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Você sabe o que é racismo ambiental? Entenda a relação com o território da Maré

A saúde da população negra é atingida fortemente pelas alterações no clima

Maré de Notícias #125 – junho de 2021

Laerte Breno e Mariane Rodrigues, colaboradores da Campanha Climão da Redes da Maré

A favela é feita de gente que luta para sobreviver, e que não mede esforços para garantir o pão na mesa e o dinheiro do aluguel no fim do mês. Na Maré, há 140 mil habitantes, cada um com a sua história, seus sonhos e dificuldades. É tanta gente que o descarte de lixo cresce em ritmo acelerado. Em um minuto, a caçamba de lixo está vazia; no outro, está tão cheia que não vemos a hora de o caminhão da Comlurb passar. Mas, antes que isso aconteça, um batalhão de trabalhadores, espalhados pelo Brasil e atuantes também na favela da Maré, desempenha um papel fundamental não só para o meio ambiente como na garantia para si do arroz e feijão do  dia a dia: os catadores de materiais recicláveis

Em todo o país, são quase 400 mil catadores de materiais recicláveis, sendo que 51,5% se autodeclaram pardos e 14,6%, pretos. Dona Lucinda, mulher negra moradora da Maré, é uma catadora que, de segunda a domingo, roda as favelas da Vila do João, Pinheiro e Salsa e Merengue à procura de materiais. Mais  tarde, eles serão trocados no ferro-velho pelo sustento dela e de sua família.

A catadora vê o seu trabalho como digno e igual a qualquer outro. Segundo ela, na favela faltam investimentos. “Meu trabalho é importante. A floresta amazônica está sendo queimada todo dia, e eu acho que estou ajudando o meio ambiente. Triste é saber que aqui não tem investimento e nem espaço direito para as crianças brincarem”.  

O que dona Lucinda narra é justamente o que chamamos de racismo ambiental. O termo foi cunhado em 1981 por Benjamin Franklin Chavis Jr, líder negro do movimento pelos direitos civis americano, e diz respeito ao descaso ambiental com que são tratadas comunidades de minorias étnicas, forçadas a se estabelecer em locais próximos a resíduos tóxicos e submetidas à moradia sob condições insalubres ou perigosas. Essas populações são ainda excluídas das tomadas de decisão, mediação e criação de quaisquer políticas públicas socioambientais. 

Além da marginalização, da estigmatização e do racismo, essas comunidades também são aquelas que registram maiores índices de poluição e degradação do solo, falta de saneamento básico e acesso inadequado à alimentação de qualidade. Esse quadro, já vulnerável, se agrava em momentos de crise global, como a pandemia da covid-19. Como efeito desse sistema, há uma naturalização dessa realidade.

Aterro de Gramacho

Um exemplo é o do hoje desativado Aterro Metropolitano de Jardim Gramacho, criado em 1976 em Duque de Caxias para receber os resíduos dos municípios do chamado Grande Rio. O projeto nasceu com inúmeros problemas estruturais, que poderiam ter sido evitados se a população e os órgãos de proteção ao meio ambiente tivessem sido consultados previamente. Instalado onde antes existia um manguezal, o aterro afetou drasticamente não só a saúde das águas da Baía de Guanabara, como também a da população de Duque de Caxias, diminuindo a qualidade de vida das comunidades do entorno ao expô-las à poluição do ar, à proliferação de vetores de doenças e ao solo contaminado. Mesmo fechado desde 2012, o aterro de Jardim Gramacho continua impactando a vida daquelas pessoas, que ainda convivem com doenças por conta dos rios poluídos, permanecendo sem assistência do poder público.

O aterro metropolitano em Jardim Gramacho, apesar de desativado, ainda recebe lixo – Foto: D’arcy Norman

O impacto na Maré

O território da Maré é maior do que 96% dos municípios do país, e continua crescendo. Não apenas o lixo é um problema, causando obstrução dos bueiros e ameaçando a saúde da população: a péssima qualidade do ar, causada pela poluição que vem das três principais vias do município que cercam a Maré, e temperaturas mais altas do que no centro da cidade contribuem para causar e agravar doenças respiratórias graves.

Dados do censo populacional da Maré de 2019 apontam que mais da metade da população da região é autodeclarada preta ou parda. Assim como outras favelas, os quilombos, os territórios indígenas e os ribeirinhos estão mais vulneráveis ao e racismo ambiental porque faltam práticas governamentais de combate às desigualdades sociais.
Pela necessidade de sustentar a casa, Dona Lucinda, autodeclarada negra,  teve seus planos de vida interrompidos, sendo vítima da desigualdade social do país. “O meu trabalho é importante. Mas, quando eu era nova, queria ser bailarina, amava dançar… Só que tem horas que a necessidade fala mais alto”.  Sua necessidade também a expõe a riscos, na medida em que enfrenta longos períodos trabalhando sob o sol, sem equipamentos de segurança que a protejam do solo e de resíduos contaminados a que é exposta diariamente.

