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Maré recebe vacinação em massa

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Quase 36 mil pessoas receberam a primeira dose do imunizante contra a covid-19 em uma parceria entre a Redes da Maré, a Fiocruz e a Prefeitura do Rio

Maré de Notícias #127 – agosto de 2021

Por Amanda Pinheiro, Edu Carvalho e Hélio Euclides

Após mobilização histórica, quase 36 mil moradores da Maré com idade entre 18 e 35 anos receberam a primeira dose do imunizante contra a covid-19 por meio da #VacinaMaré, campanha de vacinação em massa que aconteceu do dia 29 de julho a 1º de agosto, com repescagem através de busca ativa até o dia 3 de agosto. A campanha, que superou a meta de imunizar 31 mil moradores, mostrou a força da coletividade ao reunir conhecimento, engajamento do território e representação institucional através da parceria entre a Redes da Maré, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e a Prefeitura do Rio de Janeiro. 

A iniciativa é parte de uma pesquisa da Fiocruz sobre a eficácia da vacina em uma população amplamente imunizada e a proteção contra novas variantes. O estudo inédito vai acompanhar duas mil famílias durante seis meses para avaliar a efetividade da vacina, medir a produção de anticorpos dos imunizados, a dinâmica de transmissão do vírus e os possíveis efeitos adversos da vacina. Crianças e adolescentes também serão monitorados, mesmo não sendo o público-alvo da campanha. Desta maneira, os pesquisadores saberão, por exemplo, se as crianças são protegidas através da imunização dos adultos. 

A campanha de vacinação mobilizou profissionais das clínicas da família da Maré, como os da Clínica da Família Jeremias Moraes da Silva, na Nova Holanda – Foto: Matheus Affonso

“É uma construção coletiva que gera aprendizado. Essa pandemia é muito mais do que um vírus infectando e matando pessoas; faz parte de um processo de desigualdade no Brasil que só poderá ser enfrentado dessa forma: com a sociedade civil, com consciência e com o poder público”, afirmou Valcler Rangel, assessor de relações Interinstitucionais da Fiocruz.

Para o secretário de Saúde do Rio, Daniel Soranz, apesar de a cidade ainda viver um momento difícil no combate à pandemia, é hora de construir uma base de esperança. “Sabemos que a vacina é eficiente, salva vidas, protege contra a internação. Esse projeto vai ajudar a produzir conhecimento para que a gente esteja sempre à frente e consiga planejar os próximos passos. É um momento muito importante para a ciência”, declarou.

Foram mais de 500 pessoas envolvidas na logística da mobilização do território, entre articuladores de campo e voluntários. “É um momento importante, não só de reconhecimento da potência do nosso trabalho, mas do estabelecimento de direitos para os moradores de favelas. A parceria é um caminho concreto para reverter os danos causados pela pandemia e para a implementação de políticas públicas que respondam aos desafios estruturais que vivenciamos”, enfatiza Eliana Sousa, diretora da Redes da Maré. Ela pediu ajuda a Fiocruz, em 2020, para o enfrentamento da pandemia no território. 

Unidos pela vida

Seja através dos compartilhamentos nas redes sociais ou nas trocas ocorridas nas ruas das 16 favelas, a sensação de viver um momento histórico era nítida. “Foram dias maravilhosos, aos quais contribuímos para que nossa população tenha esperança na vida.  Esperamos que, com a vacina, a necessidade de isolamento chegue ao fim no futuro”, diz Mara Fonseca, gerente do Centro Municipal de Saúde João Cândido, em Marcílio Dias.

Cintia Mariano, gerente do CMS Nagib Jorge Farad, em Jardim América, conta que, ao saber da convocação, fez questão de trabalhar na campanha. “Sou ex-moradora, estudei nas escolas do território e atuei nas unidades de saúde. Vejo a Maré sendo protagonista na saúde, mostrando a todos que aqui é um lugar de coisas positivas”, avalia. Sua colega da área da saúde Girley Teodósio, enfermeira do CMS Vila do João, estava contente com a articulação. “Essa mobilização vai entrar para a história”, celebra.

Para profissionais da educação que abriram as portas das escolas, o esforço foi uma aula de cidadania. “Vivemos um momento de união. Fiquei impressionada com a quantidade de pessoas que procuraram a imunização. Se todo o Brasil tivesse tido essa oportunidade, muitas mortes não teriam ocorrido”, afirma Elaine Moledo, professora atuante na 4ª Coordenadora Regional de Educação. Essa força dos voluntários contagiou a todos: é o caso de Roseli de Almeida, moradora da Vila do João, que levou todos da família que estavam na faixa etária da vacinação. “O que está acontecendo é um milagre para nós”, celebra. 

