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Exposição Negras Marés estreia no Centro de Artes da Maré

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A exibição será dividida em quatro núcleos que poderão ser explorados pelos visitantes

Por Lucas Feitoza

Começa nesta terça-feira (28) e vai até 28 de abril, com entrada gratuita, a exposição Negras Marés, no Centro de Artes da Maré (CAM), localizado na Rua Bittencourt Sampaio, 181, próximo a passarela 10 da Av. Brasil. O objetivo é destacar a Maré como um território negro, além de valorizar a cultura e resgatar as raízes da região. Segundo o Censo Demográfico da Maré de 2019, o bairro tem predominância negra; 62,1% da população é autodeclarada negra ou parda. 

Promovida pela Casa Preta, a exibição é dividida em quatro núcleos que poderão ser explorados pelos visitantes e será guiada por dois educadores que irão mediar as visitas. Um dos núcleos mostra a conexão Brasil-África, outro a Maré-Negra, com obras de artistas da Maré que destacam as relações raciais. A exposição também traz a relação da Maré com a água, em obras de arte destacando esse elemento. Os afetos, a sexualidade e  a relação com o gênero e as vivências LGBTQIAP+, também serão abordados como fios condutores da mostra.

Irmãos transformam carinho pela bicicleta em profissão na Maré

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O Estado do Rio de Janeiro teria um total de 2.654.198, o que representa a média de 15 bicicletas para cada 100 habitantes

Por Hélio Euclides

Cada vez mais utilizada no planeta, as bicicletas são opções sustentáveis de mobilidade, com emissão zero de qualquer gás do efeito estufa ou outro componente dos combustíveis fósseis. Mas o uso deste transporte vai além da eficiência, para muitos ciclistas o amor ao camelo fala mais forte. “Nada se compara ao simples prazer de pedalar”, esse era o pensamento de John Kennedy, ex-presidente dos Estados Unidos, que reflete o carinho de muitos usuários da magrela. Os irmãos Alisson Cícero e Leandro Andrade foram além de possuírem uma bicicleta. Eles atuam como mecânicos em uma oficina no Parque Maré. Com dedicação, montam e realizam manutenção em diversas bicicletas por dia.

Os irmãos, que preferem dizer que tem a profissão de monteiro, atuam numa oficina na esquina entre as ruas Tatajuba e Teixeira Ribeiro. Os jovens ficam emocionados quando falam desse trabalho familiar. “Começou esse comércio com Seu Nelson, depois meu pai assumiu por sete anos. Em seguida passou o ofício para nós. Eu via meu pai pintando bicicleta e achava aquilo uma arte. Meu pai meteu o pé para o Nordeste e já estamos nessa profissão há 12 anos”, conta Alisson Cícero, mais conhecido como Magrinho, de 25 anos. Ele deu início a vida profissional como camelô em Copacabana, mas depois viu que o seu futuro estava ao lado das bicicletas e na Maré.

Cicero conta que os primeiros passos na profissão foram difíceis, para pegar a confiança da clientela, que via um garoto novo no batente. “Depois fiquei conhecido e vem gente de Ramos, Ilha do Governador e da Vila dos Pinheiros. Em Ramos tem duas oficinas, na Vila do Pinheiro tem três e mesmo assim tem clientes que nos procuram. Os clientes confiam no nosso trabalho, lutei para isso”, diz. Ele desabafa que ao contrário do manuseio, aprendeu a andar de bicicleta na marra, que no dia a dia não rola pedaladas, tem preferência por caminhadas.

O seu irmão, Leandro Andrade, de 24 anos, é o craque das marchas das bicicletas e já sonha em abrir uma filial. “Quero abrir outra, tem muito serviço, com gente que vai em minha casa para consertar bicicleta. O ponto não é importante, pois meu pai trabalhou primeiramente na Baixa do Sapateiro em um beco. O segredo é trabalhar bem satisfeito, com amor no coração e o cliente sair satisfeito, para voltar depois. Não vou desistir do sonho de partir para uma filial. Posso até começar com uma barraca coberta por lona e depois ir crescendo com o negócio”, expõe. 