Nos olhares atentos de Lucinda, ela reconhece o descaso do poder público, sentindo na pele os fracos investimentos socioambientais na favela da Maré, “Aqui é muito quente. O sol já no início da manhã é bem forte. Quando chove alaga tudo, é lixo pra todo lado. É uma situação muito difícil”. Segundo ela, somente depender do Estado não é uma solução para o problema: a participação ativa de todos na comunidade é importante. “Tem morador que precisa ter mais cuidado quando jogar o lixo fora. Tem que descartar nos locais indicados e dentro da caçamba, para evitar alagamentos e o valão não subir”.

Além da crescente degradação ambiental, a pandemia agravou ainda mais a saúde da população negra e mostrou como a desigualdade funciona para esse grupo. Dados do Instituto Pólis de Estudos, Formação e Assessoria em Políticas Sociais, coletados entre 1º de março e 31 de julho em São Paulo, revelam que, se as condições de vida e as idades entre brancos e negros/pardos fossem iguais, a taxa de mortalidade de pretos e pardos resultaria em 4.091 óbitos no período e não, 5.312 mortes, como ocorreu (29,85% a mais do esperado). Entre pessoas brancas, esperava-se 11.110 óbitos, mas foram registradas 9.616 mortes (13,4% a menos). O Sistema Único de Saúde (SUS) também mostra essa disparidade: a cada cinco brasileiros que dependem unicamente da saúde pública, quatro são negros. 

Dona Lucinda admite que a situação não é fácil, mas se vê esperançosa se começarmos a partir de agora: “A vida nunca foi fácil, é muito trabalho, mas um dia há de melhorar, nem que seja um pouquinho”.

O despejo irregular de esgoto à céu aberto traz inúmeras doenças à população, como diarréia, hepatite A, verminoses e outras – Foto: Matheus Affonso

Projeto “Rio Diversidade” celebra mês do Orgulho LGBTI+ com palavras de ordem na orla da cidade

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Além de galeria aberta do Leme ao Pontal, Arcos da Lapa e Cidade das Artes serão iluminados com cores da bandeira LGBTI+

Por Redação, em 02/06/2021 às 06h

Respeito, liberdade, amor, igualdade, afeto, vida e orgulho são palavras ricas em significado para pessoas LGBTI+. Simbolizam lutas e reafirmam conquistas de quem precisou e infelizmente às vezes ainda precisa se afirmar para ter sua individualidade respeitada. Por isso, em celebração ao mês de Orgulho LGBTI+, a Prefeitura do Rio, através da Riotur, vai estampar as sete palavras em uma galeria aberta na orla do Rio, colocando a cidade novamente num cenário de respeito à diversidade e apoio às pessoas de diferentes identidades de gênero e/ou orientações sexuais. 

O projeto RIO DIVERSIDADE vai expor até o fim de junho as sete palavras nos 24 postos da orla marítima do Rio, do Leme ao Pontal, em painéis de em média 2 m x 5 m, nas cores da bandeira do Orgulho LGBTI+. Um placa informativa trará também as palavras traduzidas para inglês, italiano, francês, alemão e mandarim. 

Além da galeria aberta na orla da cidade, os Arcos da Lapa e a Cidade das Artes — sede da Riotur — serão iluminados, das 18h à 01h, com as cores da bandeira LGBTI+ entre os dias 25 e 28 de junho. Nesta data é celebrado o Dia Mundial do Orgulho LGBTI+, em homenagem à Revolta de Stonewall, um marco representativo na luta por direitos civis da população lésbica, gay, bissexual, travesti, transgênero, intersexual e de outras identidades de gênero e/ou orientações sexuais. 

Foto: Rafael Catarcione/Riotur

Naquela data, há 52 anos que se completam em 2021, policiais invadiram o bar nova iorquino The Stonewall Inn, espaço considerado seguro para pessoas LGBTI+. Os agentes começaram a prender os frequentadores do local, mas acabaram surpreendidos por uma enorme reação de centenas de pessoas revoltadas com a recorrente opressão policial contra pessoas LGBTI+. 

“A cidade do Rio é gigante na hospitalidade, inclusive com reconhecimento internacional. A Riotur, empresa de turismo da cidade, acende a luz para a diversidade brilhar. Somos todas as cores do arco-íris. Essa ação incrível na orla e a iluminação em pontos turísticos reafirmam que somos diversos, sem preconceitos e orgulhosos disso! Feliz a cidade que se posiciona como gay friendly!”, celebra a presidente da Riotur, Daniela Maia. 

