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Os assassinatos de Marielle Franco e Anderson Gomes

Por: Diretoria da Redes da Maré

Há exatamente um ano a vereadora Marielle Franco e o seu motorista Anderson Gomes foram brutamente assassinados. O crime ocorreu depois dela ter participado de um encontro com mulheres negras onde havia reafirmado seu compromisso com a defesa dos direitos humanos e de uma sociedade mais justa. Esse crime covarde, foi também um gravíssimo atentado contra a democracia brasileira porque tentou calar uma voz que esteve sempre ao lado dos mais pobres, das minorias e dos injustiçados.

 Marielle imprimiu, com sua força e energia, uma pauta voltada para combater as práticas que estruturam a sociedade desigual em que vivemos: o racismo, a homofobia, o machismo e a violência do Estado contra os pobres e favelados. Certamente, a defesa de uma sociedade mais justa, onde as pessoas pudessem ser respeitadas e viver melhor, incomodou a muitos grupos que defendem exatamente o oposto, ou seja, a manutenção das desigualdades sociais e dos privilégios, garantidos a partir da violência ou da exploração socioeconômica dos mais pobres. Não há dúvidas de que ao contrariar esses grupos, defensores de direitos humanos viram um alvo, como foi o caso de Marielle.

Os autores e mandantes dos assassinatos de Marielle e Anderson precisam ser encontrados, julgados e presos. Esse crime não pode ficar impune. A justiça precisa ser feita em nome da família, dos amigos e da própria democracia brasileira. Quem conheceu Marielle Franco lembrará sempre de seu inconfundível sorriso largo e de sua alegria contagiante, mesmo nos momentos mais difíceis. Lembrará ainda da mulher que defendia enfaticamente as ideias em que acreditava, mas sempre com respeito por quem pensava diferente.

Por isso, neste 14 de março de 2019, nós da Redes da Maré, que através do nosso eixo de trabalho “Segurança e Acesso à Justiça”, acompanhamos casos de violação de direitos na Favela da Maré, nos solidarizamos com as famílias de Marielle Franco e Anderson Gomes e nos unimos ao país na exigência por uma solução definitiva para o crime.  

Justiça para Marielle e Anderson!

Inscrições abertas para o curso de Drywall

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Inscrições abertas para o curso de Drywall, parceria da RedesdaMaré com Knauf e Ireso e. V. O Curso de Drywall tem como objetivo oferecer aos jovens da Maré qualificação técnica na área da construção civil para ampliação de oportunidades profissionais.

Cronograma e informações:

– Jovens de 18 a 30 anos (homens e mulheres)

– Disponibilidade para aulas presenciais de segunda a sexta de 13h às 17h. 

– Inscrições online: do 13 ao dia 22 de março;

– Seleção: após as inscrições online, agende a sua entrevista ligando ou se encaminhando à secretaria da Redes da Maré – Rua Sargento Silva Nunes, nº 1012 – Nova Holanda. As entrevistas acontecerão dias 26, 27 e 28 de março.

– Resultado: será divulgada a lista de selecionados no dia 29 de março aqui no site do Maré Online, no Facebook @redesdamare e no prédio central da Redes.

– Duração do Curso: 5 meses

– Início: 1º de abril  

Inscrições online pelo link: http://enketo.ona.io/x/#5WRgE7gl

Violência naturalizada

Negligência, maus-tratos e humilhação na hora do parto é violência obstétrica – mais uma das muitas violações sofridas pelas mulheres.

Maré de Notícias #98 – março de 2019

Por: Camille Ramos

“Meu parto foi anormal”, essa é a resposta que a comerciante Náthali Campos de Souza dá, quando perguntada sobre a forma pela qual seu primeiro filho, Kauã, nasceu. Forçada a um trabalho de parto “anormal”, por permanecer sem passagem, mesmo horas depois de sua bolsa ter estourado, Náthali fala do episódio – traumático – como se tivesse acontecido no dia anterior e, não, há 15 anos. Infelizmente, casos como os de Náthali são mais comuns do que se imagina e caracterizados como violência obstétrica – mais um abuso e violação, entre os muitos já sofridos pelas mulheres.

