Home Blog Page 503

Carnaval da crise terá animação

0

O lema é: levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima

Hélio Euclides

Com o clima de recessão, as escolas de samba e os blocos estão receosos com o carnaval de 2018. Por outro lado, problemas não são uma novidade. Todo ano existe um desafio, que é superado com a criatividade e o amor que os envolvidos nessa grande festa manifestam. Na Maré não é diferente. Aqui, existem duas escolas de samba: o Gato de Bonsucesso e o Boca de Siri. Pelas ruas da favela, alguns blocos empolgam moradores, entre eles o Gargalo da Vila, o Se Benze que Dá e o Magia do Samba.

A agremiação Boca de Siri vem com o enredo “Vamos falar de índios”. A escola leva para o desfile dois carros alegóricos e um tripé. A verde e branco do Piscinão de Ramos trará para o desfile 17 alas, com cerca de 830 componentes. “Estamos sem dinheiro, mas lembro que só entramos para brigar pelo título. A maioria das coirmãs estão ameaçadas de não sair ou mostrar um carnaval ruim. Para trabalhar com escola de samba tem de gostar muito”, desabafa Edivaldo Pereira, presidente do Boca de Siri, conhecido como Vadão, que há 15 anos atua na escola, sendo nove no cargo. Vadão critica o tratamento dado às pequenas escolas. “O carnaval é de custo alto, e não temos o apoio merecido da Prefeitura e nem da TV. Esquecem que todas as grandes começaram por baixo. A Riotur dá um valor que apenas paga os funcionários”, reclama. Outro ponto negativo é a insatisfação com o local de desfile. “A Intendente Magalhães é complicada, pois são muitas escolas. A Sapucaí seria o ideal, mas falta interesse”, declara.

No desfile deste ano o Boca promete “brincar de índio”, mostrar a história dos indígenas que se mistura com a dos portugueses. “Quando a escola desfila, tenho o sentimento de dever cumprido, uma emoção que não tem explicação, acabo chorando”, confessa Vadão.  Para quem desejar desfilar, ainda há vagas. Um dos diferenciais do grupo é mostrar que o samba é sem fronteira. A escola traz uma ala da Maré, com foliões do Parque União. A agremiação também apoia, no que é possível, a coirmã Gato de Bonsucesso. Quem deseja colaborar com o carnaval do Boca de Siri terá uma boa oportunidade dia 4 de fevereiro. O evento Siri Folia promete agitar os foliões, com venda de abadá por 60 reais, que dá direito à cerveja, refrigerante, caldo e água. A festa vai das 13h às 21h, na quadra, que fica na Rua Mascarenhas de Moraes, 10, Roquete Pinto.

Curiosidade Boca de Siri

A expressão “boca de siri” tem origem a partir da anatomia do siri, um crustáceo que vive predominantemente em água salgada. Este animal tem uma boca muito pequena, que dificilmente pode ser vista a olho nu. Devido a essa característica do siri, a expressão foi adotada pela cultura popular, fazendo uma relação com a situação em que alguém se compromete em manter segredo sobre determinado assunto, fechando a boca e não contando para ninguém, assim como o siri faz quando captura um animal.

O Boca de Siri foi fundado no dia 7 de dezembro de 1979, como bloco. Em 2011, sagrou-se pentacampeão do Grupo 1 dos blocos de enredo, sendo o primeiro bloco a se transformar em escola de samba automaticamente, sem passar por avaliação. No ano seguinte, sagrou-se campeã do Grupo de Acesso E. O Boca de Siri em 2017 ficou com a quinta colocação do Grupo C.

A ala de foliões da escola Gato de Bonsucesso desfi lando na Intendente | Foto: Francisco Valdean

Um felino no carnaval

A azul e branco da Nova Holanda vem com o enredo “Mulher, mulher, mulher”. O enredo vai viajar pela criação da mulher até os dias de hoje. Vai contar as mudanças do seu papel na sociedade e suas lutas. “A mulher busca o seu lugar e conquista. Um dos destaques será a Lei Maria da Penha”, lembra Roseni Lima de Oliveira, diretora do Gato de Bonsucesso.

A escola apresentará um carro alegórico, 12 alas, com 450 componentes, sendo obrigatório ter 20 baianas e 80 membros na bateria. O Gato desfila no Grupo E, uma apresentação de avaliação, sabendo-se que as três melhores sobem de categoria. “O ruim é que nesse Grupo não recebemos subvenção da Riotur. Pela crise nacional, falta dinheiro nas escolas de samba, e com o Gato não é diferente. Precisamos do apoio da comunidade e dos comércios locais”, almeja Roseni. Quem deseja participar do desfile deve comparecer aos ensaios que acontecem todas as sextas-feiras, a partir das 20h, na quadra, que fica na Rua São Jorge, Nova Holanda.

