e danos ao patrimônio.

Por trás de cada número, uma vida, uma história.

“Nunca mais vou abraçar meu filho, nunca mais eu vou ver meu filho, nunca mais eu vou ouvir meu filho. Eles não investigam nada. Decidem quem é traficante e matam”, diz Dona Fátima sem conter as lágrimas ao lembrar do filho de apenas 18 anos morto sufocado, por asfixia mecânica no Manguinhos.

Rafaela Vilar é irmã de Guilherme, assassinado aos 19 anos com mais de 10 perfurações no corpo, 5 de arma de fogo e 5 de objeto cortante. “Enrolaram 2 meses para entregar o laudo que fica pronto em 30 dias e quando peguei, me deparei com 10 perfurações no corpo dele”. Ela relata o quão importante é a produção de dados sobre a violência armada e suas vítimas nos territórios de favela. “O que fizemos aqui hoje foi muito importante para mostrar para outras pessoas que elas têm direito de falar, de expor o que estão sentindo e de buscar justiça por suas famílias”. Rafaela representa irmãs, mães e tantos outros familiares que não tiveram direito ao luto e que seguem na busca incansável por justiça.

As intervenções sobre a segurança e o contexto de violência armada na Maré continuaram através de outras manifestações: a exposição artística de pintura do Encontro das Artes e com slam de Stacy Ferreira e Mat que emocionaram o público.

Até quando eu vou ter que aceitar a violência armada? É sempre uma voz silenciada e uma arma na cabeça apontada. Eles me olham e me julgam como indigente, mas não vale minha escuta quando grito que sou inocente. 

  • Stacy e Mat

Teatro das Oprimidas celebra o mês das mulheres com evento gratuito

Programação potencializa a voz feminina e lança edição extraordinária de revista Metaxis

Por Lucas Feitoza

Para celebrar o mês das mulheres, o Centro de Teatro do Oprimido (CTO) localizado no bairro da Lapa, região central carioca, realiza nos dias 16 e 17 de março o Festival Teatro das Oprimidas.  

O evento também celebra o Dia Mundial do Teatro dos Oprimidos (16) e usa a técnica do teatrólogo brasilleiro Augusto Boal, que envolve exercícios e jogos teatrais e fazem tanto os artistas quanto o público se conectarem com as questões sociais e assuntos como machismo, racismo e sexismo. No evento a técnica será utilizada dando destaque às lutas feministas e cobrando os direitos das mulheres por meio de apresentações de peças, performances e um documentário sobre o projeto. 

A programação conta também com o lançamento da décima edição da revista Metaxis, que celebrou o Teatro das Oprimidas, projeto que levou debates, oficinas e laboratórios através da estética feminina para cidades da região metropolitana. Na revista, além das experiências pessoais e vividas durante o projeto, também são abordados pelos multiplicadores temas como os  desastres ambientais que são recorrentes no início do ano, como os alagamentos que atingiram o estado no mês passado. 

A criadora do Teatro das Oprimidas e editora da revista Metaxis, Bárbara Santos, destaca que a edição extraordinária da revista tem muita diversidade e pode servir de inspiração para os leitores. Bárbara acrescenta que o público pode esperar um espetáculo lúdico, mas carregado de ensinamentos e linguagem simples que facilitam a compreensão e aproxima da cena: “É incrível como nossos grupos teatrais conseguem traduzir situações espinhosas e complexas em narrativas leves e acessíveis. O Festival vai oferecer beleza, alegria e um convite à participação engajada. Nesses eventos é possível se divertir”, afirma.

O teatro dos oprimidos na Maré

O Teatro das Oprimidas fez apresentações itinerantes por cidades do entorno da Baía de Guanabara e também no Peru e na Guiné-Bissau. A Maré foi um dos bairros carioca contemplados com apresentações do projeto, no Museu da Maré, Piscinão de Ramos e na clínica da Família Américo Veloso. Maiara Carvalho, coordenadora do projeto, começou sua atuação no CTO aqui na favela, disse que  a forma das apresentações abordarem  temas sensíveis como violência, homofobia, racismo e machismo, faz as pessoas perceberem que não são histórias de sofrimento mas sim de como sorrir mesmo diante das adversidades. “A gente quer celebrar no dia 16 a nossa existência, rir, dançar na dor e celebrar a nossa história que vem sendo feita por mãos pretas de mulheres, celebrar no mês das mulheres que estamos vivas”, concluiu.