O AstraZeneca foi imunizante aplicado durante a campanha – Foto: Matheus Affonso


Após risco de paralisação, Rio recebe doses; vacinação está garantida nesta semana a pessoas de 26 a 21 anos, veja datas

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Por Edu Carvalho, em 09/08/2021 às 07h

Após anunciar risco de paralisação na campanha de vacinação contra a covid-19 na capital, o prefeito Eduardo Paes publicou sobre o recebimento de doses do imunizante. A publicação foi feita durante ontem (08/8), domingo.

No sábado (07/8), o prefeito havia feito pedido para que as vacinas fossem distribuídas. ”Mais uma vez fazemos esse apelo público ao @minsaude. Soube que tem inclusive um monte de coronavac do @butantanoficial lá estocada. Bora distribuir. Só 5% dos internados no Rio tomaram vacina. Ou seja, elas funcionam e SALVAM VIDAS! #boradistribuir”, disse, comentando um post do secretário municipal de saúde Daniel Soranz.

No Twitter, o ministro da Saúde Marcelo Queiroga confirmou a entrega da remessa, incluindo a informação de que o estado receberá 5% a mais de vacinas. O esforço é feito para minimizar os impactos da variante Delta, mais transmissível e que já responde por 45% dos casos no Rio.

Com a chegada de vacinas, a imunização está garantida. Nesta semana, pessoas de 26 a 21 anos podem se vacinar. Veja as datas:

‘Olha o gás’: item indispensável está cada vez mais distante dos lares em favelas e periferias

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Valores oscilam em diversas partes da capital fluminense

Por Hélio Euclides, em 09/08/2021 às 07h. Editado por Edu Carvalho

Olha o gás!”, o vendedor grita. Do outro lado, o cliente olha para o botijão vazio e ao mesmo tempo abaixa a cabeça, à procura de uma madeira para acender a fogueira para cozinhar. Essa é a realidade de muitos moradores de favela, que chegam a conseguir uma cesta de alimentos, mas não tem como cozinhar os produtos, após inúmeros aumentos de valores no Gás Liquefeito de Petróleo (GLP). No mês de julho, ocorreu o reajuste mais recente de 6%.

Aline Fornel, moradora do Vidigal, mudou-se recentemente de casa e desejava adquirir alguns moveis. Descobriu que sua vizinha estava vendendo o fogão, pois iria trocar o eletrodoméstico por um utensilio elétrico, conhecido como fogareiro, para economizar. “Tive que comprar um refil vazio do botijão de 13 quilos, que custa mais de R$ 100. Somado com o gás gastei quase R$ 300”, comenta.

O fogareiro que sua vizinha comprou custa em média  R$170, mas há desvantagens. O fogareiro tem uma potência menor, e é necessário comprar também um forno. “O ideal seria a compra de um cooktop por indução, que custa R$ 800 e um forno elétrico por R$400. Seria um valor muito alto, e ainda há o risco da queima desses eletrodomésticos, visto que a fiação tanto no Vidigal, como em outras favelas, é insegura”, revela Fornel.  

Com os obstáculos, os cariocas se destacam pela criatividade. “Para economizar gás, utilizo uma chaleira elétrica, que esquenta a água para ferver alimentos, cozinhar arroz, macarrão, legumes e fazer café. Tudo isso para usar o fogão por menos tempo”, conclui. 

Não falta só gás: falta comida

Quatro pessoas dentro de casa, todas sem emprego. Esse é o caso de Simone Cristina, moradora da Vila dos Pinheiros, na Maré. Ela também lamenta a situação atual agravada pela pandemia, com o aumento do preço dos alimentos e do gás. “Nunca passei tanta dificuldade financeira. Pela primeira vez precisei pedir uma cesta básica, pois não tinha comida. Vamos voltar a usar lenha porque não temos o dinheiro do gás, que está um absurdo”, reclama.

Ela atribui à gestão federal a vulnerabilidade alimentar vivenciada por muitos brasileiros. “Esse governo está destruindo tudo que conquistamos na antiga gestão. Naquela época, pagamos a dívida externa, o pobre conseguiu um carro, uma casa, uma moto e andar de avião. Conseguimos o direito de luz e água. Não passávamos fome. Ainda tem muita gente a favor desse genocida, que não fez nada pela população. Não sei como será o futuro”, desabafa.