A trajetória de um gato

A história do Gato de Bonsucesso tem início na década de 1960, com moradores das comunidades do Esqueleto e do Querosene, que chegaram na Nova Holanda. A nova turma acabou se unindo aos antigos foliões do Grêmio Recreativo Escola de Samba Unidos da Nova Holanda. E assim nasceu o bloco Mataram Meu Gato, tendo como um dos fundadores Manoel de Jesus.

Em 1999, a agremiação foi registrada na Associação das Escolas de Samba do Rio de Janeiro com o novo nome de Grêmio Recreativo Escola de Samba Gato de Bonsucesso. O Gato de Bonsucesso foi rebaixado para o grupo E em 2016. No ano passado ficou em 5º lugar e não conseguiu subir de categoria.

A mudança de Mataram Meu Gato para o nome atual gera uma discussão frequente. Adelson Alves, radialista e especialista em carnaval, acredita que o nome antigo tinha um peso e uma irreverência característica da festa. Já Roseni entende que a modificação foi necessária para um nome forte, característica de uma Avenida Marques de Sapucaí. “O Gato nasceu da necessidade cultural da Maré e virou instituição familiar. Meu pai foi presidente e ele me chamou para ajudar no carnaval. Não parei mais. Fui filha, mulher, mãe e irmã de presidentes”.

A empolgação por meio de um gargalo

O bloco Gargalo da Vila desfila pelas ruas da Vila do João há 17 anos. “Percebi que não tinha carnaval de rua e que a festa não podia passar em branco”, conta Marco Antonio, fundador do bloco, conhecido como Marquinho Gargalo. O bloco não tem registro, mas o diferencial é que todos os integrantes desfilam com abadás. O Gargalo da Vila nasceu de uma ala com o mesmo nome, que desfilava desde 1976 no bloco Tigre de Bonsucesso. O samba do bloco sofre modificações todo ano, contudo o refrão é marcante: “O Gargalo Taí, o Gargalo chegou, samba gente que a ressaca acabou”.

A Maré é minha história

0

Morador com 61 anos de vida na Maré, seu lugar de paixão

Hélio Euclides

“Quem não tem dinheiro, conta história”, esse ditado pode representar o contador de “causos” Valdecio Pereira Brandão, chamado de Delcio. Ele nasceu no Parque Maré, com a ajuda de uma parteira, viveu no Parque União e, hoje, mora no Conjunto Esperança. Cria da Maré, ele lembra das palafitas e das mudanças pelas quais passou a favela. “O passado é muito importante, e eu sou das antigas, confio muito nas palavras, mais que na assinatura”.

Nascido em 1956, no Beco da Foice, sua família foi para o Jardim Gramacho nove anos depois, mas só ficou lá por quatro meses. “Além de estar longe, ainda sofremos com o meu pai que foi trabalhar em São Paulo e deixou os sete filhos. Então minha mãe nos trouxe para o Parque União”.

“Até me arrepio, quando me lembro do barraco de madeira e da Praia da Coroinha, no Parque União. Nasci na palafita, não tinha água e nem luz. Fazia as necessidades na casinha, que iam direto para a água. Íamos até onde, hoje, é o hotel na Avenida Brasil para pegar água na lata. Acredito que, por isso, não cresci muito, por carregar tanta água”. Ele recorda, com carinho, do aterro improvisado que a família fazia. “Íamos para a Avenida Brasil conseguir caminhão de terra para aterrar o quintal. Na época, o Parque União tinha uma fábrica, onde hoje fica a comunidade conhecida como Sem Terra. Para trabalhar, tinha de ter dois sapatos, um para a lama e outro para o serviço”.

Uma infância de verdade

A família de Delcio é do Rio Grande do Norte, como inúmeros outros moradores da Maré, que vieram do Nordeste para conseguir trabalho. O seu pai era mestre de obras e atuava na construção dos novos prédios, no Centro. Já a mãe, descendente de indígenas, era dona de casa. Boa parte de sua vida passou no Parque União. “Recordo dos meus 10 anos, da minha casa grande, que tinha oito cômodos, fora o banheiro, num total de 37 metros de comprimento. O problema era quando chovia, porque tinha de pegar os móveis e colocar no alto”. A família criava porcos, patos e galinhas, que um dia iam para o prato. “O arroz era coisa de rico. Para contribuir com a renda, minha mãe lavava as roupas dos vizinhos. Os filhos lavavam chiqueiros na vizinhança. O quintal tinha plantas medicinais, o que evitava gastos. Minha mãe me ensinou o poder das ervas”.