Uso de bicicleta aumenta em todo país

Segundo pesquisa realizada por Glaucia Pereira, especialista em mobilidade urbana e fundadora da Multiplicidade Mobilidade Urbana, revela que o Brasil tem uma frota estimada de mais de 33 milhões de bicicletas. O Estado do Rio de Janeiro teria um total de 2.654.198, o que representa a média de 15 bicicletas para cada 100 habitantes. Uma outra pesquisa realizada pela Strava, aplicativo para Android e iPhone que permite registrar número de pedaladas, corridas e outras atividades físicas, mostrou que, em 2021, houve um aumento do uso das bicicletas em diversas cidades do país. Em segundo lugar ficou a cidade do Rio de Janeiro, com uma elevação de 25%, perdendo apenas para Curitiba.

Profissão de pai para filhos propicia o maior número de bicicletas em bom estado circulando pelas ruas da Maré (Foto: Matheus Affonso)

Os números mostram que os irmãos terão sempre muito trabalho, fato que é confirmado por eles. “No dia bom são 15 a 20 bicicletas que são consertadas. No ano passado foram nós dois e mais dois amigos para montar as bicicletas para o Dia das Crianças. Foram no total 120 bicicletas, com dois dias e uma noite sem dormir, só rolou cochilo e no rodízio. Foi um grande desafio”, revela Cícero. Quando se fala do trabalho que mais aparece, eles são unânimes. “Na maioria das vezes são pneus furados que precisam de remendos. Muitos furos de pneus são no dia seguinte ao baile, por causa de vidros“, conta Andrade.

Os dois contam o segredo para o trabalho diferenciado. “Nos colocamos no lugar dos clientes. Tem gente que precisa de bicicleta para trabalhar, por isso, às vezes é necessário abrir no domingo. Os que sofrem mais são os entregadores, tipo de farmácia ou de aplicativo de alimentos, já que tempo é dinheiro, então emprestamos bicicleta enquanto a deles estão na fila da manutenção”, revela Andrade. Outro ponto é não cobrar dos clientes para usarem as chaves, como fazem os concorrentes.

Quando se fala em concorrentes, mostram que não são times adversários. “É bom lembrar que há diálogo com outros profissionais de oficinas de bykes, pois somos concorrentes, mas nunca inimigos. Tem vezes que até um ajuda o outro, indicando clientes, quando estamos atolados de trabalho e trocamos peças”, detalha Cícero. Para ele, o importante é que o cliente possa sair pedalando. “Muitas vezes fazemos adaptações para que o cliente possa usar a sua bicicleta. Tem ocasiões quando estamos quase desistindo e conseguimos consertar, é quase como um gol, dá vontade até de abrir uma cerveja para comemorar. Ficamos orgulhosos”, conta.

Os irmãos só pedem que os ciclistas tenham mais cuidado com seus “camelos“. “Tem bicicleta boa em circulação, mas outras não dá nem vontade de mexer. Na maioria das vezes é falta de lubrificação, o que causa dor de cabeça. O que menos gosto de fazer é mexer na parte central da bicicleta, onde ficam os pedais. Outro ponto é a montagem dos raios da roda, no qual não pode errar nem um, se ocorrer um erro é necessário começar tudo de novo”, avisa Cícero. 

Ambos explicam que é preciso amor em qualquer profissão. “É gratificante quando montamos uma bicicleta, assim deixamos nossa assinatura de trabalho. Sempre penso no desejo de querer mostrar para minha mãe, que não está mais no meio de nós, que sou persistente. É uma profissão que quero seguir para a vida”, diz Cícero. O seu irmão fala com emoção sobre o ofício. “Meu pai viu que gostávamos da coisa e assim ele deixou o trabalho em nossas mãos. Não quero parar mais”, conclui Andrade.