O projeto RIO DIVERSIDADE conta com apoio cultural da TIM e OrlaRio, e tem o apoio institucional da Coordenadoria Executiva da Diversidade Sexual (CEDS) da Prefeitura do Rio.

“É maravilhoso poder ver cartões-postais do Rio reafirmarem nosso papel de cidade da diversidade. Somos pioneiros em nosso país quanto à criação de leis municipais que asseguram tratamento igualitário a todos e todas, independentemente de orientação sexual ou identidade de gênero, em órgãos públicos e estabelecimentos comerciais. Tanto nossos turistas quanto nossos cidadãos merecem se sentir bem-vindos e respeitados, cientes de que, em caso de discriminação, podem contar com o poder público. A Coordenadoria Executiva da Diversidade Sexual está a postos para acolher quem precisar, pelo telefone 21 2976-9138 ou pelo e-mail, [email protected]”, diz o coordenador da CEDS, Carlos Tufvesson. 

Maré de Notícias participa de especialização para cobrir pandemia

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Curso foi feito entre os meses de março, abril e maio deste ano

Por Edu Carvalho, em 02/06/2021 às 06h

Repórteres do jornal Maré de Notícias participaram de um curso para especialização e capacitação de suas coberturas jornalísticas sobre a pandemia da covid-19. Desenvolvido pelo Centro Knight, em parceria com a UNESCO, PNUD e Organização Mundial da Saúde e co-financiado pela União Europeia, “Cobertura da vacina para COVID-19: O que os jornalistas precisam de saber“, o programa apresentava os principais pontos para produção de notícias ligada uma das crises sanitárias mais devastadoras no mundo. 

Dividido em cinco módulos, o curso contou com a apresentação de Maryn McKenna, jornalista e escritora americana da Wired, além da contribuição de diversos integrantes de órgãos hoje unidos para criação e divisão de vacinas. Para brasileiros, a facilitação foi feita pelo também jornalista André Biernath, da BBC Brasil.

Nos estudos foram explicados como se chegam aos ensaios clínicos de cada vacina, além de identificar as informações a respeito de cada imunizante e seus diferentes desafios logísticos. Um dos tópicos levantados foi o “nacionalismo de vacinas”. Aos inscritos no curso, houve explicação dos planos internacionais para garantir que os países em desenvolvimento recebam uma parte justa de doses das vacinas – como o caso do Brasil. 

Também foi possível entender e fazer uma distinção entre a euforia para a criação de vacinas e o ativismo contra os imunizantes. Neste processo, a desinformação sobre as vacinas e a circulação de informações falsas tornaram-se objeto de debate para aqueles que gostariam de saber como enfrentar este desafio atual. 

Um dos pontos também tocados pelo curso foi sobre as previsões de quanto tempo levará para atingir a imunidade coletiva e até que ponto as sociedades precisam persistir com medidas preventivas, como o uso de máscaras e o distanciamento social, levando em consideração o surgimento de novas variantes do coronavírus. 

O último módulo do curso, foi dedicado às  especificidades da imunização contra a covid-19 no Brasil. A possibilidade de vacinar milhões de pessoas num curto espaço de tempo e as experiências das últimas décadas sendo exemplos para atingirmos a meta. Como os jornalistas poderiam contribuir para uma cobertura real e precisa sobre o que acontece, sem deixar de pautar as dúvidas e incertezas de um processo no qual toda a nação está envolvida, além de ressaltar as diversas realidades. 

Três mil jornalistas de diferentes partes do mundo participaram do curso.

Prefeitura lança nova versão do Painel Rio Covid-19

Por Redação, em 01/06/2021 às 11h15

A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) disponibilizou nesta segunda-feira (31) uma nova versão do Painel Rio Covid-19. Elaborada pelos técnicos do Centro de Operações de Emergência para Enfrentamento da COVID-19 (COE COVID-19), a atualização torna a página mais prática para o público, mantendo todos os dados epidemiológicos disponíveis, trazendo maior transparência nas informações relacionadas à vacinação e incluindo dados de testes diagnósticos da doença na capital. A visualização, antes dividida em abas, passa a ser exibida em uma única página, de modo mais intuitivo.

O superintendente de Vigilância em Saúde da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), Márcio Garcia, esclarece que todos os dados já contidos no painel serão mantidos: – As mudanças ocorrem em função principalmente da nova etapa da vacinação, sem excluir absolutamente nenhuma informação que existia anteriormente. Terá nova estrutura, novas informações e a ideia principal é dar mais ênfase à vacinação, já que estamos numa corrida para vacinarmos cada vez mais e assim mudar o cenário epidemiológico dessa doença na Cidade do Rio de Janeiro. Diminuímos os cliques, passando a trabalhar com a opção de rolagem para visualizar todas as informações. Os principais dados, indicadores e acompanhamento de metas de cobertura vacinal são apresentados.