Com o tempo, a família se aventurou no comércio, abrindo uma tendinha. “Então eu desafiei a timidez e comecei a cantar bolero e samba-canção para chamar a clientela. Tudo era para trazer mais comida para o prato”. A alegria na infância teve uma ajuda quando seu pai, em 1970, comprou um televisor com imagem em preto & branco.

Aos 12 anos, para ajudar em casa, vendia picolés e bonés na Feira de São Cristóvão, refrigerante na Praia de Ramos, peixe e tapioca. Com 14 anos, ele conseguiu sua carteira profissional e começou a trabalhar em tinturaria, no Bairro do Santo Cristo. Logo depois, foi para uma firma de importações, como office boy e, em seguida, virou ajudante de despachante. Nesse período, estudava à noite, mas parou na 3ª série. “Minha vida era corrida, eu tinha um bip, que não parava de tocar”, resume. Ele se efetivou como despachante aduaneiro, profissional especializado no desembaraço de mercadorias que transitam por alfândegas. Trabalhou no Cais do Porto por 40 anos, encerrando a atividade em 2003. “Não gostava desse trabalho, não nasci para a corrupção”.

Um Conjunto para ser chamado de esperança

“Gosto de morar aqui na Maré, é o melhor lugar do mundo”. Do casamento, nasceram dois filhos. “Vivi 25 anos casado, mas me separei”.  Hoje, Delcio é feirante, aos sábados, na Vila do João. “Na feira, me sinto um pouco professor, ensino as mães que a salada é muito importante para os filhos”. Durante a semana ajuda num pet shop e é distribuidor do Jornal Maré de Notícias: esse é um exercício para minha saúde”.

[vc_video link=”http://youtu.be/baunjmTgRHg” align=”center”]

O cuidado permanente para quem tem Diabetes

0

O Rio de Janeiro é campeão brasileiro de pessoas que sofrem com a doença

Jorge Melo

Você tem sede constante, mas a boca continua seca? Vontade frequente de urinar? Se cansa rapidamente? Sente fraqueza? Seu apetite aumentou?  Então está na hora de fazer exames de sangue.  Você pode estar com diabetes tipo 2, a mais comum entre os brasileiros, responsável por 90% dos casos da doença.  No entanto, mesmo sem esses sintomas, é bom fazer exames de sangue regularmente e monitorar a glicose, principalmente se você já passou dos 45 anos.

O exame mais adequado é o de glicemia, que deve ser feito em jejum.

A necessidade dos exames aumenta se você registrar colesterol alto, estiver acima do peso, com a gordura se concentrando em torno da barriga, ou tiver pressão alta. Segundo Cláudia Ramos, médica da família e coordenadora das Linhas de Cuidado das Doenças Crônicas Não Transmissíveis, da Prefeitura do Rio de Janeiro. “A diabetes, em muitos casos, não apresenta sintomas e por isso muita gente nem sabe que tem a doença”. Existe no mundo, segundo dados da Federação Internacional de Diabetes, 425 milhões de pessoas com a doença. E muitas delas não sabem disso.  No Brasil, cerca de 50% de pessoas com diabetes não sabe que tem a doença. As grávidas também devem ficar atentas. O Brasil é o quarto país com as maiores taxas de Diabetes Gestacional (DMG), ou seja, diabetes durante a gravidez. Os fatores de risco são: mais de 35 anos de idade; sobrepeso ou obesidade; histórico familiar de diabetes, entre outros. No entanto, se a gestante faz o pré-natal, a diabetes pode ser detectada rapidamente e o tratamento é iniciado.

Dona Luzia Baldino mede a glicose diariamente, cuida da alimentação e faz uso de medicamentos | Fotos: Elisângela Leite

O tratamento da diabetes 2 não é complicado, mas precisa ser levado a sério

Dona Luzia Balbino tem 76 anos e há dez descobriu que era diabética, num check-up realizado no Hospital Universitário Clementino Fraga, da UFRJ-Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde muitos moradores da Maré buscam atendimento médico. Dona Luzia tinha pressão alta, que é um dos indicativos da diabetes, mas não o único.

Ela seguiu as orientações médicas e levou a sério o tratamento. Hoje está com as taxas estabilizadas e com a doença sob controle. Ela toma regularmente insulina e a medicação prescrita pelo médico; mantém uma dieta com legumes, folhas, carnes magras e pouco carboidrato e seleciona as frutas que consome, algumas não são tão boas para quem tem diabetes, “uma vez ou outra eu saio da dieta, que ninguém é de ferro, mas não pode ser muito, porque essa doença não é fácil, não se pode brincar com ela”, diz dona Luzia.