No início da pandemia, em março de 2020, o ativista Cosme Felippsen, que é guia de turismo comunitário, mora no Morro da Providência e é criador do tour histórico Rolé dos Favelados, perdeu uma grande parte da sua renda, devido ao cancelamento das atividades de turismo. Com a queda brusca de renda, ele ficou sem recursos para comprar gás para sua família e teve que contar com a solidariedade de uma amiga.

O RioOnWatch destaca em sua mais recente série sobre justiça e eficiência energética nas favelas que, desde março de 2020, o Comitê de Crise SOS Providência atua na distribuição de cestas básicas, itens de higiene e gás de cozinha com a campanha “Um Gás para as Mulheres da Providência”. Para ajudar, basta clicar aqui. A Central Única das Favelas (CUFA) também realiza a distribuição gratuita de botijões através do projeto Mães da Favela.

Em São Paulo, governo estadual criou o ”Vale Gás”, que atende mais de 104 mil famílias em situação de pobreza ou extrema pobreza, residentes em comunidades e favelas (classificadas como aglomerados subnormais). O valor do auxílio terá parcelas bimestrais no valor de R$ 100,00 cada, a serem pagas entre julho e dezembro de 2021, para a compra de botijão de gás de cozinha (GLP 13kg).

O critério inclui as famílias inscritas no CadÚnico (sem Bolsa Família) e com renda mensal per capita de até R$ 178,00. Para consultar a elegibilidade ao benefício, o cidadão deve entrar no site oficial do Vale Gás e digitar o número do NIS (Número de Inscrição Social) para ter acesso às informações.

O Governo Federal anunciou que estuda a criação de um benefício na proposta do novo programa social a substituir o Bolsa Família. Ainda não há uma definição de valor.


Por que é importante saber sobre a Tunísia?

Por Alexandre dos Santos em 08/08/21 às 7h

Mohamed Bouazizi, um jovem de 26 anos, sustentava toda a família – oito pessoas – vendendo frutas e legumes que carregava num carrinho de mão junto com seus instrumentos de trabalho: algumas ripas de madeiras para montar uma banquinha, uma balança e alguns pesos. Já estava acostumado a ser achacado diariamente por policiais e guardas municipais, mas naquela manhã de dezembro de 2010 a situação foi a pior que ele tinha vivido. Os guardas pediram mais do que o usual, Bouazizi se recusou a pagar e tomaram o carregamento. Quando ele se recusou a entregar também o carrinho de mão a balança e os pesos, tomou uma sova e teve todo o material apreendido.

Desesperado, foi até a sede do governo loca mas foi expulso de lá sem sequer se recebido por qualquer funcionário público que pudesse ouvir sua queixa. Com o pouco dinheiro que tinha, comprou uma garrafa de gasolina e uma caixa de fósforos e tacou fogo em si mesmo, na escadaria.

Parece uma história brasileira? Sim. Poderia muito em ter acontecido em qualquer periferia, comunidade, favela… porém aconteceu em Túnis, capital da Tunísia. A imolação de Mohamed Bouazizi, levou os tunisianos de todo o país a saírem às ruas e protestar contra a corrupção generalizada, a pressão do governo, a pobreza, o desemprego, a falta de oportunidades, a censura e desrespeito aos direitos básicos de ir e vir e liberdade de expressão… Menos de um mês depois, a Revolução de Jasmim apeou do poder o ditador Zine El Abidini Ben Ali, há 24 anos no poder.

A essa altura do campeonato a Revolução de Jasmin já havia se transformado na “Primavera Árabe”, que em 2021 completou 10 anos. Foi um movimento de manifestações populares contra a corrupção e a repressão do Estado nos países islâmicos que derrubou ditadores há décadas no poder, como o egípcio Hosni Mubarak (30 anos no poder), o líbio Muammar Kadafi (42 anos no governo) e Ali Abdullah Saleh, que governou o Iêmen de 1978 a 2012. O tunisiano Bem Ali tinha sido só o primeiro.

Alguns líderes tiveram que ceder para permanecerem no poder, como o rei Mohammed VI do Marrocos e o sultão do Omã, Qabus ibn Sa’id. O sucessor dele, Haitham bin Tariq Al Said, que assumiu depois da morte do antigo sultão em 2020, mantém as reformas e uma inédita garantia da liberdade de expressão da população omani.

