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Meio ambiente é coisa de rico?

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Foto: Douglas Lopes

Maré de Notícias #87 – abril de 2018

Única área verde do Conjunto, o Parque Ecológico da Maré sofre com descaso

Maria Morganti

O cenário é desanimador no Parque Ecológico da Maré, conhecido também como Parque Ecológico do Pinheiro:lixo, grades que nunca foram trocadas, além de aparelhos de recreação deteriorados. Única área verde do Conjunto de 16 favelas, o Parque tem 50 mil m2.  O anfiteatro está totalmente danificado, na área de lazer os brinquedos estão enferrujados. As duas quadras esportivas são mantidas pelos próprios moradores. E a horta, que faz parte do projeto Horta Carioca, que entrega parte da colheita para as escolas e creches municipais próximas, sofre com falta de água há cerca de 4 anos.

Descaso na Limpeza     

Segundo a presidente da Associação de Moradores do Parque, Cláudia Santana, a última limpeza realizada no local pela Comlurb foi feita em agosto de 2017. No dia em que a equipe de reportagem do Maré de Notícias foi até o local, a Companhia estava aparando o mato. “O último mutirão foi no dia 5 de agosto de 2017. Em novembro de 2017, eu comecei a pedir à Comlurb uma nova limpeza. Eles mandaram dois funcionários, que só cortaram os matos nos arredores da sede da Associação de Moradores, e foram embora”,relata Cláudia.

Cláudia conta que à época da ocupação do Exército na Maré, em 2014, os caveirões destruíram parte das enconstas do Parque: “o Comandante chamou a gente dizendo que ia reformar o Parque e, realmente, teve replantio; a Fundação Parques e Jardins doou mudas,  a empresa LAMSA doou brinquedos. Mas a subida quem refez foram os próprios soldados, na primeira chuva a terra cedeu. Uma maquiagem mal-feita”. Quando chove, desce aquela terra toda, fica um lamaceiro na rua, que entope os ralos pluviais. Muitos mototaxistas, senhoras, pessoas de idade caem. Essa é nossa prioridade hoje”.

Mais luz, por favor

A principal demanda é a iluminação do Parque, que fica aberto 24 horas.  “A Prefeitura falou que era uma verba muito alta para revitalizar o Parque, colocar gradeamento e iluminação. Quer dizer, eles investem lá fora, mas dentro das comunidades não tem como investir. Primeiro eles cuidam lá fora, o último é a comunidade”.

O Parque Ecológico da Maré não é o único a sofrer com a falta de cuidado do poder público. Segundo o geógrafo da UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Eric Ferreira da Guia, os moradores de favela são os mais prejudicados com esse descaso. “Mais de 40% da população da cidade e metade das que vivem em favelas, convivem com a pior qualidade do ar e dos rios, com mais indústrias poluidoras e menos áreas verdes”.

Serra da Misericórdia

A Serra da Misericórdia é o último fragmento de Mata Atlântica da Zona Norte. Com 43,9 Km2, é um símbolo  do poder público com a questão ambiental quando se trata de áreas periféricas da cidade. Cortando 27 bairros, como Inhaúma, Encantado e Vila Kosmos, e favelas como os Complexos do Alemão e da Penha, o maciço rochoso poderia ser um oásis, mas não é.

A ONG Verdejar Socioambiental [www.verdejar.org] atua na área desde 2009, realizando inúmeras iniciativas como replantios e caminhadas ecológicas, para proteger o espaço dos danos causados pelas pedreiras, principais ameças à Serra.

Com o objetivo de mapear projetos em favelas voltados para a sustentabilidade, a ONG ComCat – Comunidades Catalisadoras [www.comcat.org] lançou, em dezembro do ano passado, o Mapa Rede Favela Sustentável, que reúne iniciativas e propostas comunitárias da Região Metropolitana do Rio, e continua aberto para a inclusão de novos projetos. O Mapa será atualizado anualmente, como afirmou Roseli Franco, diretora institucional da ComCat.