 Divulgada pela Fundação Perseu Abramo, em 2010, a pesquisa “Mulheres brasileiras e Gênero nos espaços público e privado” mostrou que uma em cada quatro mulheres sofre algum tipo de violência durante o parto. Mais comum de se ver do que deveria, a violência obstétrica pode ser considerada como qualquer intervenção física ou psicológica cometida por hospitais, médicos e/ou suas equipes, que interferem no processo natural do trabalho de parto, enfraquecendo ou anulando a autonomia da mulher em decidir sobre seu corpo e sua sexualidade.         

Vítimas são negras, adolescentes, solteiras e/ou pobres

O maior número de casos acontece entre mulheres solteiras, adolescentes, de baixo poder aquisitivo e, principalmente, negras, segundo um documento da Organização Mundial da Saúde (OMS). Esse era o caso de Aline Montanheiro, quando, no parto de seu filho Miguel, recebeu 11 pontos, após um corte justificado como uma “ajuda” para o bebê nascer. “Não tinha passagem pro meu filho sair. O médico disse pra eu fazer força que ele ia me ajudar, empurrou a minha barriga e fez o corte. Miguel nasceu com a cabeça amassadinha, mas, graças a Deus, depois ficou normal”, relembra Aline.

Chamado Episiotomia, o corte feito na região do períneo (conjunto de músculos que ficam entre a vagina e o ânus) para “facilitar” a saída do bebê, já foi um procedimento de rotina, mas atualmente é contraindicado pela OMS.

Do público ao privado e em todas as fases de uma gestação

Os abusos a grávidas não acontecem, apenas, em hospitais públicos. A mesma pesquisa da Fundação Perseu Abramo indica que 17% das mulheres atendidas no setor privado afirmam ter sofrido violência. Na rede pública, a taxa é de 27%. Isso porque, segundo a psicóloga Miria Benincasa, que dá aulas e tem trabalhos na área da Psicologia Obstétrica, as pesquisas mostram, apenas, as mulheres que sabem que foram abusadas, mas não inclui aquelas que não têm dimensão da violência sofrida. Além disso, muitas mulheres têm dificuldade de denunciar os abusos, legalmente. Segundo a psicóloga Miria, a fragilidade da mulher é agravada por uma condição histórica. “Toda violência contra a mulher tem características machistas e está dentro do grupo de violência de gênero. O papel da mulher na sociedade é historicamente inferior, então, a violência obstétrica é reflexo do machismo estrutural. Denunciar abusos num hospital não é, apenas, denunciar um universo masculino, é também denunciar médico, e essas são duas categorias muito poderosas neste País”, observa a psicóloga.

Falta de legislação

No Brasil, não há uma legislação específica para tratar casos de violência obstétrica, o que torna ainda mais árdua a ação de denunciar os abusos sofridos. De acordo com a advogada Roberta Eugênio, que atua na Casa das Mulheres da Maré, há dificuldades em se enquadrar esse tipo de violência em uma legislação específica. “A legislação é vaga. Temos normas que nos protegem quanto ao erro médico, ao hospital e ao Estado, mas ainda é uma dificuldade entender e enquadrar a violação que pode ser física e também psicológica”, explica.

 Sendo assim, o melhor em todos os aspectos é se prevenir. Tanto Roberta quanto Miria afirmam que a forma mais eficiente para diminuir o risco de sofrer abusos é buscar uma rede de conhecimento e apoio ao parto, com grupos de mulheres, doulas e afins. Num País onde 90% das mortes no parto poderiam ter sido evitadas, é um atraso assustador, sem dúvida, não ter uma legislação para prevenir e punir casos de violência obstétrica.

Mais que a dor do parto…

“Lembro que uma enfermeira “trepou” em cima de mim com os dois cotovelos, empurrando minha barriga pra baixo e, mesmo assim, o bebê não desceu. Depois disso, veio o corte, sem autorização. Eu perdi muito sangue. Depois puxaram meu filho por um ferro e ele nasceu roxo, com a cabeça deformada e muito inchada. Até hoje ele tem uma cicatriz”. Náthali Campos de Souza, comerciante.