O  Centro do Teatro do Oprimido fica na  Av. Mem de Sá, 31 – Lapa, RJ.

SERVIÇO:

16 de março

11h às 21h

11h – Exposição artística

14h – Performance artística “Isso não é bla bla bla” do Grupo Ponto Chic

14h10 – Peça de Teatro Legislativo Feminista “Até quando?” do Núcleo Marincanto

17h – Performance artística “A Baía é de quem?” do Núcleo Baía de Guanabara

17h10 – Peça de Teatro-Fórum “Brasil, um país acolhedor?” do Coletivo Magdas Migram

19h – Performance artística “Abordagem” do Núcleo Viradouro

19h10 – Espetáculo de Teatro-Fórum “Gêneres” da Cia CTO

17 de março

19h às 03h20

17h – Exposição artística

19h45 – Performance “180 neles!” da Ocupação Artística do Viradouro

20h – Apresentação e Distribuição da revista METAXIS – Teatro das Oprimidas com Bárbara Santos

20h30 – Documentário Teatro das Oprimidas

21h30 – Show musical com Luciane Dom

22h – Show musical com Dom Moça Prosa

01h – DJ Bieta

Boletim de Segurança Pública da Maré é entregue à Lula, em Brasília

Entrega foi feita durante cerimônia de restituição do PRONASCI

Por Jéssica Pires

A restituição do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (PRONASCI) foi realizada nesta quarta-feira (14) no Congresso Nacional, em Brasília. Flávio Dino, Ministro da Justiça e Segurança Pública apresentou a restituição do programa em sua visita à Maré, na última segunda-feira, durante o lançamento do Boletim de Segurança Pública da Maré, quando também fez o convite para a equipe do Eixo Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça da Redes da Maré participar da cerimônia e entregar o boletim pessoalmente ao presidente Lula. 

Liliane Santos, assistente social e cria da Baixa do Sapateiro, coordenadora do eixo Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça da Redes da Maré foi convidada a participar da agenda de retomada do PRONASCI, durante a cerimônia desta quarta-feira. Esse programa de nível nacional pode determinar diretrizes e políticas públicas que contribuam na consolidação de boas práticas no campo da segurança pública. Também foi entregue a Lula uma carta com intenções dos coletivos e organizações que marcaram presença na visita de Dino à Maré no início da semana. A entrega foi feita por Janete Nazareth, integrante do coletivo de mulheres Mulheres do Salgueiro,

Stacy Ferreira e Math de Araújo, artistas mareenses, também participaram da cerimônia, recitando um poema elaborado a partir dos dados e análises do Boletim Direito à Segurança Pública na Maré. Stacy Ferreira é cria da Nova Holanda, escritora, filha de Michele e neta de Dona Miriam, é formada no Ensino Médio no Colégio Estadual Olga Benário, é cantora e campeã do Slam Colegial Flup 2022. Math de Araujo é cria da favela Rubens Vaz, escritor desde 2015, filho de Rosemery e Marcelo, é formado técnico em Mecânica no CEFET/RJ e cursa Jornalismo na UERJ. É autor do zine “A reza” (2017) e do livro “Maré cheia” (ed.1, 2018). É fundador do Slam Maré Cheia, autor convidado da Flip 2018, orientador do Slam Colegial Flup 2022.

Foto: Ricardo Stuckert | Os artistas Stacy Ferreira e Math de Araújo.

Segurança Pública e Cidadania:

O Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (PRONASCI), lançado em 2007, porém descontinuado, seguirá a partir de cinco eixos de atuação: o combate à violência contra mulher e feminicídio, com a retomada das sete casas da mulher e lançamento de mais 40 casas em todo o país; a justiça antirracista; o trabalho em territórios que são fortemente atingidos pela violência e uma política específica para presos e regressos. 

O programa será liderado por Tamires Sampaio, que também é Assessora Especial do Ministro da Justiça e Segurança Pública. Para o Maré de Notícias, Tamires falou que o programa tem como foco o combate ao racismo que tem influência nas operações policiais devido ao alto número de mortalidade de jovens negros. A cerimônia foi transmitida no link.

Cinco anos sem Marielle Franco: como está o caso?