Os dados da vacinação são agora mostrados com maior destaque e detalhamento, disponibilizando a cobertura vacinal da primeira e da segunda doses (D1 e D2) por cada faixa etária, além dos totais por público-alvo e áreas programáticas da cidade. Foram adicionadas ainda novas análises: o percentual da população total vacinada com a segunda dose e os percentuais da população-alvo com D1 e D2. Os principais números e taxas sobre a situação epidemiológica da doença no município foram detalhados entre os anos de 2020 e 2021, permitindo a comparação entre os dois períodos.

Pela primeira vez, estão disponíveis informações sobre a realização de testes diagnósticos para identificação da Covid-19 em habitantes da cidade, por meio de gráficos com números de testes realizados por semana epidemiológica segundo o tipo de exame e a positividade ao longo do tempo.

Desde a implementação do painel, em março de 2020, já foram realizados mais de 4 milhões e 630 mil acessos ao site, disponível ao público em coronavirus.rio/painel. O painel concentra as principais informações sobre a covid-19 no município diariamente atualizadas e de fácil acesso à população.

Belford Roxo, uma triste recordista

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Município onde desapareceram os meninos Lucas Matheus, Alexandre e Fernando Henrique há quase 5 meses, está entre as 6 cidades da Baixada Fluminense que apresentaram aumento no número de casos de desaparecimentos de jovens entre 0 e 17 anos

 

Por Fábio LeonFórum Grita Baixada, em 01/06/2021 às 11h10

Há mais de cinco meses, as famílias de três meninos da comunidade Castelar em Belford Roxo, Baixada Fluminense, estão sendo torturadas sistematicamente. A saúde mental dessas pessoas convive permanentemente com a saudade e a dor, ambas costuradas em seus corpos por uma gigantesca pergunta sem fim: onde eles estão? Os primos Lucas Matheus da Silva, 8 anos de idade e Alexandre da Silva, de 10, passaram na casa do amigo Fernando Henrique Soares, de 11, para jogarem bola em um campo de futebol ali nas proximidades de suas residências, enquanto o almoço ainda não estava pronto. Era 27 de dezembro de 2020 e, desde então, nunca mais foram vistos. Passaram a se tornar uma fria estatística que engorda um dos mais perversos problemas sociais da região. A Baixada Fluminense é um conjunto de territórios onde seres humanos somem em quantidade alarmante.  

Fórum Grita Baixada resolveu fazer uma investigação sobre os dados de pessoas desaparecidas, através de levantamentos sistematizados pelo Instituto de Segurança Pública (ISP) do Rio de Janeiro. A pesquisa se dividiu em duas partes. Uma delas é uma varredura mais geral, para se contabilizar os desaparecidos no Estado do Rio de Janeiro e nas cidades que compõem a Baixada Fluminense. A outra envolve especificamente uma das categorizações de faixa etária, de grupos vulneráveis entre 0 a 17 anos. Existe uma primeira, de 0 a 11 anos, mas preferimos nos debruçar na segunda opção de forma a ter conhecimento sobre os números que envolvem desaparecimentos entre a população jovem e não apenas a infanto-juvenil.  

Alguns esclarecimentos antes de prosseguirmos. A interpretação dos dados gerais sobre desaparecidos é baseada na série histórica disponibilizada e atualizada até o presente momento pelo Instituto de Segurança Pública. Portanto, há especial interesse entre março de 2020 e março de 2021, época do início e auge da pandemia do novo coronavírus, respectivamente, considerando as medidas de quarentena e isolamento social, embora esses tópicos não sejam indicadores na sistematização apresentada pelo ISP. Os dados referentes a grupos vulneráveis com faixa etária de 0 a 17 anos estão estacionados em 2020, pois, segundo informações do próprio ISP, apuradas pelo FGB, a atualização é feita anualmente. Dessa forma, está prevista para fins de maio a atualização dos dados referente ao ano passado. Assim como os dados gerais sobre desaparecidos estão congelados até o primeiro trimestre de 2021 em função do mesmo procedimento cronológico e considerado a data de fechamento dessa edição.  