“Foi a pior experiência que já tive. Dei entrada no hospital com muita dor e sangrando bastante [ela teve um aborto espontâneo]. Enquanto esperava o médico que me acompanhava, fui atendida por outro. Este estava com um celular na mão, assistindo a vídeos e permaneceu assistindo durante minhas perguntas. Quando o questionei sobre o que poderia ser feito no momento, ele me respondeu que ‘estava esperando o material descer’, e completou: ‘mas se você quiser sentir dor, ok’, demonstrando imensa falta de empatia”. Isabel Rocha, jornalista.


“Escolhi uma casa de parto e tive meu acompanhamento por lá, todo humanizado. Quando fui ter minha filha, eles utilizaram linguagens técnicas para eu não saber o real estado dela. Pedi pra ser transferida do hospital e, lá, sofri um toque doloroso, ouvi piadas racistas e me conduziram para a cesariana. Depois, não me deixaram pegar minha filha no pós-operatório, porque disseram que eu estava anestesiada, mesmo eu avisando que já sentia minhas pernas. E, por fim, quando fui conduzida ao quarto, tive de pedir para levarem minha filha junto e ainda ouvi reclamações, como se não fosse um direito meu tê-la junto a mim, o tempo todo”. Mariane Duarte, cientista social.

Você sabia?

  • Que abusos durante um caso de aborto, assim como todas as outras fases da gestação (pré-natal, parto e pós-parto) são considerados como violência obstétrica?
  • Que a Lei nº 11.108, de 2005, garante às parturientes o direito à presença de um acompanhante durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, no Sistema Único de Saúde (SUS)?

Muito pouco a comemorar

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A boa notícia é que as mulheres não estão mais sozinhas; há órgãos, ONGs e serviços para ajudá-las.

Maré de Notícias #98 – março de 2019

Por: Arthur Viana, Maykon Sardinha e Shyrlei Rosendo (pesquisadores do Projeto Somos da Maré. Temos Direitos! – Eixo de Segurança Pública e Acesso à Justiça da Redes da Maré).

Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), entre 193 países no mundo, o Brasil é o 5º País mais perigoso para as mulheres. De acordo com o “Dossiê Mulher”, elaborado pelo Instituto de Segurança Pública (ISP), em 2018, uma mulher foi morta, por dia, vítima de homicídio doloso no Rio de Janeiro. Homicídio doloso é aquele em que existe a real intenção de matar, ou seja, último estágio de uma série de violências que, geralmente, antecedem ao assassinato. Dados do “12º Anuário Brasileiro de Segurança Pública” mostram que, em 2017, foram registrados 221.238 casos de lesão corporal dolosa, enquadrados na Lei Maria da Penha, o que representa uma média de 606 casos por dia, ou seja, uma mulher registra uma agressão com base na Lei Maria da Penha a cada 2 minutos. Quando a violência contra a mulher é a pauta, são muitos os dados que assustam. Vamos apresentar, então, o que podemos fazer para nos fortalecer e melhorar esse cenário.

Muitas mulheres no mundo sofrem ou já sofreram algum tipo de violência e, na Maré, não é diferente. As dinâmicas de violência podem mudar, mas sempre giram em torno da sensação de poder que a pessoa que pratica a violência acredita que tem sobre a mulher. A desigualdade historicamente construída entre homens e mulheres também fortalece esse processo.

É comum, nesses casos, o controle e a limitação da rotina da vítima, que podem incluir assédio e diversas outras pequenas atitudes que passam despercebidas, mas devem ser observadas e, se necessário, banidas ou, até mesmo, denunciadas. Alguns exemplos são: controle do uso do celular, dos amigos ou de pessoas com quem se têm amizade na internet; invasão de privacidade no celular; censura de fotos publicadas na internet; controle sobre publicações nas redes sociais; exigência quanto à informação da sua localização; exigência de compartilhamento de fotos íntimas; exigência da passagem de senhas pessoais; exigência de que mostre suas conversas com outras pessoas; cobrança no imediatismo de resposta on-line, entre outras. Fique atenta!