Mudanças de delegados, crises no Ministério Público e a prisão de dois dos assassinos

Por Jorge Melo e Maria Clara Paiva

O empenho do governo federal em mobilizar recursos humanos e materiais para esclarecer o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) e o motorista, Anderson Gomes, ocorridos no dia 14 de março de 2018 trouxe novas esperanças para familiares, amigos, movimentos sociais e a opinião pública, de que a Justiça será feita. Afinal, são cinco anos de idas e vidas nas investigações, mudanças de delegados, crises no Ministério Público e a prisão de dois dos assassinos, o policial militar reformado Ronnie Lessa; e o ex-policial militar Élcio Vieira de Queiroz; mas sem identificar os mandantes e as razões do crime. Como um dos avanços do caso, no último dia nove de fevereiro, a Polícia Militar do Rio de Janeiro expulsou dos seus quadros, Ronnie Lessa, que está preso desde fevereiro de 2019. 

Marielle Franco (1979-2018) era uma ativista e intelectual negra, nascida e criada no Conjunto de Favelas da Maré; defensora dos Direitos Humanos. Formada em Sociologia pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-RJ), fez mestrado em Administração Pública na Universidade Federal Fluminense (UFF). Iniciou sua militância em Direitos Humanos no pré-vestibular comunitário ao perder uma amiga, vítima de bala perdida, num tiroteio entre policiais e grupos civis armados, no Conjunto de Favelas da Maré. 

Como assessora de Marcelo Freixo, na época deputado estadual filiado ao Partido Socialismo e Liberdade (PSOL-RJ), coordenou a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (ALERJ). Foi eleita vereadora em 2016 pelo PSOL, com 46.502 votos. Durante o mandato presidiu a Comissão da Mulher da Câmara de Vereadores e ficou conhecida por pautas de defesa dos direitos da população LGBTIA+, mulheres e favelados.

Questão de honra

No dia oito de março, Dia Internacional da Mulher, o presidente Luis Inácio Lula da Silva, enviou ao Congresso projeto de lei que cria o Dia Nacional Marielle Franco, a ser comemorado em 14 de março, data em que a vereadora e o motorista, Anderson Gomes; foram assassinados, em 2018, na região central do Rio de Janeiro.  A ideia é transformar essa data num símbolo do enfrentamento à violência. Em sua conta no twitter, a vereadora Mônica Benício (PSOL-RJ), viúva de Marielle Franco, publicou, “Será um dia de enfrentamento às violências de gênero e raciais na política. Será um dia em honra e memória à ela.” 

Em sua primeira participação em uma reunião da Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas-ONU, no dia 27 de fevereiro, em Genebra, na Suiça; o ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, afirmou que o governo atuará pela punição aos assassinos de Marielle e Anderson, “Lutaremos para que o brutal assassinato de uma promissora política brasileira, mulher negra e corajosa defensora dos Direitos Humanos, Marielle Franco, não fique impune e grave, na memória e no espírito da nossa sociedade, a dignidade da luta por justiça”.

No discurso de posse, como ministro da Justiça e Segurança Pública, Flavio Dino, fez uma referência a Marielle, “Disse à ministra Anielle (Franco, irmã de Marielle) e à sua mãe, que é uma questão de honra do Estado brasileiro empreender todos os esforços possíveis e cabíveis e a Polícia Federal assim atuará, para que esse crime seja desvendado definitivamente e nós saibamos quem matou Marielle e quem mandou matar Marielle Franco.” Antes de tomar posse, Flavio Dino havia se encontrado com os pais de Marielle e com sua irmã. A educadora Anielle Franco, diretora do Instituto Marielle Franco, é atualmente ministra da Igualdade Racial.  

A promessa de Dino foi cumprida. No dia 22 de fevereiro, ele determinou a à Polícia Federal abertura de um inquérito com o objetivo de “ampliar a colaboração federal” nas investigações para identificar os mandantes e as motivações. As investigações são conduzidas pela Polícia Civil do Rio de Janeiro, sob a supervisão de uma força tarefa do Ministério Público do estado. 

A medida, no entanto, como explicou Flavio Dino, não significa a federalização do caso, mas um apoio às investigações. Um acordo foi firmado entre o ministro da Justiça e Segurança Pública, o procurador-geral de Justiça do Rio de Janeiro, Luciano Mattos; e o subprocurador-geral do Rio de Janeiro, Marfan Martins Vieira.

 “A ideia é fortalecer a força-tarefa do MPRJ já existente destinada, exclusivamente, a apurar os desdobramentos dos mandantes do crime, para que a Polícia Federal, que já acompanha o caso, nos auxilie de uma forma mais direta na investigação, junto a Polícia Civil do Rio de Janeiro”, disse o procurador-geral de Justiça do Rio de Janeiro, Luciano Mattos.