Os novos ministros e ministras do governo Lula

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A pluralidade se destaca nas escolhas de homens e mulheres com importantes contribuições dentro de suas áreas para chefiar as 37 pastas 

Por Andrezza Paulo, Samara Oliveira e Ana Paula Lisboa

A escolha do ministério do terceiro mandato de Luís Inácio Lula da Silva como presidente, foi acompanhada atentamente pelo país inteiro. Depois de quatro anos marcados por políticas públicas equivocadas, aparelhamento dos ministérios e trocas constantes de ministros, os titulares das pastas foram submetidos a  intensa avaliação popular e responsáveis pelo suspiro de alívio coletivo, quando seus nomes foram anunciados.

O Executivo conta com 11 mulheres, o maior contingente desde o mandato da ex-presidente Dilma Roussef (nove ministras); além de ter, à frente das pastas, dez dirigentes autodeclarados negros e dois indígenas.

O governo de Jair Bolsonaro teve 23 ministérios, o menor número em 20 anos; o do presidente Lula são 37. Novos ministérios, porém, não significam necessariamente mais custos.

Eficiência, não custos

Segundo a professora e pesquisadora em administração pública e governo da Fundação Getulio Vargas (FGV) Gabriela Spanghero Lottas, em entrevista ao site alemão Deutsch Welle (DW), a distribuição de cargos é central para conseguir apoio no Congresso e aumentar a base partidária através da cessão de cargos para a construção de alianças. 

“Lula fez uma composição ministerial que permite a ele tanto garantir maior governabilidade quanto priorizar temas e públicos que o elegeram. Isso explica, em parte, o aumento no número de ministérios. Mas isso não gerará automaticamente aumento de gastos; tudo depende da coordenação e da  eficiência”, diz a pesquisadora.

O Maré de Notícias destaca quatro perfis dentro os novos ministros, alguns bastante conhecidos dos mareenses.

UMA MÉDICA PRÓ-VACINA COMO MINISTRA DA SAÚDE

Nísia Trindade é doutora em sociologia e foi como presidente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), de 2017 a 2022, que ganhou destaque nacional. 

Foi da Fiocruz que ela liderou os esforços no enfrentamento da covid-19 no país, e isso inclui a criação de um novo Centro Hospitalar no campus de Manguinhos; do manual de biossegurança em escolas; do Observatório Covid-19 para pesquisas e análise de dados; entre outras iniciativas. 

A nova ministra da Saúde esteve à frente do acordo entre o Ministério da Saúde, a Universidade de Oxford, a farmacêutica AstraZeneca e laboratórios para a produção de doses de vacina. Nísia coordenou a ação inédita de vacinação em massa contra a covid-19 nas 16 favelas do conjunto de favelas da Maré, em parceria com a secretaria municipal de Saúde e a Redes da Maré. A campanha imunizou cerca de 36 mil moradores com mais de 18 anos com a primeira dose da vacina, em apenas quatro dias.

UMA INDÍGENA NO MINISTÉRIO DOS POVOS ORIGINÁRIOS

Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), os chamados povos originários ou indígenas representam 5% da população mundial e são responsáveis pela preservação de 80% da biodiversidade do planeta.

Porém, esta é uma população que é ainda alvo de preconceito e racismo (durante a pandemia, os indígenas foram os mais afetados, de acordo com estudo do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas, perdendo 28,6% de renda e vendo o desemprego crescer em quase 3%) e  sub-representada nas esferas de poder. É de Sônia Guajajara a tarefa de dirigir este que é um ministério inédito no Brasil e garantir aos indígenas acesso à educação, saúde e a demarcação de suas terras, além de combater o genocídio.

Esta foi, aliás, sua primeira tarefa: o socorro imediato ao grupo de cerca de 700 yanomamis atendidos na Casa de Apoio à Saúde Indígena, em Boa Vista (RO), a maioria crianças com desnutrição grave. 