Desaparecidos: um problema teórico-metodológico e de investigação por parte das autoridades       

Localizar o paradeiro de Lucas Matheus, Alexandre e Fernando Henrique é um desafio injusto, independente das falhas, da morosidade e até mesmo do racismo que possam surgir como justificativas das autoridades policiais em não se esmerar com mais afinco, objetivando elucidar uma investigação de desaparecimento de três crianças pobres, negras e periféricas. Uma das hipóteses, ainda sem muita sustentabilidade de defesa, é que o tráfico local poderia ter sido responsável pelos sumiços. Trabalhar nesses casos envolve uma grande complexidade. São corpos que simplesmente “somem” sem deixar vestígios ou testemunhas.

Quando elas, as testemunhas, se dispõem a colaborar com algum tipo de informação dessa natureza, muitas vezes essa iniciativa representa um risco, pois as circunstâncias dos desaparecimentos podem ser resultantes, dentre tantas variáveis, de uma ação das milícias. Oficializar a denúncia é adentrar, por exemplo, delegacias que funcionam em territórios dominados por milicianos, como bem explicou o sociólogo José Claudio Souza Alves, um estudioso dessa modalidade de poder paralelo há mais de 26 anos, nessa matéria onde, inclusive, questiona a veracidade dos dados coletados pelo Instituto de Segurança Pública 

A própria definição de desaparecidos, para alguns especialistas, carece de um aprofundamento semântico, pois a terminologia é considerada vaga e não contempla sua derivação mais complexa, os desaparecimentos forçados. É uma “disputa” teórico-metodológica e de categorização, como explica o também sociólogo Fabio Araujo, renomado pesquisador nesse campo, em entrevista para o site do Fórum Grita Baixada, em setembro de 2019.  Para ele, a palavra desaparecidos, assim categorizada pelo ISP, é uma nomenclatura meramente administrativa para nomear uma situação.

“Ela engloba várias situações, na verdade. Desde um desaparecido que sumiu de forma voluntária, que se perdeu, saiu de casa, etc. Hoje há um grande debate sobre isso. Existe uma linha de pesquisadores que propõe uma categorização que seria a de desaparecidos civis, cuja aparição se deu em um período pós ditadura civil militar, como uma forma de se diferenciar dos desaparecimentos políticos. Mas os desaparecimentos forçados são uma categoria que serviu para nomear, também, um tipo de violência ainda não completamente entendida que era o desaparecer com os corpos. Não que ainda fosse especificamente um homicídio, pois não havia a presença de um corpo e, portanto, não haveria a materialidade de um crime. Foi uma forma que se construiu na ditadura, e entre os movimentos contra a ditadura, para se poder falar sobre essa realidade”, diz Araujo na entrevista.

O que dizem os dados

Começaremos a análise com os números do Estado do Rio de Janeiro. Em março de 2019 foram registrados 407 casos de desaparecidos (ou desaparecimentos), uma projeção de 5% a menos em relação ao mesmo período do ano anterior (2018). Em março de 2020, no início da pandemia, portanto, foram registrados 272 casos, uma queda considerável de 33% ou 135 casos a menos em relação a março de 2019. Entretanto, em março desse ano, os números deram um salto de 21% chegando a 328 casos em relação ao mesmo período do ano anterior ou 56 casos a mais em comparação com março de 2020. No somatório geral, o Estado do Rio registrou 4.780 casos de desaparecimentos em 2018, seguido por 4.768, em 2019 e de 3.350 desaparecidos em 2020.

Desaparecimentos nas AISP`s da Baixada: Belford Roxo tem 57% de aumento nos casos em março de 2021.

Para auxiliar o planejamento e a coordenação operacional das organizações policiais, foi criado um modelo de integração geográfica de competências entre as polícias Civil e Militar, chamada AISP (Área Integrada de Segurança Pública). Dessa maneira, o contorno geográfico de uma AISP foi estabelecido a partir da área de atuação de um batalhão de Polícia Militar e das delegacias de polícia Civil.

Sobre os desaparecimentos registrados nas seis Áreas Integradas de Segurança Pública (AISP´s) que compõem a Baixada Fluminense, (é bom lembrar que esses dados são mais generalistas e se concentram apenas no somatório geral de casos), cinco tiveram aumento no número de casos de desaparecidos em comparação a março de 2020, período em que a pandemia de covid19 oficialmente chegou ao país. Apenas a 34ª. AISP, que compreende os municípios de Magé e Guapimirim teve um recuo no número de desaparecidos. Embora tenha totalizado 70 casos no ano de 2020 e o primeiro trimestre desse ano já apresente 30 registros de desaparecidos, há uma queda de 9% em relação a março do ano passado. É a AISP na Baixada que também concentra o menor registro do total de desaparecimentos compreendidos no quadriênio 2018-2021, embora apresente 291casos somados até março desse ano.    