A jornalista Fernanda Chaves, ex-assessora de Marielle Franco, e única sobrevivente do atentado contra a parlamentar, conta que “Pela primeira vez, senti um sopro de esperança. É papel do Estado ouvir as pessoas envolvidas neste caso. Isso não aconteceu nos últimos quatro anos”. 

Fernanda Chaves foi recebida no dia quatro de janeiro pelo ministro Flavio Dino, pelo secretário executivo do ministério, Ricardo Cappelli e pelo secretário nacional de Segurança Pública, Danilo Cabral. Segundo Fernanda, “Eles não tinham muita noção dos detalhes e pormenores do caso. E ficaram chocados ao saber que nenhum delegado me ouviu desde o Giniton Lages”, disse. 

Até o momento foram cinco delegados responsáveis pelas investigações: Giniton Lages (2018-2019); Daniel Rosa (2019-2020); Moisés Santana (2020-2021); Edson Henrique Damasceno (2021-2022) e Alexandre Herdy (2022).

Investigação sem respostas

Segundo Renato Sérgio de Lima, diretor presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e professor do Departamento de Gestão Pública da Fundação Getúlio Vargas (FGV), “A forma como a investigação foi conduzida deixa de fato mais dúvidas do que certezas; não encontrar é uma variável possível numa investigação, mas quando a investigação não encontra respostas, mas é permeada por trocas de delegados, suspeitas de vazamento de informação, com denúncias como as que foram usadas pela ex-procuradora geral da República, Raquel Dodge para tentar federalizar o caso; de policiais ligados às milícias dificultarem as investigações para que elas não chegassem perto às milícias; aí sim a gente vai perceber o quanto as instituições estão comprometidas em termo de suas estruturas, que não conseguem dar conta de uma investigação complexa. Você tem um problema sério de imagem, de credibilidade, de comprometimento institucional de policiais com grupos milicianos, com jogo do bicho, com o  crime e a instituição sem ser capaz de se blindar em relação a essas influências; uma instituição que é pouco transparente e muito refratárias às pressões da Imprensa e da sociedade; isso acaba comprometendo a própria instituição.” 

Federalizar ou não as investigações?

Em setembro 2019 a então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, entrou com um pedido no Supremo Tribunal de Justiça-STJ, com o objetivo de federalizar as investigações do caso no que diz respeito aos mandantes. Ou seja, colocar as investigações sob a responsabilidade da Polícia Federal. A procuradora apontava falhas na condução do inquérito da Polícia Civil, pois não teria sido observado o sigilo das investigações. 

A PGR alegou ainda o risco de responsabilização internacional do Brasil por não apurar violações de Direitos Humanos. O caso Marielle ganhou dimensão internacional. Sob esse argumento, Raquel Dodge pediu que as investigações fossem conduzidas pela Polícia Federal e pela Justiça Federal, mantendo sob responsabilidade do Rio de Janeiro o processo relativo aos executores já identificados. 

O Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) se manifestou contra a federalização e em maio de 2020, em decisão unânime, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) rejeitou os argumentos da PGR. 

Através de carta enviada ao STJ, a família de Marielle Franco apoiou a decisão, afirmando que federalizar o caso representaria um retrocesso e que a apuração estava sendo bem conduzida e deveria permanecer sob responsabilidade da Polícia Civil e do Ministério Público do estado do Rio. Na época, as promotoras Simone Sibílio e Leticia Emile, integrantes da força tarefa que investiga o caso, se reuniam mensalmente com a família para atualizá-la sobre as investigações.

Segundo Renato Sérgio de Lima, “A força tarefa teve um papel importante, mas as trocas, as questões internas, as brigas que têm a ver muito mais com a composição e o jogo político da relação do Ministério Público com o governo do Rio de Janeiro, sem dúvida, atrapalharam e atrasaram as investigações; mas isso não é uma exceção. Essas questões de conflitos de competência são típicas do nosso sistema de justiça criminal, que faz com que cada um dos órgãos se antagonize em relação aos demais. O caso Marielle talvez seja uma síntese de como nosso sistema é cruel e injusto. Ele mais promove a impunidade do que a justiça, porque quando você valoriza as disputas, entra em conflitos de competência, dificulta o esclarecimento e a responsabilização dos criminosos”