Violência contra as mulheres na Maré

Historicamente, as mulheres da Maré protagonizaram algumas das principais lutas que levaram a mudanças que, hoje, já foram alcançadas por aqui, como, na década de 1980, a conquista da água encanada e a garantia do direito a creches e escolas. São mulheres fortes, mas que têm suas especificidades em lutas como a violência contra a mulher.

Em uma pesquisa realizada com 800 mulheres que residem na Maré, 28,8% relataram terem sido vítimas de algum dos tipos de violência. Esta pesquisa resultou na publicação “Dores que libertam”, que traz depoimentos de mulheres das favelas da Maré sobre violências.

As mulheres têm direitos

O Projeto Somos da Maré, Temos Direitos! (Eixo Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça da Redes da Maré), busca mobilizar as moradoras e moradores do Complexo da Maré para atuarem na garantia e no cumprimento dos seus direitos, tendo o direito à segurança pública como o pilar das abordagens. Diversas atividades são organizadas para que essa discussão se torne parte da rotina das moradoras e moradores e possam, enfim, desmistificar a narrativa hegemônica de que a favela é um espaço onde os direitos podem ser suspensos. Essas narrativas alimentam um imaginário coletivo de que as favelas são territórios violentos e que o Estado não pode atuar, inclusive, na garantia dos direitos das mulheres.

Ao longo dos anos, a equipe do Projeto percebeu que é preciso ampliar o entendimento do que é o direito à segurança pública, apontando que o tema não se restringe, apenas, à repressão da venda ilegal de drogas ilícitas nos territórios das favelas pelas forças policiais, e que a violência contra as mulheres não está fora do escopo da segurança pública. A fim de construir uma nova narrativa sobre a favela, o Projeto também deu início a uma campanha de conscientização sobre a violência contra a mulher, por meio das Barracas de Gênero.

As Barracas de Gênero são espaços itinerantes de discussão sobre a violência contra a mulher. Nelas, são distribuídos informativos sobre os tipos de violência e dados que falam das agressões nas escalas nacional, estadual e local (da realidade da Maré). O informativo busca conscientizar e fornecer subsídios às mulheres que estejam passando por alguma situação de violência.  A Casa das Mulheres, espaço destinado a melhorar as condições de vida das mulheres com atividades que estimulam a geração de renda, a reflexão sobre a condição de ser mulher e o acesso a direitos, é uma importante parceira das Barracas. Edileia Barros, moradora da Vila do João, acha importante a discussão sobre violência contra a mulher. Segundo ela, “algumas pessoas sofrem por não saberem dos seus direitos, ou por medo de se manifestarem”. Para Edileia, o informativo distribuído nas Barracas é interessante à medida que oferece ferramentas de resolução desses problemas que afligem muitas mulheres.

As próximas Barracas de Gênero serão realizadas no dia 14 de março, na Vila dos Pinheiros, às 16h, em frente à Associação de Moradores; e no dia 15, também às 16h, na Feirinha do Parque União.

Um ano sem Marielle

No mês em que completa um ano de sua morte e a de seu motorista, Anderson Gomes, a luta de Marielle continua ainda mais viva.

Maré de Notícias #98 – março de 2019

Por: Camille Ramos

Imponência, força, resistência, empoderamento. Com quantas palavras se pode apresentar Marielle? No Mês da Mulher, quando completa um ano daquele 14 março em que o chão fugiu de nossos pés, sua voz permanece nutrindo a luta, dia após dia, fortalecendo os invisibilizados pela sociedade. Uma figura feminina que ressignifica, para muitos, o que é ser mulher, negra, lésbica e cria de favela, cria da Maré. Mas o que fez Marielle ser Marielle? O que faz a sociedade cobrar, sem cansar, a elucidação do caso que ainda paira sobre nós, cheio de rumores e nenhuma resposta concreta? Qual é o legado mais poderoso de Marielle? Ouso dizer: política com afeto.