A diabetes é uma doença crônica. Não tem cura. É popularmente conhecida como açúcar no sangue e precisa ser controlada com remédios, dieta e atividades físicas. É silenciosa e se não for cuidada adequadamente pode ser mortal ou causar sérios danos, como insuficiência renal, cegueira ou impotência sexual.

De acordo com a Organização das Nações Unidas, 70% das amputações realizadas no Brasil são decorrentes da diabetes. São 55 mil casos por ano. Um número que parece pequeno em relação à população brasileira, de 207 milhões de habitantes, mas não é.

Segundo Cláudia Ramos, “a identificação da doença e acompanhamento podem ser feitos nos Centros Municipais de Saúde ou Clínicas da Família”.  Na Maré existem sete Centros Municipais de Saúde: Américo Veloso, na Praia de Ramos; Hélio Smidt, no Parque Rubens Vaz; Parque União; Nova Holanda, que funciona no CIEP Elis Regina, Samora Machel, no Parque da Maré, João Cândido, em Marcílio Dias e Vila do João. E as Clínicas da Família, Augusto Boal, no Morro do Timbau; e Adib Jatene, na Vila dos Pinheiros.

Luzia Balbino, por exemplo, faz o acompanhamento da diabetes na Clínica da Família Adib Jatene, onde é regularmente examinada e recebe as requisições para os exames necessários: “o atendimento lá é excelente, não posso reclamar de nada; o médico que me atende é muito bom, atencioso e humano; sabe ouvir, não vê a gente só como paciente, dá atenção e isso é muito importante” – elogia dona Luzia.

Um título que preocupa

O Rio de Janeiro é a cidade com o maior número de diabéticos do País, com 10,4 casos por 100 mil habitantes, segundo pesquisa do Ministério da Saúde. A pesquisa Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas Por Inquérito Telefônico é realizada desde 2006, em 26 capitais brasileiras. A mesma pesquisa revelou que a diabetes atinge mais as mulheres que os homens: 9,9% das mulheres brasileiras são diabéticas. Os homens são 7,8%.

No Brasil, mais de 14 milhões de pessoas sofrem com a doença, segundo levantamento da Sociedade Brasileira de Diabetes. Esse número preocupa as autoridades. A pesquisa do Ministério da Saúde revelou que o número de pessoas com diabetes aumentou 61,8% em 10 anos, de 2006 a 2016.

E uma das razões é a má alimentação, aliada ao sedentarismo. Gorduras, refrigerantes, bebidas alcóolicas e massas em excesso, assim como alimentos processados são os vilões, “A obesidade é um fator de alto risco”, afirma Claudia Ramos.

Na Maré, existem dois núcleos do Programa Academia Carioca que atuam no CMS Vila do João e na CF Augusto Boal, com cerca de 600 alunos inscritos. As atividades físicas, orientadas por professores especializados, são realizadas como suporte ao tratamento médico dos pacientes, em especial aqueles com quadros de doenças crônicas, como hipertensão e idosos. Segundo Cláudia Ramos, “nesses núcleos, quem tem diabetes tem mais um elemento do tratamento que é a atividade física direcionada”.

Herança genética

A diabetes tipo 1 é diferente, em geral é diagnosticada na infância. É de origem genética, ou seja, herdada do pai ou da mãe. Entre 5% e 10% das pessoas possuem o tipo 1 de diabetes. O diabetes tipo 1 é a segunda doença crônica mais frequente na infância. No entanto, apenas 50% dos casos são diagnosticados antes dos 15 anos.

O tratamento para a diabetes tipo 1 é feito com o uso diário de Insulina, comprimidos ou injeções.  Além disso, é importante fazer uma alimentação isenta de açúcar e com baixo teor de carboidratos, como pão, bolo, arroz, macarrão, biscoitos e algumas frutas, assim como praticar exercícios físicos leves (caminhada, corrida ou natação), pelo menos 30 minutos, de 3 a 4 vezes por semana.

O tratamento para diabetes tipo 1 ajuda a evitar o surgimento de complicações como dificuldades na cicatrização, problemas de visão, má circulação sanguínea ou insuficiência renal.

O sorriso que cura

0

Morador da Maré supera desemprego, ajudando na recuperação de crianças e idosos doentes

Felipe Rebouças

Uma vez por semana, o auxiliar administrativo Sidnei Rodrigues Moraes, de 40 anos, dá lugar ao Palhaço Mingau. Nessa troca de papéis, o morador do Parque União deixa seus problemas de lado para provocar risos em crianças e idosos abrigados em hospitais e asilos da cidade. Desempregado há cinco anos por causa de uma crise de cálculo renal, o entrevistado conta que o problema de saúde inviabilizou sua carreira profissional, mas o fez enxergar, em razão da experiência como paciente, que o ambiente hospitalar demanda vida. Segundo ele, as cores neutras e a ausência de alegria no local dão a sensação de que o internado está isolado, no aguardo por más notícias, ao invés de aspirar a recuperação.