As idas e vindas da investigação

O primeiro delegado responsável pelo caso, Giniton Lages, citado por Fernanda Chaves, foi afastado em março de 2019, no início do governo de Wilson Witzel (2019-2021). O delegado Lages foi retirado do caso logo depois de prender os dois executores do assassinato, Ronnie Lessa e Élcio Viera de Queiroz. Lages foi escolhido pelo então governador, para um programa de intercâmbio entre polícias, realizado na Itália, com duração de quatro meses. Witzel sofreu impeachment em abril de 2021, acusado de corrupção na Saúde durante a pandemia de Covid-19. E foi substituído pelo vice-governador, Cláudio Castro, reeleito em outubro do ano passado.  

Em julho de 2021 duas promotoras do Ministério Público, que integravam a força tarefa que investigava o crime, Simone Sibilio e Letícia Emile, pediram  para ser exoneradas, alegando  risco de “interferências externas” na apuração. O MPRJ publicou uma nota oficial, O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) confirma que as promotoras de Justiça Simone Sibílio e Letícia Emile optaram voluntariamente por não mais atuar na força-tarefa que investiga o caso Marielle Franco e Anderson Gomes. A Procuradoria-Geral de Justiça do MPRJ reconhece o empenho e a dedicação das promotoras ao longo das investigações, que não serão prejudicadas. O MPRJ anunciará em breve os nomes dos substitutos.”

Em sua conta no twitter, a irmã de Marielle, Anielle Franco, publicou, “A gente não tem um dia de paz. Sinto muito pela saída das promotoras! Promotoras essas que eu depositava muita confiança e esperança para que elas ajudassem a resolver o caso da Mari e do Anderson! Agora eu quero saber que interferências são essas! Quem mandou matar minha irmã!??”.

A Anistia Internacional Brasil também divulgou uma nota em que demonstrava preocupação com os rumos da investigação “Três anos sem respostas sobre quem mandou matar Marielle e porque é tempo demais. Neste período, quatro delegados diferentes assumiram a condução das investigações. Os acusados de serem os responsáveis pela execução de Marielle e Anderson, Ronnie Lessa e Élcio Queiroz, ainda não foram julgados pelo Tribunal do Júri. Toda e qualquer suspeita de que a investigação possa sofrer interferências indevidas deve ser investigada”.

Crise no Ministério Público afeta investigação

No dia 13 de janeiro, os 29 promotores do Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público do Rio de Janeiro, pediram exoneração. A decisão afeta a investigação do caso Marielle Franco porque entre os promotores exonerados estavam os responsáveis pela força-tarefa que investiga, em parceria com a Polícia Civil, o assassinato de  Marielle Franco e Anderson Gomes.  

O movimento é uma reação à decisão do governador Claudio Castro (PL) de reconduzir ao cargo o procurador geral de Justiça, Luciano Mattos. A tradição prescreve que o governador ratifique o procurador mais votado de uma lista tríplice, que é fruto de uma eleição entre os integrantes do Ministério Público. 

Pela eleição, Luciano Mattos, o escolhido de Castro, que já era o procurador geral; ficou em segundo, com 437 votos (41,69%). Leila Costa, com 485 votos (46,27%), foi a mais votada. Em terceiro ficou Somaine Cerruti, com 126 votos (12,02%). 

No início deste mês, Luciano Mattos nomeou os novos integrantes da força-tarefa que acompanhará as investigações. A equipe será composta pelos promotores de Justiça Eduardo Morais Martins, Paulo Rabha de Mattos, Patrícia Costa Santos, Glaucia Rodrigues Torres de Oliveira Mello, Pedro Eularino Teixeira Simão, Mario Jessen Lavareda e Tatiana Kaziris de Lima Augusto Pereira 

Segundo o procurado geral de Justiça, “criamos a Força-Tarefa, em março deste ano, e agora estamos ampliando o efetivo para oito promotores de Justiça focados na investigação, todos integrantes do GAECO-MPRJ. Estaremos com uma grande frente de trabalho, reunindo promotores especializados, dedicados à continuidade das investigações, para a identificação dos eventuais mandantes dos crimes. Reafirmo que a elucidação completa deste caso é uma das prioridades absolutas do MPRJ”.