O diálogo proposto por Marielle ultrapassou as vielas da Maré, onde cresceu e aprendeu a lutar por sua existência que, aqui, explicou: era coletiva. “Eu sou porque nós somos”, o lema africano Ubuntu embalou toda a trajetória política de uma parlamentar que não nasceu na Câmara, mas nas ruas, resistindo. Marielle falava com propriedade sobre o papel de mulher negra, periférica, mãe solteira, e utilizava da empatia para elevar o discurso sobre a urgência de uma sociedade menos desigual. Por pautar grupos minorizados com afeto e conhecimento de causa, conquistou a confiança de 46.502 pessoas e nos representou até o seu último dia, quando, covardemente, tentaram impedir que sua voz ganhasse mais espaço. Mas seus algozes perderam. Marielle virou semente e segue presente em qualquer espaço que houver política com afeto, em defesa da garantia de direitos humanos.

2018: um ano para não se esquecer

O ano de 2018 começou com essa tentativa de nos calar. Mas ao contrário do que parecia se pretender, a representatividade feminina aumentou. Na Câmara dos Deputados, por exemplo, foram eleitas 77 mulheres – 50% a mais que na última eleição – entre elas, 13 negras e, pela primeira vez, uma trans e uma indígena.

No Rio, foram eleitas três assessoras de Marielle: Renata Souza, Mônica Francisco e Dani Monteiro, todas deputadas estaduais; e Talíria Petrone, amiga de luta de Marielle, que foi representar nosso estado em Brasília. Todas negras. Esse é um recado claro de que não seremos interrompidas. Marielle sempre estará presente!

Marielle e seu legado

Perguntamos a pessoas que conheceram de perto a luta e a trajetória de Marielle sobre a herança, o legado deixado por ela – uma vereadora em seu primeiro mandato, negra, LGBT e favelada. Confira.

 “Primeiro de tudo é preciso não esquecer que o corpo da Mari foi assassinado, mas que a luta que ela representava está mais viva que nunca. Não existe lado bom ou possibilidade de olhar com um olhar positivo esse crime político, é importante dizer isso. Queríamos a Marielle viva aqui com a gente, mas a execução despertou em nós um senso de urgência. Tantas mulheres vieram antes de nós e viveram em luta… Corpos de mulheres negras não escolhem lutar, precisam estar em luta para sobreviver. Sem dúvida, não daremos um passo atrás, e é com toda essa ancestralidade, das que vieram antes de nós, que vamos seguir”.  Talíria Petrone, deputada federal.

“Marielle nos deixa muitas marcas, mas uma das mais importantes, sem dúvida, é de sua defesa pela vida, que é reconhecida mundialmente. Com a sua morte, podemos aplicar aquela frase que fazia parte da luta das mães de vítimas produzidas pelo estado: “Do luto à luta”. Então, a luta da Marielle não é apenas por ela, mas pela morte de uma mulher negra que mostrou o quanto nós estamos ligadas, porque sua execução produziu um sentimento físico, palpável, em todas as mulheres, especificamente, e de modo muito singular, em mulheres negras. Isso produziu uma indignação ancestral e o desejo de luta que é presente no discurso da mãe do Marcos Vinicius, por exemplo: o quanto essa força de luta vai ajudar na manutenção da sanidade de alguém que perde seu ente de forma tão violenta”. Mônica Francisco, pastora e deputada estadual.

“Quando a Mari entra num espaço de poder que normalmente não vemos mulheres, negros e LGBTs, acaba impactando a vida de pessoas que têm as mesmas características que ela. Isso mostra que quando trabalhamos coletivamente, chegamos a lugares para ter visibilidade e também para fazer a diferença. As periferias do Brasil viram na Marielle uma figura que poderia dar luz aos dilemas cotidianos. Virar candidata nesse momento de muita dor e perda foi difícil, mas foi uma decisão pautada no trabalho que eu já vinha fazendo durante nossa história. A eleição foi uma resposta social para dar também continuidade ao trabalho da Marielle. Transformar o luto em luta é muito feito pela favela, quando perdemos nossos entendes queridos pelas mãos do Estado, seja na fila do hospital ou em operações que vitimam as pessoas. Transformar o luto em luta é o nosso cotidiano”. Renata Souza, deputada federal. “Marielle virou um símbolo de luta, resistência. Ela extrapolou a territorialidade e vai para o mundo inteiro como exemplo de liderança. É, sem dúvida, um exemplo muito forte de uma figura que nunca se afastou da origem popular, da Maré, e se estivesse viva continuaria uma trajetória no sentido de transcender cada vez mais”. Edson Diniz, diretor da Redes da Maré e ex-professor de Marielle.