O palhaço em atividade na Casa de Apoio à Criança com Câncer São Vicente de Paulo | Arquivo Pessoal

Tudo começou quando, ao retornar à casa na Maré, após se recuperar do problema renal, o pai da Rafaela, de 13 anos, ligou a televisão e se deparou com o filme Patch Adams: o amor é contagioso. “Foi minha inspiração” – afirmou Sidnei. No filme, ele pôde ver a proposta de humanização hospitalar por meio da arte do humor e se identificou com as mensagens de ajuda ao próximo, passadas no filme, pela interpretação do falecido Robin Williams.

Desse dia em diante, Sidnei procurou pessoas que trabalhassem com essa proposta. Recebeu negativas até encontrar Cristiano Figueiredo,

o Palhaço Foguinho. Ao lado dele embarcou no projeto ‘Me dê um abraço’, no qual os dois ofereciam afeto às pessoas que passavam na rua. Depois dessa experiência, Sidnei conseguiu com o Sindicato dos Artistas um certificado de atuação. Com ele nas mãos pôde conceder oficinas de palhaço humanizado e embarcou na iniciativa ‘Doe amor’, projeto do qual faz parte até hoje. A idealizadora Roberta Vieira, fisioterapeuta, reúne os voluntários na sua residência, em Olaria, para realizar os ensaios e ajustes das apresentações que alegram os pacientes. Além disso, essa espécie de quartel-general serve para acolher as doações alimentícias que o grupo distribui nas instituições que visita. Os envolvidos são fisioterapeutas, técnicos de informática, bancários e professores. Profissionais da vida real, que mergulham na fantasia de seus personagens para amenizar o sofrimento de pessoas que lutam contra doenças graves, como o câncer.

“Não basta colocar a roupa e fazer a maquiagem de palhaço. É importante compreender a delicadeza dentro do hospital e entender a criança. Às vezes, ela está debilitada ou os pais estão em uma fase ruim de aceitação. Se você chega de uma maneira qualquer ou se fala a coisa errada, pode causar algum constrangimento”, explica o voluntário.

Entre os trabalhos informais e a tentativa de se reinserir no mercado de trabalho, Sidnei conseguiu levar entusiasmo ao ambiente denso da reabilitação. A troca de risos, beijos e abraços entre ele e os pacientes é alimentadora, literalmente. “Lembro de um menino que não estava se alimentando por causa das medicações fortíssimas contra o câncer e quando fiz a visita a ele, eu pedi que comesse, pois assim ele ficaria melhor e mais forte para nós brincarmos, e ele comeu. No outro dia, a psicóloga infantil me ligou e agradeceu, porque o menino estava se alimentando normalmente”, conta, orgulhoso.

Como entrar em contato com o Sidnei ou com o Projeto Doe Amor:

 

A tradição da Folia de Reis

0

Dança, arte e cultura levada de casa em casa pelos foliões

Elisângela Leite, Hélio Euclides e Jorge Melo

“Hoje é o Dia de Santo Reis, anda meio esquecido, mas é dia da festa de Santo Reis”, assim cantava Tim Maia, a música Festa do Santo Reis, de Marcio Leonardo, para lembrar da manifestação cultural que acontece em 6 de janeiro. A segunda parte da canção fala: “Eles chegam tocando, sanfona e violão. Os pandeiros de fita, carregam sempre na mão”. Um resumo do trabalho feito por foliões que circulam pelo País para não deixar morrer a tradição. No Rio de Janeiro, uma das mais tradicionais está localizada no morro Santa Marta, que em união com outras, como a da Mangueira, forma a Associação das Folias de Reis.

Foto: Elisângela Leite

José Henrique Silva é o Mestre Riquinho, que há 50 anos é um dos foliões do Morro Santa Marta. “Meu pai sempre foi folião, começou em Miracema. O mestre faleceu e a folia que era na comunidade do Boogie Woogie, na Ilha do Governador, veio para cá. Meu pai era o Mestre Diniz e me preparou como mestre folião e meu irmão como mestre palhaço. A continuidade também é algo que a família não pode deixar acabar”. Ele acredita que o fim de um grupo de folia, na maioria das vezes, acontece por falta do mestre que não passou o conhecimento para um sucessor. Aqui na Maré, infelizmente a tradição não acontece mais.