A alternativa pela Baía

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Maré de Notícias #87 – abril de 2018

Com o trajeto de barco menos carros, menos poluição e mais acesso ao Fundão

Hélio Euclides

Nos dias de hoje, o simples ato de sair de casa já nos causa desânimo. Os congestionamentos são os principais responsáveis por fazer o carioca perder tempo. Buscando uma alternativa para o caos no trânsito, a Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (FIRJAN) realizou um estudo que mostra as barcas como o meio de transporte ideal para desafogar as vias da Região Metropolitana. O estudo indica ainda que existe demanda suficiente e, portanto, viabilidade, para a criação de 14 novas linhas hidroviárias na Baía de Guanabara e nas lagoas da Barra da Tijuca.

A Maré seria beneficiada por uma linha ligando a Cidade Universitária à Praça XV. “No Fundão ainda vai ocorrer o estudo de viabilidade ambiental e econômica, para a escolha do lugar da estação. Há dois locais possíveis: o Parque Tecnológico e próximo ao BRT. No Parque Tecnológico, o custo seria maior, por causa da logística”, avalia o ambientalista Sergio Ricardo.

Na conclusão do estudo, o local indicado para a estação ficaria próximo ao terminal de pescadores. “Seria uma boa as barcas, algo mais viável para o município. O local ideal entendo ser aqui junto ao BRT e da futura rodoviária do Fundão. Só que não acredito no projeto, pois as empresas de ônibus não vão deixar ter novas linhas de barcas”, acredita o pescador profissional, Carlos Augusto.

Mesmo com o assoreamento da Baía, o ambientalista Sergio Ricardo avalia como positivo o projeto: “a FIRJAN consolidou novas linhas do sistema aquaviário, o que representaria 10 mil veículos a menos nas ruas. Sabemos que em alguns pontos será necessária a drenagem. O ideal será a utilização de embarcações menores, de 120 lugares”.

O primeiro plano hidroviário da Baía aconteceu em 1984, com três linhas saindo da Praça XV. Uma seguiria até São Gonçalo, outra até Magé e a única que saiu do papel foi a de Cocotá, na Ilha do Governador. Segundo Sergio Ricardo, “no momento só temos transporte pela Baía para a Ilha Grande, Cocotá, Paquetá e Niterói, é muito pouco”.

Projeto já está aprovado

A Assembleia Legislativa aprovou a lei de novas linhas de barcas, em maio do ano passado, e há promessa de uma licitação. A princípio, teria uma linha ligando o Armazém 18, no porto, a Duque de Caxias; isso pode favorecer tanto Magé, como o Fundão”, avalia Sergio. Essa nova linha deve ser licitada com outras duas: Praça XV- São Gonçalo e Praça XV-Galeão.

O analista de Estudos de Infraestrutura do Sistema FIRJAN, Isaque Ouverney, explica que a Instituição encomendou o estudo preocupada com a mobilidade urbana, que atinge a indústria e as pessoas envolvidas. No estudo, foi analisado o transporte de passageiros. O Plano mostra que todos os modais são complementares e que são necessários investimentos urbanos para esses corredores que vão transportar muitas pessoas. É importante o uso da Baía, para que o carioca busque comodidade e conforto”.

 Na linha específica do Fundão, houve outro estudo em 2014. O resultado foi que 30% das viagens da Ilha do Fundão vão para o Centro ou a Zona Sul. Com esse trabalho, foi revelada a possibilidade do uso das barcas por meio da demanda de passageiros.  Esse estudo também mostra que a linha específica Praça XV – Ilha do Fundão\Galeão equivale a 10.640 viagens/dia e 3.941 veículos fora de circulação/dia, ou seja, 3,3 km de vias desocupadas por dia, com potencial de redução dos congestionamentos em 18,7% nos horários de pico.

 A moradora da Vila do Pinheiro e funcionária da UFRJ, Elza Carvalho, acredita que “esse meio de transporte contribui muito para a cidade. No geral, o trânsito é muito tenso e com as barcas agiliza a vida, proporciona um tempo maior para outras coisas que ficar no engarrafamento”.

 

Intervenção sem resultado para quem?