Já o famigerado Bashar al-Asaad, cuja família controla a Síria há quase 50 anos, bancou a ferro e fogo a permanência no poder. Como consequência, a guerra civil completa os mesmos 10 anos da Primavera Árabe.

Apesar de ter sido o país cujos impactos foram mais profundas, meros dez anos não são avalistas para mudanças estruturais tão profundas assim. É muito pouco tempo de amadurecimento para uma democracia. E quando tudo parecia ir bem, mesmo aos trancos e barrancos, a Tunísia aparece nos noticiários novamente depois que o presidente Kais Saied usou um dispositivo constitucional para destituir o Primeiro-Ministro, Hichem Mechichi, e fechar o parlamento por 30 dias no fim de julho.

Enquanto se discute se houve golpe ou não, o presidente justifica a ação se dizendo amparado pelas manifestações populares que vinham tomando as ruas das principais cidades tunisianas. Uma parte da população também foi às ruas apoiar a decisão do presidente. O descontentamento com a maneira como os políticos vêm cuidando da jovem democracia da Tunísia é fruto dos próprios ganhos da Primavera Árabe: a liberdade de expressão. As críticas aos políticos, principalmente os do partido majoritário e conservador Ennahdha – assim como a organização dos protestos – são feitas nas redes sociais, capitaneadas por blogueiros, youtubers e tik-tokers, que demonstram toda a insatisfação contra o retorno da corrupção, o aumento do desemprego e a vacinação lentíssima. Os principais vigias das ações dos parlamentares é o coletivo I-Watch, montado por estudantes universitários para denunciar políticos e empresários a partir de documentos, recibos e prestações de contas públicos.

Foi com essa mesma promessa, a de retomar os rumos da economia e da democracia tunisiana e lutar contra a corrupção e os desmandos políticos, que o próprio presidente Kais Saied foi eleito em 2019. Saied, professor de Direito e sem passado político, ganhou as eleições sem estar associado a um partido e com o maior percentual de abstenções das últimas setes eleições no país: 48%.

Um terço dos jovens tunisianos está sem emprego e é forte a percepção de que a corrupção voltou a se entranhar como há dez anos, quando Mohamed Bouazizi precisou atear fogo em si mesmo. Empobrecidos e sem perspectivas, são os jovens que pedem mudanças e apoiam as ações do presidente. Pelo menos até agora.

Alexandre dos Santos é jornalista e professor de História do Continente Africano no Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio.

Demandas sociais e a força do coletivo: ocupar espaços é preciso

Laboratório de dados na favela do Jacarezinho, LabJaca representa a juventude que “bota a mão na massa” para reagir às consequências das lacunas das políticas públicas

Por Tamyres Matos, em 07/08/2021, às 09h

Editado por Dani Moura

A pandemia do novo coronavírus virou nossa vida de cabeça para baixo. Alguns processos foram acelerados vertiginosamente, algumas urgências surgiram do zero. E se tem algo capaz de mexer com as estruturas sociais é o instinto de sobrevivência. O trabalho do LabJaca começou para responder a uma dor objetiva e comunitária: a fome na Favela do Jacarezinho, na Zona Norte do Rio, agravada pelas restrições do isolamento social. A campanha “Jaca contra o Corona” atendeu  3 mil famílias em vulnerabilidade social e chamou a atenção para a importância desses coletivos nas periferias no Rio e no Brasil.

“Durante as entregas de cestas básicas, nós criamos um formulário para registrar os casos suspeitos de covid-19. Os números do levantamento não oficial, pois não possuíamos estruturas para fazer os testes, evidenciaram centenas de casos que precisavam de atenção, enquanto o estado dizia que tinha uma dezena de casos monitorados”, recorda Bruno Sousa, um dos fundadores e coordenador de comunicação do LabJaca.

O jornalista de 23 anos reflete sobre a importância de, além de reunir as informações sobre o território, torná-las mais inteligíveis para a maior parte das pessoas que ali vivem. “Como vão existir políticas públicas sem dados? É importante traduzir estes dados. Temos uma alta taxa de analfabetismo na comunidade, muita gente não sabe interpretar um gráfico. Por isso, entendemos que a linguagem do audiovisual era o caminho para apresentar estes dados para a maior quantidade de pessoas possível”, explica.