 

 

De onde vem a tradição das Folia de Reis

A festa relembra os três Reis Magos, Gaspar, Melchior e Baltazar, que viram a estrela de Belém no céu e foram ao encontro de Jesus, que havia nascido. Em cada região do Brasil é comemorado de modo particular. Principalmente no interior do País acontecem os chamados Reisados ou Folias de Reis, festa folclórica que adota formas e expressões locais na música, na dança e nas orações. Essa festa é uma manifestação cultural ligada ao Natal, comemorada desde o século XIX.

Uma das festas culturais mais ricas do folclore brasileiro acontece quando as chamadas “companhias” vão de casa em casa e entoam diversas canções e rezas em homenagem aos três viajantes santificados. Os versos e músicas são acompanhados de violas, violões, sanfonas, pandeiros, triângulos, caixas e instrumentos de corda. A Folia reverencia a bandeira, que é o símbolo da folia. Decorada com figuras que relembram o menino Jesus, feita geralmente de tecido, é enfeitada com fitas e flores de plástico, tecido ou papel, sempre costuradas ou presas com alfinete.

Aqueles que recebem a visita do Reisado em suas casas, que representa a visita dos Reis Magos a Jesus, oferecem alguma comida a seus integrantes, que agradecem ao hospedeiro e seguem para o próximo destino. Outra tradição é no Dia de Reis desfazer as decorações natalinas, guardar os enfeites e desmontar os presépios. O Rio de Janeiro tem um diferencial, realiza folias até o dia 20 de janeiro, Dia de São Sebastião, padroeiro da cidade.

 

A folia no Santa Marta

No passado, a folia só vivia na favela, agora circula menos, por causa da violência. “Antes saíamos de sábado para domingo, agora nossa opção é só sair de dia, evita sufocos”, conta o mestre. Além do Santa Marta, o grupo visita casas na favela Tavares Bastos, Cidade de Deus, Duque de Caxias e se apresenta na Igreja da Glória. “É um movimento católico, mas visitamos protestantes e umbandistas. Esse ano queremos ir a Angra dos Reis para um evento. O que falta é dinheiro para o transporte. Aguardamos a ajuda da Secretaria Municipal de Cultura”, diz Riquinho.

O grupo do Santa Marta trabalha com 11 crianças, a partir de oito anos, na escolinha de folia. Já os foliões são 30 componentes, mas o normal são 12 integrantes, pois as casas são pequenas e o custo de receber um grande número de pessoas é alto. “Nem todos os foliões são daqui, mas de diversos locais da cidade”, lembra o mestre. Para esse período é necessário o ensaio do grupo, que ocorreu a partir da segunda quinzena de outubro. O grupo é formado por mestre, contramestre, mestre palhaço, bandeireira, matriarca e músicos. Esses componentes são percussionistas, sanfoneiros, bumbeiros, ritmistas e contadores. Para o trabalho burocrático é necessário um presidente, assessor, fiscal e relações públicas. Em média, passam duas horas em cada casa visitada.

O grupo usa dois uniformes: um branco e outro azul. “Quando coloco a roupa, me transformo, peço ajuda do meu pai e da minha avó, que é a madrinha da folia. Começamos a folia aqui no morro no dia 25 de dezembro, às 10 horas. Vamos até 20 de janeiro, encerramos com uma procissão de São Sebastião. No meio do ano entregamos a jornada com o Arremate, que é uma grande festa, quando entregamos a bandeira e fazemos uma celebração”, relata o mestre. Nas paradas nas casas, as pessoas costumam colocar um dinheiro na bandeira, porque é assim que a folia vive. O valor vai de 20 a 200 reais. No ano passado, o grupo conseguiu 1.100 reais, não davam para o começo da festa de meio do ano, o Arremate. Os comerciantes colaboraram com a bebida.

“Uma história que marcou a minha vida foi uma vez que meu pai iria com a folia para a Rocinha. Só que a chuva estava muito forte. Meu pai tirou o chapéu e começou a rezar. Depois de alguns minutos a chuva se foi, não tinha nem poça e nem lixo na rua. Não acredito em coincidência, mas na força dos Reis Magos e de São Sebastião”.

 

Mangueira, terra do samba e da Folia de Reis

Na Mangueira, quem dá o tom da Folia de Reis é o grupo Sagrada Família. Ele tem como líder Hevalcy Ferreira da Silva, o Mestre Hevalcy, que é folião há quase 30 anos. Ele foi preparado pela avó, que pertencia ao grupo do Mestre Simplício. Ainda menino começou com Mestre Jonas, na Manjedoura da Mangueira. O grupo vai dar início aos trabalhos no dia 24 de dezembro, quando realiza a ceia na própria sede, e depois sobe o morro até o amanhecer. No Dia de Santos Reis, 6 de janeiro, ele se apresenta na Igreja de Nossa Senhora da Ressurreição, em Copacabana, às 17 horas.