27 pessoas já morreram em operações policiais desde anúncio de Intervenção Federal

Maria Morganti

Desde último sábado, (24/03), 9 pessoas foram executadas na favela da Rocinha, na zona sul do Rio de Janeiro. A menos de 70 km de lá, em Maricá, na Região Metropolitana, uma chacina aconteceu na madrugada de domingo (25/03). Cinco jovens, Sávio de Oliveira Vitipó, Mateus Bitencourt da Silva, Patrick da Silva Diniz, Matheus Barauna dos Santos e Marcus Jonathas, foram executados em um conjunto habitacional. Segundo moradores, grupos armados teriam rendido os adolescentes e matado um a um com tiros na cabeça, após a saída de um evento cultural. A principal linha de investigação da Polícia Civil é que execução tenha sido cometida por milicianos.
A mãe de uma das vítimas, July Mary Ribeiro de Andrade, afirmou que eles eram conhecidos por estarem sempre presentes em eventos de batalha de passinho e Hip Hop da cidade. Eles eram produtores culturais. Na Rocinha, a morte de um Policial Militar na noite da última quarta-feira (21/03), teria motivado as ações que começaram no sábado e duram até hoje com um claro caráter de vingança. O morador, Antonio Ferreira da Silva, conhecido como Marechal, também morreu no tiroteio que acontecia.
Em pouco mais de seis meses, 50 mortes aconteceram na Rocinha. Desde que a vereadora Marielle Franco foi assassinada, no dia 14 de março, 25 pessoas foram assassinadas. Desde o dia 16 de fevereiro, quando o anúncio da intervenção foi feito, 36 mortes em comunidades,segundo dados do aplicativo Fogo Cruzado.

Com autoridades que não se pronunciam diante de execuções como essas, a pergunta “até quando” continuará sendo ecoada por todos nós. O que será necessário fazer para que vidas de moradores de periferias parem de ser ceifadas? O direito à vida é um direito fundamental de todo e qualquer ser humano. Até quando precisaremos conviver com essa triste realidade?

Dia de comemorar… cuidando da saúde!

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Os principais atendimentos que as mulheres precisam fazer para prevenir doenças

Maria Morganti

No “Dia Internacional da Mulher”, 8 de março, é mais comum vê-las, não importa a idade, ganhando chocolates, buquê de flores, perfumes. Mas por que não aproveitar a data para pensar na saúde e se cuidar? Para a médica ginecologista e obstetra do Hospital Federal de Bonsucesso, Carolina Azevedo, uma alimentação saudável, atividade física regular, o uso de preservativo no ato sexual e a realização do autoexame das mamas são o carro-chefe para melhorar a qualidade de vida em longo prazo e evitar doenças.

Rosemary Felix, 45 anos, moradora do Parque Rubens Vaz, diz que tenta fazer todos os anos exames de sangue, urina, fezes e até eletrocardiograma. Ela conta que, no ano passado, só não conseguiu realizar a mamografia, mas segue na fila de espera do SISREG, Sistema que organiza as marcações de exames da Prefeitura do Rio, para ficar em dia com uma vida saudável”.

De outra geração da Maré, com 26 anos, Letícia Santos começou a ter uma preocupação maior com a saúde por causa de um susto: “há um ano e meio, eu senti um carocinho no meu peito e fiz vários exames. Mas graças a Deus não deu nada”, diz, aliviada.

A prevenção é o caminho

No entanto, como diz o ditado popular “há males que vêm para o bem”. Letícia acabou fazendo outros exames e, para a sua felicidade, tudo estava bem. “Do mesmo jeito que não foi nada, poderia ter sido também. Então, temos de ficar atentas ao nosso corpo”, conta a jovem.

A médica Carolina alerta para o fato de que, além dos exames preventivos, existem outros procedimentos, como o ultrassom transvaginal ou pélvico, que “na verdade não são preventivos”, mas, segundo a médica, “procedimentos assim serão feitos se houver queixas como infertilidade, sangramento uterino anormal e dor pélvica. Ou se, no preventivo, tiver sido diagnosticada alguma alteração”.

A boa notícia é que a maioria dos exames ginecológicos estão disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS): preventivo, ultrassom transvaginal, ultrassom de mama e mamografia. Sobre este último procedimento, entrou em vigor em 2015 a Lei nº 11.664, que determina a realização obrigatória, no sistema público de saúde, para todas as mulheres, a partir dos 40 anos.

No Complexo da Maré, existem sete espaços destinados à Saúde que realizam consultas e encaminhamentos para exames, como a Clínica da Família Diniz Batista de Souza, que fica na Avenida Brigadeiro Trompovski, s/nº, ao lado da Estação Maré do BRT Transcarioca, inaugurada no mês passado.