Já a campeã de registros de desaparecimentos na Baixada é a 20ª. AISP, que compreende os municípios de Nova Iguaçu, Mesquita e Nilópolis, totalizando 1073 casos no triênio 2018-2020. Em março desse ano, houve um aumento de 19% em comparação ao número de casos no mesmo período do ano passado (79), mesmo havendo uma queda de 126 casos em 2020 (274 no total) em comparação com 2019, que registrou exatos 400 desaparecimentos nessa Área Integrada de Segurança. Porém no primeiro trimestre de 2021, essas cidades concentravam 79 casos de desaparecidos, sendo que março desse ano registrou um aumento de 19% em relação a março de 2020.

Em segundo lugar ficou a 15ª. AISP que compreende o centro de Duque de Caxias e seus outros 3 distritos (Campos Elíseos, Xerém e Imbariê) com 699 casos de desaparecimentos. Assim como ocorreu com a 20ª. AISP, em março de 2020 houve uma queda expressiva no número de registros (total de 277 em 2019 e 151 em 2020). Porém, apenas no primeiro trimestre de 2021, Duque de Caxias já apresentava 65 registros de desaparecidos, o que resultou em um aumento de 17% em relação a março do ano passado. Em 2018, a região teve 271 casos. Em 2019, 277. No ano passado, o município teve um recuo de 126 casos (151 no total), embora o triênio 2018-2020 obtenha a preocupante marca de 699 desaparecidos. Somente nos três primeiros meses de 2021, Duque de Caxias já possui 65 desaparecimentos. Sendo em que comparação com março do ano passado, os sumiços em março de 2021 tiveram um acréscimo de 17%.

A 39ª. AISP, que concentra a cidade de Belford Roxo, apresenta dados alarmantes em relação ao período 2018-2021. Dessa forma, o município registrou um total de 39 desaparecidos em 2018, 32, em 2019, 21 em 2020, (incluindo os meninos Lucas Matheus, Alexandre e Fernando Henrique), considerando somente os meses de janeiro a março desses anos. O ano de 2019 é o recordista de casos de desaparecimentos na cidade. Entretanto, março de 2021 já se consagra com um preocupante segundo lugar. Um aumento de 57% de casos em relação ao mesmo período de 2020. Nos três primeiros meses de 2021, já desapareceram 31 pessoas na cidade.

Desaparecimentos (grupos vulneráveis na faixa etária de 0 a 17 anos)

Conforme mencionado anteriormente, o ISP ainda está concluindo a sistematização e eventual atualização dessa categoria de casos de desaparecimentos ocorridos em 2020. Assim sendo, optamos por fazer um comparativo com os dados disponíveis referentes aos anos de 2018 e 2019 nas 13 cidades da Baixada Fluminense. Dentre elas, seis apresentaram acréscimo de casos no biênio 2018-2019.  

Belford Roxo: 85

Nova Iguaçu: 183

Seropédica: 9

Nilópolis: 28

Guapimirim: 21

Queimados: 46

Em 5 cidades, o número de negros e negras ultrapassou o quantitativo de desaparecimentos quando comparado com a etnia branca. Os anos em algumas cidades foram omitidos em função do recorde de vítimas pertencer a outra etnia não pertencente a nossos objetivos de análise. Ex: pessoas pardas.

Belford Roxo:

2018: 38 casos

14 vítimas negros e negras ou 36,8%

6 vítimas da cor branca ou 15,8%

2019: 47 casos

17 vítimas negros ou negras ou 36,2%

6 vítimas da cor branca ou 12,8%

Nova Iguaçu

2018 88 casos

18 vítimas negras e negros ou 20,5%

17 vítimas da cor branca ou 19,3%

2019 95 casos

24 vítimas negras ou negros ou 25,3%

14 vítimas da cor branca ou 14,7%

São João de Meriti

2018 49 casos

10 vítimas negras e negros ou 20,4%

9 vítimas da cor branca ou 18,4%

Nilópolis

2018: 15 casos

5 vítimas negros ou negras ou 38,5%

3 vítimas da cor branca ou 23,1%

Magé

2018: 22 casos

8 vítimas negros ou negras ou 27,6%

2 vítimas da cor branca ou 6,9%

2019: 29 casos

6 vítimas negras ou negros ou 27,3%

1 vítima da cor branca ou 4,5%

Para além da crueldade desses dados, o que se observa é que há uma quase inexistência, nos poderes públicos constituídos na Baixada Fluminense, de políticas que abordem de forma mais robusta e holística o problema dos desaparecidos ou desaparecimentos forçados. O governo do Rio de Janeiro anunciou, em 2019, a criação da Coordenadoria de Desaparecidos, cuja direção fica a cargo de Jovita Belford, cuja filha está desaparecida há quase 20 anos. No bojo dessa iniciativa, está a criação, dentre outras possibilidades, de mecanismos eletrônicos (aplicativos) para facilitar a denúncia e localização de paradeiro de pessoas nessa condição.