O Mestre Hevalcy agora é presidente da Associação de Folia de Reis do Rio de Janeiro (AFRERJ). “A associação é uma iniciativa que fizemos para correr atrás de benefício para todos. Batalhamos para manter viva e o reconhecimento da folia como cultura brasileira. A associação é municipal e já engloba 13 grupos, de Inhoaíba até Santa Marta. Continuar a tradição é uma vitória, pois tiramos do bolso os gastos. Quando estamos na folia temos o sentimento de algo gratificante”.

Eliane Cristina atua há 20 anos na folia e conduz a bandeira. Ela também é do grupo da Mangueira, cujo número de integrantes varia entre 15 e 22 componentes, sendo cinco moradores da favela. “A folia é uma manifestação folclórica de fundo religioso, dentro do catolicismo. Além dos integrantes, já temos meia dúzia de crianças, mas falta continuidade. Infelizmente está morrendo a tradição”.

Ela conta relatos de pessoas que recebem a folia e se dizem abençoados, conseguiram seus objetivos, uma obra na casa, melhora na saúde ou um emprego. “Isso motiva a não parar. Às vezes, é estressante, pois estamos vendo o número de casas sendo reduzido. Muitas pessoas explicam que não têm condição financeira para nos receber, só que não queremos banquete. Não queremos dinheiro, o nosso desejo é entrar nas casas e rezar aos Santos Reis e a São Sebastião”.

Na Mangueira, quem dá o tom da Folia de Reis é o grupo Sagrada Família, que tem como líder o Mestre Hevalcy, que é folião há quase 30 anos | Foto: Elisângela Leite

Bola na mão também vale

0

NBA chegou na Maré e treina jovens para o basquete

Jorge Melo

O basquete está para os norte-americanos como o futebol está para os brasileiros. Você pode até não curtir, mas já ouviu falar de Le Bron James, o maior jogador da atualidade. Ou de Stephen Curry e Kevin Durant, os principais jogadores do atual campeão da NBA – National Basketball Association, o Golden State Warriors.  Ou já viu alguém usando uma camiseta com um desses nomes.  Há tempos, a NBA, que administra o basquete nos Estados Unidos, decidiu se globalizar e passou a investir na contratação de estrangeiros, inclusive brasileiros. Atualmente, mais de 100 jogadores, de mais de 40 países, jogam nos 30 times da NBA. Assim a NBA ganha fãs em todo o mundo e não apenas nos EUA. O segundo passo foi desenvolver projetos fora dos Estados Unidos. Um desses projetos é o Jr. NBA, instalado na Maré, em setembro. O objetivo é promover o desenvolvimento socioesportivo da região e transmitir valores como solidariedade, disciplina e cidadania aos jovens.

Segundo a coordenadora técnica da Vila Olímpica da Maré, Cátia Simão, a chegada da NBA “representou um ganho enorme, porque a comunidade já tinha uma tradição na prática do basquete, mas, há algum tempo, por causa da falta de professores, a atividade estava suspensa. Com a chegada da Jr. NBA, as aulas e treinos foram retomados”.

O “clima” do basquete americano é o mesmo do futebol. A mesma paixão e a mesma rivalidade entre os times, que lá são administrados por empresas e chamados de franquias. Da mesma forma que o futebol no Brasil e na Europa, o basquete americano é um negócio de alto nível, movimenta muito dinheiro e paga salários astronômicos.

 

NBA na Maré

Uma das metas do projeto é melhorar o rendimento dos alunos e diminuir a evasão escolar | Foto: Douglas Lopes

Pablo Poder é professor da Jr. NBA na Maré. Apaixonado pelo basquete, já jogou profissionalmente, mas optou por formar os mais jovens e angariar adeptos para o seu esporte de coração. Pablo também é um entusiasta de projetos sociais envolvendo o basquete, nos quais vê a possibilidade de “abrir novos horizontes para essa garotada, oferecendo a oportunidade de desenvolverem uma habilidade, praticar o trabalho em equipe, perceber a importância da preparação para alcançar metas e o respeito ao outro”. Na Maré, o Jr. NBA já conta com 210 jovens e crianças inscritos (de 10 a 19 anos), que recebem aulas gratuitas. Uma das metas é atrair jovens que estão fora da escola, utilizando o basquete como forma de estímulo.  E essa meta, segundo Cátia Simão, tem sido trabalhada intensamente, com uma equipe que identifica os casos e faz uma intermediação com as escolas para que esses jovens possam retornar aos estudos. Uma das exigências, para aqueles em idade escolar, se inscreverem no Jr. NBA é apresentar uma declaração de que está estudando. E esse, segundo os responsáveis pelo projeto, é um ponto fundamental da plataforma.