Sônia é do povo Guajajara/Tentehar, habitantes da Terra Indígena Araribóia, no Maranhão. Graduada em letras e enfermagem, fez pós-graduação em educação especial. Em 2022, foi escolhida pela revista americana Time como uma das 100 pessoas mais influentes do mundo.

UM ADVOGADO COMO MINISTRO DOS DIREITOS HUMANOS

Até o fim de 2022, em 30 anos de democracia no Brasil, apenas 12 pessoas negras ocuparam cargos de ministros. Sílvio de Almeida é um homem negro, descrito como um dos maiores intelectuais brasileiros. É graduado em direito e filosofia, mestre em direito político e econômico e doutor em filosofia e teoria geral do direito. Silvio é ainda autor do livro Racismo Estrutural (Pólen; 2019) e presidente do Instituto Luiz Gama. 

Em uma de suas primeiras falas como ministro, Sílvio manifestou a intenção de recriar a Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, responsável por tentar localizar os ainda 144 desaparecidos durante a ditadura militar. A comissão ficou inativa durante os quatros anos do governo anterior  e foi extinta no dia 30 de dezembro de 2022.

UMA ARTISTA COMO MINISTRA DA CULTURA

Segundo o ranking elaborado pela empresa de mídia U.S. News & World Report, a cultura do Brasil está em sétimo na lista das que mais influenciam o mundo, além de ter um mercado interno continental. Por isso, apenas uma secretaria subordinada ao Ministério do Turismo (como na gestão anterior) não é suficiente: com a recriação do Ministério da Cultura, a escolhida para assumir a pasta foi a cantora Margareth Menezes.

O currículo da baiana calou aqueles que se opuseram à sua nomeação por “falta de experiência”: aos 60 anos, Margareth Menezes é artista há mais de três décadas, com quatro indicações ao Grammy, um dos mais importantes prêmios de música do mundo. 

Ela é tanto artista como ativista social: em 2004, fundou e assumiu a presidência da ONG Fábrica Social, criada para fomentar a cultura em Salvador através do incentivo ao empreendedorismo, principalmente em comunidades de baixa renda e promovendo ações culturais e sociais voltadas para crianças e jovens de periferia. A entidade ainda atua (através da Associação Fábrica Cultural) no combate ao trabalho infantil, entre outras violações de direitos.

O verde da Maré

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Cultivo de plantas é uma prática frequente entre mareenses, uma atividade que mistura cultura e saúde

Por Edith Medeiros*

Você gosta de ter plantas em casa? Pois saiba que muita gente também. Segundo o Censo Maré de 2019, 26% dos lares mareenses têm pelo menos uma planta. Embora a principal razão do cultivo seja decorativa, 6,2% plantam com fins medicinais.

Entre os moradores que se dedicam a essa prática está a dona Dalila da Conceição, 89 anos, moradora do Morro do Timbau. Ela utiliza a popular planta babosa (também conhecida como aloe vera) principalmente para fins estéticos. Dona Dalila cultiva também o aranto, uma suculenta que, segundo um estudo publicado no International Journal of Biological Macromolecules [Jornal Internacional de Macromoléculas Biológicas], é eficaz na prevenção de trombose.

Segundo a coordenadora do Programa Farmácias Vivas da Universidade Federal do Ceará (UFC), Mary Anne Medeiros Bandeira, em entrevista ao site Viva Bem do UOL,”não podemos nos esquecer do efeito anti-inflamatório, analgésico e cicatrizante do aranto. Devido a tais propriedades, a planta é usada para o tratamento de artrite reumatóide, doenças de pele, inflamações e resfriados”. É preciso, porém, alertar que as folhas da suculenta não devem ser consumidas por gestantes nem por quem tem pressão baixa ou crises de hipoglicemia

Efeitos diversos

Fátima de Jesus, de 58 anos e moradora do Salsa e Merengue, costuma usar o capim-limão (também conhecido como erva-cidreira) para fazer chá para combater a insônia. Seu uso dentro da sabedoria popular o indica para a falta de sono, usado em banhos terapêuticos para aliviar o estresse, a ansiedade e o cansaço.