Entretanto, há alguma luz incidindo por toda essa penumbra. Poucas cidades da Baixada, excetuando-se algumas como São João de Meriti e Queimados, possuem secretarias de Direitos Humanos, pastas que, historicamente, são responsáveis por essas demandas. Muitas preferem ter uma secretaria de Assistência Social na folha de pagamento para evitar “politizações com viés ideológico”, seja lá o que isso signifique. Recentemente, a prefeitura de Japeri inaugurou o seu Núcleo de Atendimento para Familiares de Desaparecidos e Documentação (NAFADD). Além de prestar assistência a famílias que buscam parentes desaparecidos, o espaço vai auxiliar pessoas que necessitam de documentações básicas, como certidão de nascimento, RG e carteira de trabalho.

A face mais cruel do desaparecimento é que ele é mutante em suas motivações. Pode ser uma violência cometida por agentes de segurança do Estado, atribuída a poderes paralelos/grupos armados (milícias ou tráfico) ou resultado de fatores pessoais e subjetivos. O que torna a tomada de decisões sobre que caminhos seguir ainda mais difícil.

Pesca diminui e poluição aumenta

Pescadores lamentam a poluição e a escassez de peixe na Baía de Guanabara

Maré de Notícias #125 – junho de 2021

Hélio Euclides

Um pescador remando/ o mar rimando/ alguém admirando. O poema de Alonso Alvarez romantiza o dia a dia da profissão mas, apesar do amor e carinho com o mar, esses trabalhadores da Maré cada vez mais sofrem com a crescente poluição na Baía de Guanabara. Contudo, eles não desistem, superando ondas de dificuldades para levar o peixe para a mesa e o sustento para casa.

A preservação dos manguezais é primordial para a sobrevivência da atividade, já que esse ecossistema é considerado berçário para peixes, moluscos e crustáceos. O biólogo e mestre em ecologia Mario Moscatelli é o responsável pela recuperação dos manguezais do Canal do Fundão, do antigo Aterro Sanitário de Gramacho e das lagoas Rodrigo de Freitas e de Jacarepaguá. Ele ressalta a interconectividade entre o pescador e os peixes e crustáceos: o primeiro depende desses animais para sobreviver e estes, por sua vez, dependem do meio ambiente saudável para nascer. “Transformamos rios em valas de esgoto, baías e lagoas em latrinas e depósitos de lixo, manguezais em lixões. Com isso, reduzimos a biodiversidade, o que acarreta geralmente maior esforço de pesca de cada vez menos peixes”, destaca. 

Pescadores da subcolônia do Parque União com seus barcos atracados no cais, sem atividades, pela falta de pescado por causa da poluição na Baía de Guanabara – Foto: Matheus Affonso

O biólogo acredita que é preciso fiscalização para evitar que o lixo vá para as águas, contribuindo para o processo de extinção em massa da fauna marinha. “No caso do Canal do Fundão, passados quase dez anos do processo de recuperação e reflorestamento do mangue: onde havia apenas lama e detritos, hoje há uma frondosa floresta de manguezais cobrindo 130 mil metros quadrados – que, infelizmente por falta de manutenção estão com muito lixo”, conclui.

Sergio Ricardo é ambientalista e coordena o Movimento Baía Viva, uma iniciativa para preservar a Baía de Guanabara. Ele se preocupa com o ofício do pescador e o desânimo que pode atingir novas gerações que, na atual conjuntura, passam por situação de extrema pobreza. O declínio se dá por conta do número de peixes e caranguejos, cada vez mais escassos na região. 

Em fins dos anos 1970, o estado do Rio de Janeiro era o segundo maior produtor de pescado do Brasil, perdendo apenas para Santa Catarina. “Para voltar a esse tempo é preciso investimento público para cessar a degradação da baía. Hoje, falta uma política pública, uma escola de pesca e a renovação da frota. A Fundação Instituto de Pesca do Estado do Rio de Janeiro (Fiperj) não tem orçamento. Do outro lado, as prefeituras não têm uma política pesqueira”, diz Sergio. 

Uma luz ao fim do túnel é a Universidade do Mar, cujo principal objetivo é a capacitação dos pescadores. O primeiro curso vai não somente ensinar o profissional a pescar como educá-lo sobre seus direitos. “A Petrobras começou a pagar somente este ano indenização aos pescadores pelo vazamento que aconteceu em 2000. O grande problema é que muitos não têm um documento para provar que são pescadores”, diz. Ele defende que órgãos ambientais contratem os pescadores para ajudarem nos manguezais, fortalecendo assim a profissão.