Em busca da cidadania negada

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Movimento de moradores, ONGs e associações de moradores se unem e fazem história ao ganharem uma Ação Civil Pública (ACP)

Maré de Notícias #98 – março de 2019

Por: Camille Ramos

A Maré inaugurou, no Rio de Janeiro, uma Ação Civil coletiva (Leia boxe O que é ACP?) na qual o governo do Estado precisa seguir um plano de segurança contra a violação de direitos humanos durante intervenções policiais dentro da comunidade. A medida, implementada em 2017, por enquanto, só estabelece limites aqui na Maré, mas é uma espécie de “projeto-piloto” que pode se estender para outras favelas. Foi a primeira vez que o Poder Judiciário exigiu que o Governo Estadual siga um plano de segurança específico para um local da cidade, com a criação de uma medida de redução de riscos e danos.

Um dia de terror

O ano de 2016 foi marcado por inúmeras operações policiais que mantinham um padrão de violação de direitos dentro da Maré, como troca de tiros durante a noite e em locais próximos a escolas. No dia 29 de junho daquele mesmo ano, aconteceu uma operação do Bope (Batalhão de Operações Especiais) e do Choque (Unidade da polícia especializada em controlar e dispersar multidões) nas favelas da Nova Holanda, Rubens Vaz, Parque Maré e Parque União, que deixou milhares de pessoas presas em instituições, comércio e casas. A Redes, por exemplo, abrigou um grupo de 200 crianças que estava realizando atividades na tarde daquela quarta-feira.

Após horas incessantes de tiroteio, um movimento de moradores, ONGs e presidentes de associações se uniu para denunciar a intervenção violenta que acontecia na comunidade durante o Plantão Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), no Centro da cidade. O grupo conseguiu, na Defensoria Pública, uma liminar judicial inédita, que determinou o fim imediato da operação e proibiu a realização de novas intervenções policiais no turno da noite. Após a liminar, a Defensoria moveu uma ação mais ampla, reunindo denúncias individuais de moradores e relatórios produzidos pela Redes da Maré, ONGs e ativistas do território, que resultou numa peça de 800 páginas apontando um padrão de conduta das polícias para que os direitos humanos não fossem mais violados dentro do território favelado.

Esse documento gerou a Ação que definiu procedimentos específicos para a atuação de policiais dentro da Maré e exigiu da Secretaria de Segurança do Estado, em até 180 dias, um plano de redução de riscos e danos em intervenções policiais. A ACP estabelece, entre outras, a presença obrigatória de ambulâncias durante as operações policiais nas 16 favelas do complexo e a implementação de equipamentos de vídeo, áudio e GPS em todas as viaturas das Polícias Civil e Militar do Estado.

Para Eliana Sousa Silva, fundadora da Redes da Maré, o processo de mobilização coletiva caracteriza a comunidade nos últimos anos. “Eu percebo que existe, aqui, uma perspectiva da busca de direitos muito forte, mas desde o princípio as lutas abordavam garantias a direitos básicos como água, luz e saneamento. Esse enfrentamento da violação de direito à segurança é algo que vem acontecendo nos últimos tempos dentro do território e a Redes, junto com outras instituições, vem pautando que a segurança também é um direito do morador de favela. E a aderência da comunidade favorece esse processo, sendo fundamental para conseguirmos efetivar, na Maré, o direito à segurança pública”, analisa.  