Renato Sérgio de Lima, diretor presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e professor do Departamento de Gestão Pública da Fundação Getúlio Vargas (FGV) acredita que houve mudanças e que, “Existe um ambiente novo com a entrada da Polícia Federal no caso Marielle, que envolve a articulação com  o Ministério Público, a disposição de atores que antes eram contra a entrada da PF, ligados ao Ministério Público do Rio de Janeiro, que agora estão disponíveis. A gente tem condições de criar um ambiente novo de cooperação, para saber quem matou Marielle e porque. E de certa forma para transformar esse triste episódio, simbolicamente, em força para mudar a realidade brasileira. A entrada da PF vejo mais como simbólica, porque agora a gente talvez consiga chegar a um resultado, porque agora as pessoas talvez estejam dispostas a cooperar, cinco anos, depois numa nova correlação de forças políticas,  porque no governo anterior a ideia era exatamente o contrário, o confronto; era reforçar os antagonismos.”  

Sementes

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Cinco anos depois de seu assassinato ainda sem respostas, Marielle ainda é o farol para mulheres e coletivos

Edição #146 do Maré de Notícias

Por Andrezza Paulo e Hélio Euclides

O dia 14 de março de 2023 marca cinco anos do assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes, e o tempo sem a resposta devida a um país inteiro: quem mandou assassinar Marielle e Anderson? A vereadora nascida na Maré deixou um legado que abriu portas para novas lideranças e produziu projetos — seu fim trágico apressou a germinação de sementes que surgiram quando sua luta se tornou conhecida.

A deputada estadual Renata Souza (PSOL/RJ) é considerada uma das principais herdeiras políticas do trabalho de Marielle; ela começou a trilhar seu caminho como chefe de gabinete da vereadora em 2018.


“O sentimento é o de carregar uma responsabilidade enorme. As sementes de Marielle germinaram, e o seu maior legado é fazer com que a humanidade não se desumanize. Depois do feminicídio político de Marielle, nós, as mulheres pretas de favela, passamos a ocupar a política com ainda mais força. E esse movimento não vai parar de crescer. Honrar a Marielle é jamais desistir de enfrentar o racismo estrutural, o machismo e a lgbtfobia”, diz. 

O Instituto Marielle Franco (uma organização sem fins lucrativos) foi criado pela família da vereadora “com a missão de inspirar, conectar e potencializar mulheres negras, pessoas LGBTQIA+ e periféricas a seguirem movendo as estruturas da sociedade por um mundo mais justo e igualitário”. É possível acompanhar, no cronômetro virtual hospedado no site da instituição, há quanto tempo a população aguarda pela identidade e prisão do mandante do assassinato de Marielle e de Anderson.

PF e MP 

O governo federal considerou a solução do caso como “questão de honra”. Por isso, em fins de fevereiro o ministro da Justiça, Flávio Dino, determinou que a Polícia Federal abrisse um inquérito para investigar as mortes de Marielle e Anderson, juntando forças com o Ministério Público do Rio de Janeiro para ampliar a investigação sem federalizá-la. 

Estão presos preventivamente desde 2019, aguardando julgamento, os ex-policiais Ronnie Lessa e Elcio Queiroz, acusados de efetuar os disparos que mataram a vereadora e seu motorista. 

“Nunca vamos parar de perguntar ao Estado: quem mandou matar Marielle? Tentaram nos calar, nos impor o medo, mas o que aconteceu foi o inverso. Floresceu um movimento de mulheres pretas que um dia vai transformar o sonho de uma sociedade mais justa em realidade”, reforça Renata.

Para as eleições de 2022, foi criada a Agenda Marielle Franco, um conjunto de práticas e compromissos políticos antirracistas, feministas, LGBTQIA+ e populares, inspiradas no legado da vereadora e construída com o apoio de mais de cem organizações. 

Para o Congresso e as assembleias legislativas, foram eleitas 44 mulheres de sete estados de quatro regiões do país, além de 86 suplentes das 145 candidaturas comprometidas com a agenda.

O time batalhou pelo espaço de treino, um ambiente prevalentemente masculino – Foto: Matheus Affonso

Além da política

As sementes deixadas por Marielle estão florescendo também fora do terreno da política. Um grupo de amigas em busca de aprimorar e cuidar da saúde física e mental fundou o MariEllas, um time de futebol feminino na Maré.

Karine Serra, Maria Joira e Raquel Albuquerque contam que Marielle as inspirou principalmente por sua força e seu poder ao se impor diante de figuras masculinas pela garantia de direitos das minorias.