Segundo Bruno de Souza Rostolato, coordenador do projeto, “é gratificante observar o impacto positivo que o projeto causou na Maré, as expectativas foram excedidas”. O projeto teve início em setembro, mas de acordo com Bruno, “nós começamos a trabalhar em abril para oferecer as melhores condições a essa comunidade. E o trabalho valeu à pena.  Gente vê o empenho e a dedicação dos alunos, meninos, meninas, jovens, isso é muito legal”.  Bruno considera que o peso da marca e a credibilidade da NBA têm influência, mas “o mais importante é aproveitar essa força para preparar esses meninos e jovens para a vida”.

Matheus Fernandes tem 17 anos e está no projeto desde o início. É fã dos jogadores da NBA e também da NBB, a Liga Nacional de Basquete, a versão brasileira da NBA. Matheus já definiu que quer ser jogador profissional e está se preparando para enfrentar os testes em clubes grandes. Ele sabe que precisa treinar muito, se aprimorar. E tem conseguido, pelo projeto. No entanto, mais do que isso, reconhece que participar do projeto trouxe ganhos para sua vida pessoal, “mais disciplina, responsabilidade, fortalecimento do caráter”.

Para o funcionamento do núcleo na Maré foram recuperadas duas quadras, com pintura e marcações novas; instalados dois pares de tabelas e distribuído material esportivo (bolas, coletes, uniformes e equipamentos) para alunos, alunas e instrutores. Além disso, duas tabelas portáteis foram disponibilizas para ações com escolas e a comunidade, “eles têm as melhores condições para se desenvolverem”, diz Bruno Rostolato.

Basquete tem espaço para elas

Segundo Cátia Simão, o número de meninas inscritas no Jr. NBA ainda é bem menor que o de meninos e rapazes; 20 % são meninas; essa é uma realidade mundial, “mas nada impede que as meninas, no futuro, mudem isso”.

O núcleo Jr. NBA da Maré integra o projeto “Maré que Transforma”, liderado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento, em parceria com a Subsecretaria de Esportes e Lazer do município do Rio de Janeiro. A Vila Olímpica da Maré também participa da parceria. O projeto conta, ainda, com parceiros como a Fundação Futebol Clube Barcelona, Colgate, Visa e o Fundo Japonês de Desenvolvimento.

Além de investir na formação de novos talentos, Pablo Poder quer desenvolver, nos mais jovens, a paixão pela prática esportiva, “a gente tem toda uma preocupação com as crianças. Qualquer dificuldade pode fazê-las perder o interesse, por isso usamos equipamentos adaptados, cestas mais baixas, bolas mais leves. Só depois, quando adquirem mais força e técnica, é que começam a usar os equipamentos oficiais.  Esse início é muito importante e se não for conduzido com cuidado pode levar o menino ou a menina a desistir. E o nosso trabalho é dar as melhores condições para que ele ou ela goste do esporte, mesmo que não tenha como meta se profissionalizar”.   A plataforma Jr. NBA atende mais de 6,5 milhões de jovens, meninos e meninas, em mais de 30 países.

Para quem gosta de basquete, tem talento, disciplina e acredita no jogo coletivo, o Jr. NBA pode ser o início de uma trajetória de sucesso. Nos EUA, a maioria dos jogadores de basquete sai de comunidades que, guardadas as devidas proporções, lembram a Maré. Algo parecido com o que acontece com o Futebol no Brasil. Mas o Jr. NBA também está a aberto para quem quer apenas se divertir e praticar um esporte. Tem lugar pata todos.

O basquete é uma das engrenagens mais bem-azeitadas dos Estados Unidos. As universidades, por exemplo, dão bolsas de estudos integrais aos jovens mais promissores.  O campeonato universitário é muito forte e é lá que as franquias se abastecem de novos talentos.  Boa parte dos jogadores americanos da NBA tem diplomas do Ensino Superior. A NBA é muito preocupada com a imagem e o comportamento dos jogadores fora da quadra também é levado em consideração. Será que um dia teremos um draftado [jogador escolhido] da Maré? As condições estão criadas. E o céu é o limite, ou melhor, a NBA é o limite.

 

Duzentos e dez meninos e meninas participam do projeto Jr. NBA na Vila Olímpica da Maré às terças, quintas e sábados | Foto: Douglas Lopes