Walmir Junior, coordenador de projetos da Associação de Marcílio Dias, denuncia a falta de implementação das políticas públicas socioambientais – Foto: Matheus Affonso

O amor pelo mar como superação

As águas da baía em torno da Maré poderiam trazer vantagens para os moradores. Walmir Junior, coordenador de projetos da Associação de Moradores de Marcílio Dias, diz que, com a despoluição, a orla poderia ser usada para a prática de esportes aquáticos: “Poderia ter kitesurf, natação, remo e stand-up paddle. O grande problema é que não há preocupação por parte dos governos para as questões socioambientais.” 

Outro problema para os cerca de cem pescadores de Marcílio Dias é o desabamento do cais; não há previsão para a sua reconstrução. “É um desânimo ver o cais no chão. Essa situação atrapalha o descarregamento dos peixes”, desabafa Francisco José, de 64 anos, desde os 11 trabalhando no mar. “No passado tinha mais peixe na baía. Agora, o que encontramos é chorume, que faz mal para gente. No passado, com dois dias no mar, se pegava em média 500 quilos de peixes; agora, são de 60 e cem quilos”, conta.

A falta de políticas públicas na área é unânime na classe. “Teria que ter um benefício específico para o pescador e empréstimos a juros baixos para reformar o barco. Tem pescador com barco quebrado e sem dinheiro para reformar, então vai atuar na reciclagem de garrafa para não morrer de fome”, lamenta José Samuel, de 45 anos, há três décadas vivendo da pesca e hoje integrante da subcolônia do Parque União, que reúne mais de 60 pescadores. Ele ressalta que o melhor da carreira é a solidariedade. 

No Estado, existem 28 colônias. Dessas, cinco estão na cidade do Rio. Na Praia de Ramos, na Maré, há a Colônia Z-11, onde a maioria dos pescadores marrenses é filiada. João Carlos, hoje com 64 anos, tem 55 de profissão: “A pesca é herança dos nossos avós e pais. Enquanto há vida, há esperança. Desejo voltar ao tempo que pescava piraúna e camarão. Já cheguei a pegar 17 quilos de pescada amarela, uma preciosidade.” Ele conta que a colônia auxilia o pescador em situações difíceis, como pedido de socorro no mar, sepultamento e doenças, e ressalta os conflitos com a Marinha. “Pescar na baía é um perigo, pois somos proibidos de chegar perto dos navios ou da Ilha de Boqueirão; acabamos levando tiro. Já fui alvejado por tiros de borracha, dois pegaram e deixaram as marcas. É triste ser trabalhador e ser tratado assim”, desabafa.

Mas tem pescador que navega em outros mares: é o caso de Daniel Regis, que nas horas vagas se transforma em ator (https://www.youtube.com/watch?v=WSW0zVLj6XU). Além de trazer vida ao personagem Joinha Dupla, ele tem uma barraca no Piscinão, onde vende gelo na colônia para complementar a renda. “Se depender do governo, morremos de fome. Nós nos ajudamos, quando chegamos da pescaria, doamos parte da carga para os moradores, catadores e outros pescadores que precisam, é algo gratificante”, conta. 

O apoio ao pescador

A Fundação Instituto de Pesca do Rio de Janeiro (Fiperj) negou em nota que esteja enfraquecida e informou que “realiza junto aos pescadores serviços de orientação, articulação, acompanhamento, organização e discussão com as comunidades tradicionais e órgãos públicos, de forma a contribuir para o desenvolvimento sustentável da pesca e aquicultura. Assim como incentiva formas de comercialização e beneficiamento do pescado, que resultam em alternativas de diversificação e agregação de valor aos produtos do pescado estimulando a geração de renda e emprego.”

A Marinha do Brasil, por intermédio do Comando do 1º Distrito Naval, informou em nota manter contato estreito com as colônias de pescadores. Além disso, disse que “no último dia 29 de abril foi realizada ação junto aos pescadores da Vila dos Pinheiros a fim de orientar proprietários e regularizar suas embarcações”. Segundo a força militar, nas atividades de inspeção naval na Baía de Guanabara orienta e instrui os pescadores sobre áreas nas quais a pesca não é permitida em proveito da segurança: a menos de 200 metros de áreas militares e da faixa de praia; na área do porto organizado; nas áreas dos aeroportos, e a menos de 500 metros dos terminais de combustível e gás.O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento não respondeu ao Maré de Notícias até o fechamento da edição. O espaço permanece aberto para comentários do órgão.

José Samuel, há três décadas vivendo da pesca e hoje integrante da subcolônia do Parque União – Foto: Matheus Affonso