Paulo Rodrigues, 71 anos, comerciante e morador da Roquete Pinto, planta diversas espécies: desde babosa, comigo-ninguém-pode e espada-de-são-jorge a alecrim e boldo. Segundo ele, este último é o mais pedido pelos moradores: “Serve para o fígado, curar ressaca e aliviar dor de barriga”, ensina.

Tradição e ciência

Em 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou um comunicado apoiando a medicina tradicional (isso é, conhecimentos, crenças e experiências de diferentes culturas) como mais um recurso para manter a saúde e prevenir, diagnosticar ou tratar doenças. Segundo a entidade, a chamada medicina popular é usada por 80% da população mundial.

O professor Marcelo Neto Galvão, curador adjunto da Coleção Botânica de Plantas Medicinais (CBPM) da Fiocruz, explica que em comunidades que vivem qualquer grau de vulnerabilidade socioeconômica, principalmente com dificuldades de acesso a serviços básicos, é comum a busca por formas alternativas de manutenção da saúde e de combate a doenças.

Marcelo lembra que, no caso da Maré, existe uma grande riqueza cultural, consequência de uma população formada por diferentes partes do Brasil. De fato, o Censo Maré 2019 aponta que, entre os mareenses, embora haja uma predominância de pessoas nascidas no Sudeste (73,1%), também há oriundos do Nordeste (25,8%), do Norte (0,4%), do Sul (0,1%), do Centro-Oeste (0,1%) e até mesmo de fora do Brasil (0,2%). 

Resistência

“Acredito que, mesmo no melhor dos cenários de acesso à saúde, as benzedeiras ainda teriam seu espaço de resistência cultural”, diz o pesquisador. Apesar de seu futuro promissor como alternativa à saúde, Marcelo lembra que ainda existem desafios, e um deles é o pouco diálogo existente entre as ciências médicas e a medicina tradicional.

Segundo ele, “existe uma resistência dos dois lados. Os profissionais do meio acadêmico que não trabalham diretamente com conhecimento tradicional têm dificuldade em valorizar a sua importância. Já os detentores dos saberes populares muitas vezes não entendem a necessidade de sua validação científica. O maior desafio é quebrar essas resistências”.

A CBPM/Fiocruz mantém um banco de dados sobre o conhecimento popular de plantas medicinais usadas no país. As informações são incluídas a partir de trabalhos científicos que investigam o tema: “O conhecimento de benzedeiras como as da Maré não só tem ajudado a construir esse acervo, como é a base que o fundamenta”, diz o pesquisador.

*Reportagem escrita em parceria com a Fiocruz.

Uma baixa sempre em alta

A trajetória de uma favela cheia de boas histórias

Por Hélio Euclides

A história da Baixa está diretamente ligada à evolução e à expansão da própria cidade do Rio de Janeiro. Além da abertura da Avenida Brasil, a Baixa do Sapateiro cresceu juntamente com o projeto de construção do novo campus da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), naquela que seria conhecida como ilha do Fundão, e da ponte Oswaldo Cruz, que liga a Linha Amarela à Cidade Universitária. 

Alguns dos primeiros moradores eram operários que trabalharam na abertura da Avenida Brasil e ergueram seus barracos com sobras do material de construção. Atanásio Amorim, Genival Albuquerque e Teófilo Dias são alguns dos primeiros moradores, cujos nomes se sobressaem na história da Baixa do Sapateiro, quando a comunidade foi erguida.

A ocupação do território começou em 1947, na área alagadiça e de baixada do Morro do Timbau. Um pequeno grupo de palafitas foi chamado de Favelinha do Mangue de Bonsucesso. Existem algumas versões para a origem do atual nome da favela: alguns contam que tem a ver com um morador que exercia a profissão de sapateiro no início da ocupação.

Origem do nome

Outros dizem que o nome é alusão à Baixa dos Sapateiros, bairro da cidade de Salvador na Bahia, que também se formou a partir de aterramentos. Outros ainda alegam que o nome faz referência à vegetação de manguezal, conhecida popularmente como sapateiro, que era usada na produção de tamancos.