“Garantimos a lei, mas agora precisamos cobrar o cumprimento dela”

Desde a implementação da ACP, a cada entrada da polícia, a Redes da Maré organiza um relatório com dados sobre a operação e envia para a Defensoria e o Ministério Público (MP). Uma das responsáveis pela elaboração do documento é a coordenadora do Eixo de Segurança Pública da Redes, Lidiane Malanquini. Ela ressalta a importância da participação dos moradores para pressionar o cumprimento da ACP. “Apontar padrões de violações de direitos por meio de relatórios é mostrar que os casos não são uma exceção e, sim, um padrão de conduta. Reunir denúncias e provas de moradores pressiona o Estado a atuar com mais cuidado no nosso território”, afirma Lidiane.

A última pauta enviada ao MP foi sobre a proibição do uso de helicóptero como plataforma de tiro. O “caveirão voador”, como é conhecido pelos moradores, dispara tiros de cima para baixo. Até o fechamento desta Edição tínhamos a informação de que isso aconteceu, pelo menos, cinco vezes dentro da Maré. O processo foi rejeitado em primeira instância e encontra-se parado atualmente, aguardando o resultado do recurso de segunda instância, impetrado pela Defensoria Pública.

De acordo com o 3º Boletim de Segurança Pública da Maré,(referente a 2018, lançado em 21 de fevereiro e sua versão reduzida segue junto com esta Edição do Maré de Notícias), algumas medidas da ACP não estão sendo cumpridas. Este é o caso da operação que virou a madrugada no dia 6 de novembro, a falta de ambulância em algumas operações, tiroteios próximos a escolas e o monitoramento da frota policial. Para garantir o cumprimento das ações estabelecidas, Eliana Sousa reforça a importância de manter o acompanhamento das operações para denunciar as irregularidades cometidas. “A ação não se efetivou da maneira como foi conquistada, mas trouxe algumas preocupações para alguns agentes do Estado de como atuar ali. Temos usado a medida politicamente, para chamar a atenção para algo que foi uma conquista no campo jurídico, mas ainda precisamos fazer isso de forma efetiva. A conquista da ACP foi um ganho expressivo, mas no nosso País, ter a lei não é garantia do cumprimento dela, então a gente segue monitorando e cobrando”. Mas certamente um passo muito importante foi dado com a conquista da ACP, principalmente no sentido de estabelecer, no território, uma conquista coletiva que está no início do processo”, diz.

Para Eliana, a população da Maré deve se envolver com a causa. “Vejo a ACP como um ganho, mas também como uma medida que precisa ser pensada e efetivada. Precisamos continuar mobilizando a população e as organizações para chamar a atenção para o que não foi cumprido. Temos, então, um papel de longo prazo para continuar pensando que outras incidências políticas faremos nesse campo”, finaliza.

O que é ACP?

 A Ação Civil Pública é um instrumento jurídico que representa um direito coletivo e parte da mobilização de milhares ou milhões de pessoas que têm problemas parecidos e que necessitam assegurar direitos previstos na nossa Constituição. Então, em vez de cada cidadão abrir um processo administrativo individualmente, são colhidas informações e provas que denunciam um padrão de violação e que resultam em medidas obrigatórias que precisam ser seguidas para a garantia do bem comum. A ACP busca reprimir ou prevenir, entre outras coisas, danos ao meio ambiente, ao consumidor, ao patrimônio público, aos bens e direitos de valor artístico, à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos e religiosos, podendo condenar em multa ou obrigando a cumprir determinados tipos de ações. No caso da Maré, a ACP veio para garantir a não violação dos direitos dos moradores e do território. 

A ACP da Maré estabeleceu que:

• a Secretaria de Segurança do Estado definisse um plano de redução de danos para o enfrentamento das violações de direitos humanos na Maré;

• fossem instaladas câmeras de vídeo e de áudio e implantando o sistema de localização por satélite (GPS) nas viaturas;

• uma ambulância fique de plantão na Maré nos dias de operação;

• mandados de busca e apreensão só devam ser cumpridos no período diurno;

• fosse feita fiscalização da atuação dos policiais durante as operações, em tempo real, por meio do monitoramento das câmeras nas viaturas.

Você pode denunciar abusos policiais por meio do Maré de Direitos, na Redes da Maré, ou pelo nosso WhatsApp (21) 99924-6462.