Atuação do coletivo foi impulsionada pelo trabalho em prol da segurança alimentar no Jacarezinho | Foto: Divulgação

O projeto começou com 6 pessoas, hoje conta com 14. Bruno relata que o grupo ainda busca sustentabilidade financeira, mas exalta a importância das doações – cuja maior parte vem de pessoas que conhecem e apoiam os jovens do laboratório, mas uma quantia relevante é conquistada por doações online (crowdfunding) . Além disso, são citadas como essenciais, seja para o aprendizado e fortalecimento institucional, parcerias com organizações como Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Columbia Global Centers e data_labe (laboratório de dados da Maré).

“O LabJaca vem para desafiar, para fazer uma contranarrativa a partir do combate a uma comunicação que marginaliza a favela e produz dados defasados. A gente promover ações comunitárias, fortalecer a nossa comunidade é fundamental para desafiar o racismo e a pobreza estrutural que atinge o Jacarezinho e outras comunidades”, pontua Thiago Nascimento, também fundador do coletivo.

Para Bruno, uma das marcas desse momento da pandemia tem sido a força da coletividade encampada especialmente (mas não só) pelos mais jovens. “Tem sido muito interessante ver que a juventude de todas as favelas se apropriou dos espaços para atuar em demandas urgentes. Essa galera ‘bota a mão na massa’, ocupa espaços e mostra empoderamento”, acredita.

Estudante de direito e ex-atleta de basquete, Thiago, também de 23 anos, é relações públicas do projeto e conta que as demandas de segurança sanitária e alimentar do Jacarezinho direcionaram os esforços iniciais do coletivo, mas que o LabJaca é, acima de tudo, “propósito”.

Muros, portas e paredes atingidos por balas do confronto armado que matou 29 pessoas foram grafitados numa iniciativa do Labjaca e do projeto Voltando à Escola | Foto: Divulgação

‘Silêncio absoluto’

O significado da expressão “luto coletivo” – utilizada para abordar os reflexos das perdas durante a epidemia global – no Jacarezinho é ainda mais pungente. Mesmo com a “ADPF das Favelas”, que proíbe operações policiais no Rio de Janeiro durante a pandemia, a região foi alvo da operação policial mais letal da história do Rio, que resultou na morte de 29 pessoas. O jovem fundador do LabJaca, geralmente sorridente durante sua fala, transmuta-se num semblante pesado ao comentar a repercussão do massacre na localidade onde nasceu e foi criado.

“Nas representações que defendem esse tipo de conduta violenta é muito forte o discurso do ‘bandido bom é bandido morto’, essa simplificação que enxerga na polícia o ‘santo graal’ que vai resolver tudo. O Jacarezinho é uma região pulsante, mas as pessoas ficaram mais retraídas, mais tristes depois da chacina. Cada um se recolheu na sua própria viela, o que se ouve é um silêncio absoluto”, comentou Bruno.

‘Minorias’ que fazem barulho

Os efeitos da pandemia de covid-19 ainda nem foram completamente mensurados, mas alguns estudos já apontam para a gravidade das repercussões. Um relatório publicado em junho deste ano pela Agência dos Direitos Fundamentais (FRA é a sigla em inglês) da União Europeia (UE) aponta que, por exemplo, as implicações para os direitos das minorias sociais são “profundas e sem precedentes”.

A força das “minorias” que vivem o protagonismo em suas comunidades | Foto: Divulgação

É possível ler no capítulo que trata sobre o assunto que a conjuntura “exacerbou os desafios e desigualdades existentes em todos os âmbitos, afetando em particular os grupos vulneráveis”. Em outro exemplo, uma reportagem publicada também em junho pela CNN aponta que pretos e pardos representam 57% dos mortos pela doença, enquanto brancos são 41%. Além disso, a chance de um negro morrer por coronavírus é 38% maior do que a de um branco.

Mas nada disso significa que não haja potência. Para Bruno, a força da coletividade durante esse período tem muito da energia das chamadas minorias. “Percebo um respiro novo na luta no movimento negro, que vem muito do legado da Marielle (Franco), mas também do enfrentamento da pandemia. Temos ainda uma influência feminina, LGBTQIA+ nesses grupos. Apesar dos enormes retrocessos políticos dos últimos anos, esses grupos seguem correndo atrás. Estamos em contato com os mandatos coletivos do Rio, como da Renata Souza e da Thaís Ferreira, pois sabemos que é importante ocupar também os espaços institucionais”, conclui.