Charles Gonçalves, baiano de 62 anos, presidente da Associação de Moradores da Baixa do Sapateiro, defende a primeira versão: o nome se refere a um sapateiro que morava na Rua das Oliveiras. 

“A Baixa nasceu em torno da construção da antiga Rua Variante, atual Avenida Brasil. Além de sapateiros, a comunidade tinha muitas costureiras e também alfaiates. Com orgulho, a nossa associação de moradores foi a primeira em uma favela a ter o seu estatuto.”

Senhor Charles conta dos seus 50 anos de história na Maré, sempre na mesma rua. Ele viveu em palafitas, e passou pela carência do básico, como água e luz, e pelo aterramento do local. 

“Eu lembro ainda do rola-rola [barril fechado com rolha e envolto em pneu usado para transportar água] e da balança, de ir desengonçado pegar água no bicão. A favela cresceu, veio o progresso, o saneamento, o asfalto, mas tudo conseguido depois de muita luta. Hoje a Baixa é melhor, mas ainda falta muita coisa, os governantes estão atrasados na oferta dos serviços. Até temos saúde e educação, mas com falhas”, reclama. 

Histórias de um lugar

Lindete Barbosa tem 56 anos; ela vive na Baixa do Sapateiro desde que nasceu e, por isso, conhece muitas histórias. Na infância, viveu na Praça do Dezoito, oficialmente batizada de Luís Gonzaga em homenagem ao Rei do Baião e ao grande número de mareenses com origem do Nordeste do Brasil.

Um antigo chiqueiro deu lugar à praça e o nome pelo qual ela é conhecida: 18 é o número do porco no jogo do bicho. Essa é uma das histórias narradas no livro Lendas e Contos da Maré: “Eu cheguei a ver um porco com cara de gente!”, conta Lindete. 

Ela ainda recorda o tempo em que a favela era considerada uma área nobre: “Nós tomávamos banho na Praia da Maré! Quando a maré enchia muito, as águas vinham até o pé do morro”, conta.

Através de gerações

Outro local importante da comunidade para Lindete é o Largo IV Centenário, antiga Rua União da Baixa do Sapateiro, que teve o nome mudado quando a cidade do Rio completou 400 anos de fundação. 

“Eu vivi no Largo e, como a maioria dos moradores da Baixa, estudei na Escola Municipal IV Centenário. Minhas filhas também foram alunas de lá; é um colégio de geração para geração. São muitos anos vivendo aqui, mas sinto saudades do passado, pois hoje a favela é muito barulhenta e os moradores sofrem com os buracos nas ruas.”

Cada favela que forma esse bairro chamado Maré tem sua própria história e diversidade cultural. Em 2023, esta coluna pretende mostrar um pouco de cada uma delas. No nosso próximo encontro descobriremos como nasceu a favela de Marcílio Dias. Até lá!

Tijolinho recebe projeto de assistência técnica para melhorias no território

Ação foi promovida pelo Observatório de Favelas através de Lei Municipal de Marielle Franco

Samara Oliveira

Três casas foram reformadas e uma praça foi construída com espaço de lazer e convivência coletiva para os moradores do Tijolinho, conjunto de moradias localizado na Nova Holanda, na Maré, na última quarta-feira (15). A iniciativa foi promovida pelo Observatório de Favelas através do Projeto Melhorias Habitacionais em Rede no Tijolinho: Implementação e Difusão de Saberes Integrados e teve a participação dos moradores.

A proposta consiste na realização de um programa piloto de assistência técnica para melhorias na região e mostra na prática a viabilidade da Lei Municipal 642/2017, de autoria da vereadora Marielle Franco, que tem como objetivo garantir que o município do Rio preste assistência técnica pública e gratuita para projeto e construção de habitação de interesse social às famílias com renda mensal de até três salários mínimos.