As dores e alegrias de ser mulher na Maré

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Andreza Jorge

Mestranda em Relações Étnico-Raciais, Coordenadora Pedagógica do Projeto da Casa das Mulheres e Coordenadora do Projeto Mulheres ao Vento

No segundo semestre de 2017, foi realizada uma pesquisa sobre violência contra a mulher no Conjunto de Favelas da Maré. Formávamos um grupo de cinco entrevistadoras, com profundas e distintas relações com o território:  duas moradoras, crias da Maré; uma moradora recém-chegada do Ceará e outras duas com anos de trabalho e trocas com o local.

O processo de entrevistar mulheres, a partir de uma amostragem específica para os parâmetros de coleta de dados, possibilitou a surpresa dos acasos. A cada rua, a cada endereço, novas possibilidades de encontros e histórias compartilhadas pela entrevistada, que nesse momento tornava-se nosso maior foco de atenção. O papel de entrevistadora, nesse instante, se fundia com o de ouvinte atenta e empática.

Bater em portas, convidar mulheres a responder um questionário que tinha como fim levantar/ouvir possíveis momentos de violência vividos foi, sem dúvida, uma tarefa muito difícil. E, ao passo que nos fortalecia como ouvintes e admiradoras, nos atingia como golpes certeiros, que nos comoviam e lembravam como é ser mulher em uma sociedade estruturalmente machista, racista e desigual.

Mulheres negras

Ao pensar nas favelas como espaço de ausências de direitos básicos, as demandas específicas referentes às mulheres tornam-se maiores, fazendo com que   tenham seus direitos violados e quase nenhuma chance de recorrer.

Além das desigualdades de gênero, é importante pontuar a relação de vulnerabilidade das mulheres negras em contraponto às mulheres não negras, pois ao pensar nas relações sociais de poder estabelecidas, as mulheres negras acabam por ocupar um posto abaixo, devido à junção dos preconceitos racial e de gênero. Com isso, temos um campo de pesquisa totalmente atrelado a questões e relações subjetivas que, como pesquisadoras e mulheres, não podíamos imaginar a proporção dos atravessamentos provocados.

Em campo

Muitos foram os encontros e, como parte da metodologia da pesquisa, nos reuníamos semanalmente com a equipe de campo da pesquisa, para trocar ideias sobre a experiência, sobre o que tinha nos tocados mais e nos fortalecer para que o trabalho fosse realizado de uma forma positiva e os resultados, os dados obtidos, pudessem ter retornos práticos e concretos.

 A partir da experiência, pudemos desfrutar de uma heterogeneidade que nos chamou a atenção durante toda a pesquisa. Os relatos de violências vividas nos aproximavam, tornavam visíveis nossas próprias experiências de violências sofridas e nos transformavam a todo instante em ouvinte, mais que isso, ouvintes confidentes, sendo, em muitas vezes, a primeira pessoa a quem aquela mulher relatou tais dores.

Muitas foram as vezes em que, ao finalizar uma entrevista-conversa, foi preciso parar um tempo antes de seguir para outra, seja para pensar em tudo que foi dito-ouvido, seja para sorrir e tomar para si aquele momento de inspiração, ou para sentar em uma calçada afastada e chorar um choro sentido e frustrado por não poder fazer mais nada por aquela mulher.

Os sentimentos eram muitos e o desafio era equilibrar a função de entrevistadora com o desejo de poder acabar com a violência contra mulher do mundo inteiro, de peito aberto, doía, e doía tanto, que quase sempre, depois de um dia de entrevistas a gente precisava de colo, precisava pôr pra fora todo o sentimento que inflava nossa coragem e enchia nossos olhos. Tivemos a honra de conhecer mulheres que nos ensinaram a erguer a cabeça, a não desistir, a rir, a servir um café, uma água, um suco, uma refeição. Uma das pesquisadoras até se emocionou ao receber de sua conterrânea uma quentinha em um dia de trabalho.Conhecemos mulheres que dividiram conosco momentos felizes de suas famílias, compartilharam histórias engraçadas, felizes, e abriram a porta e o peito para nos acolher com nosso questionário na mão, com nossos dias difíceis e sentimentos confusos.

Foi, sem dúvida, uma experiência incrível, capaz de transformar e aprimorar olhares, inspirar e dar muita força e energia para seguir acreditando que nada deve parecer impossível de mudar…

 

Tereza Onã, Alessandra Pinheiro e Juliana Alves participaram da pesquisa na Maré | Foto: Elisângela Leite