“Ela nos motivou a batalhar por nossos objetivos e espaços. Um exemplo disso foi a luta pelo local que treinamos, pois era um lugar predominantemente masculino. Conquistamos o devido respeito e um horário exclusivo para nossa atividade”, diz Raquel.

Justiça por Marielle e Anderson 2023
No dia 14 de março, mais uma vez a família realiza o Justiça por Marielle e Anderson. O evento este ano acontece na Praça Mauá, no Centro do Rio, e tem como principal meta a pressão por investigação do caso e por justiça. Nomes como Gaby Amarantos, Baco Exu do Blues, Orquestra da Maré, Marechal e Coral do Alemão já estão confirmados para os shows do festival, que acontece de 17h às 22h.

Ministro da Justiça Flávio Dino visita Maré

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A visita foi uma articulação da Redes da Maré a partir da experiência de incidência política

Por Lucas Feitoza

Nesta segunda-feira (13) o Ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, esteve na Maré para participar da programação do lançamento do 7º Boletim Direito à Segurança Pública na Maré. Também estiveram presentes vários coletivos que atuam pela defesa da garantia de direitos humanos nas favelas do Rio de Janeiro.

O ministro, acompanhado de sua comitiva, ouviu as questões e desafios no campo da segurança pública dos integrantes dos coletivos e organizações presentes (Coletivo Papo Reto, LabJaca, Instituto de Defesa da Pessoa Negra (IDPN), Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial (IDMJR), Movimentos, Mulheres do Salgueiro e GENI/UFF). Um dos destaques da conversa foi a capacidade da favela de produzir e pensar política pública e dados. Liliane Santos, coordenadora do eixo Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça da Redes da Maré, destacou que “não é possível um país ser democrático sem a participação da sociedade civil.”

“Sem segurança não tem justiça”

O ministro Flávio Dino agradeceu pela oportunidade de ouvir os coletivos e destacou que embora seja uma visita o objetivo dele era enfatizar as ações do ministério em conjunto com as organizações presentes inclusive a  Redes da Maré: “nós estamos com vocês” afirmou.

O ministro afirmou que a reunião realizada na Maré está entre as cinco mais importantes que teve desde que ocupou a pasta, pelo território em que ela foi realizada,  pela ação do terceiro setor e considerou fundamental não se sentir intimidado pela criminalização dos territórios. 

Em sua participação, elogiou a  atuação das organizações civis e lembrou de Marielle Franco, vereadora cria da Maré assassinada em 2018, “nós consideramos  que Marielle além de ser referenciada pela sua trajetória pessoal e política  é um símbolo e um sinal de luta”, pontuou.

Retorno do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania

Flavio Dino também apresentou a restituição do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (PRONASCI), a partir de cinco eixos de atuação: o combate à violência contra mulher e feminicídio, com a retomada das sete casas da mulher e lançamento de mais 40 casas em todo o país; a justiça antirracista; o trabalho em territórios que são fortemente atingidos pela violência e uma política específica para presos e regressos. 

O programa será liderado por Tamires Sampaio, que também é Assessora Especial do Ministro da Justiça e Segurança Pública. Para o Maré de Notícias, Tamires falou que o programa tem como foco o combate ao racismo que tem influência nas operações policiais devido ao alto número de mortalidade de jovens negros. 

Diálogo e participação social

Após a visita do ministro, a comitiva que contava com a participação de Tadeu Alencar, Secretário Nacional de Segurança Pública, Marivaldo Pereira, e Tamires Sampaio, Assessora Especial do Ministro da Justiça e Segurança Pública e Coordenadora do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (PRONASCI) seguiu o processo de escuta com os coletivos e organizações presentes.

Políticas públicas efetivas sobre políticas de drogas, sistema prisional, controle das forças policiais e acesso à justiça foram os principais temas apresentados pelos coletivos para a comitiva. Foi entregue uma carta ao ministro e a comitiva com intenções com seis grandes pautas de acompanhamento. Tadeu Alencar, destacou a carta como um roteiro de trabalho do ministério em parceria com as organizações presentes e outras. 

A articulação para visita do ministro aconteceu a partir da organização Open Society Foundations, rede internacional de filantropia, parceira e apoiadora da Redes da Maré. 

Foto: Patrick Marinho | Organizações e coletivos junto à Flávio Dino e a comitiva do Ministério da Justiça e Segurança Pública