A ação possibilitou a execução de reformas-modelo realizadas com base em pesquisas anteriores e a aplicação de metodologias de diagnóstico coletivo, valorizando o trabalho participativo dos moradores do território, tendo como foco o protagonismo local nas etapas de planejamento e de execução das obras. 

Para o pesquisador de Políticas Urbanas do Observatório de Favelas, Lino Teixeira, o projeto colocou em prática uma metodologia em que incluiu o morador de forma ativa no processo de revitalização urbana, incluindo os profissionais que trabalhem direta ou indiretamente na área da construção civil.

“A proposta é fazer do morador o sujeito dessa ideia e não apenas objeto. Isso significa que quem mora no local não tem direito apenas à participação do processo, ou seja, somente discute sobre a questão habitacional. Ele pode protagonizar esse processo, opinando de que forma ele deseja a aparência do imóvel, por exemplo. Além disso, a ideia é fazer disso uma rede que envolva as lojas de construção da Maré, montando uma estrutura que traga esse comércio local para facilitar a viabilização desse processo habitacional, possibilitando descontos para o morador e mobilizando esse comerciante também para o tema das políticas públicas sobre moradia”, explicou Teixeira, salientando que o modelo deve ser pensado para outras áreas periféricas do Rio.

A iniciativa do projeto Melhorias Habitacionais em Rede no Tijolinho: Implementação e Difusão de Saberes Integrados é uma realização pelo Observatório de Favelas, a partir do eixo de Políticas Urbanas, e FAU – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ e tem o patrocínio do CAU RJ – Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro.

Sobre o Tijolinho

A história do Tijolinho, o TJ, conjunto habitacional que fica na Nova Holanda, localizado em uma das 17 favelas da Maré, tem início nos anos 60 com a construção de habitações provisórias para famílias que haviam sido removidas de favelas da Zona Sul do Rio de Janeiro como Esqueleto, Praia do Pinto, Querosene, Macedo Sobrinho – e desabrigadas pelas chuvas. Construído sobre aterro de área de mangue na margem da Baía de Guanabara e ao lado da Avenida Brasil.

As casas originais do conjunto habitacional eram feitas em madeira com a promessa de que os moradores teriam suas casas “definitivas”, em alvenaria, num segundo momento. Como era “provisório”, os moradores não tinham gerência sobre as casas que moravam, pois pertenciam ao Estado e eram administradas pela Fundação Leão XIII. 

Nos anos de 1980, o Projeto Rio trouxe a esperança de que aquela realidade poderia ser revertida. Mas depois de quase uma década de ações, o projeto foi interrompido, deixando milhares de famílias vivendo ainda em moradias precárias. A estrutura do Projeto Rio propiciou o fortalecimento das associações de moradores que eram fundamentais para a operacionalização do projeto, o que foi fundamental para a construção de um movimento comunitário de luta por moradia.

No início dos anos 90, portanto, quase 30 anos após suas construções, as casas modelo “duplex” deste conjunto de habitação provisória na favela Nova Holanda encontravam-se em condições de degradação, com riscos de desabamento e incêndio.

Os moradores se uniram para lutar por melhores condições e tiveram grandes conquistas. Uma delas foi a reconstrução dos “duplex”, agora em alvenaria. Foram 253 unidades construídas. 

Sobre o Observatório de Favelas

O Observatório de Favelas, criado em 2001, é uma organização da sociedade civil sediada no Conjunto de Favelas da Maré, com atuação nacional. Dedica-se à produção de conhecimento e metodologias visando incidir em políticas públicas sobre as favelas e promover o direito à cidade. Fundado por pesquisadores e profissionais oriundos de espaços populares, tem como missão construir experiências que contribuam para a superação das desigualdades e o fortalecimento da democracia a partir da afirmação das favelas e periferias como territórios de potências e direitos. Atualmente,  desenvolve programas e projetos em cinco áreas: Arte e Território, Comunicação, Direito à Vida e Segurança Pública, Educação e Políticas Urbanas.