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Casa das Mulheres da Maré completa dois anos

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Maré de Notícias #94 – 01/11/2018

Atendimentos psico-sociojurídicos e cursos profissionalizantes já beneficiaram mais de 400 mulheres

A Casa das Mulheres da Maré acaba de completar dois anos com muitos motivos para comemorar. O espaço já realizou cerca de 400 atendimentos tanto nos serviços sociojurídicos, com advogadas, assistentes sociais e psicólogas, como nos cursos profissionalizantes de cabeleireiro, o “Maré de Belezas”, e o de gastronomia, o “Maré de Sabores”. Porém, o mais importante: a Casa é, para muitas mulheres da Maré, uma referência quando se pensa em um lugar de trocas de experiências, acolhimento e interação – e isso não pode ser quantificado.

Ana Maria de Oliveira Silva, de 44 anos, e moradora do Parque União desde os 8, é uma dessas mulheres. Ela, que frequenta o espaço desde a inauguração, conta que o lugar é um “refúgio”, e que depois que passou a frequentar a Casa, pôde “abrir a mente”. Ana Maria fez cursos de gastronomia e já se inscreveu no de cabelereiro, mas, pelo que diz, sua relação com a Casa vai muito além disso. “Eu adoro estar na Casa das Mulheres. É gostoso, aconchegante. Elas nos recepcionam hiperbem. Fora as aulas que nós temos. Principalmente as de gênero, que eu acho que, pra muitas, inclusive pra mim em alguns casos, foi bom pra ir pegando um pouco mais de informação. Eu era muito rígida de pensamento. Agora, a mente vai abrindo um pouquinho e eu consigo ser mais maleável”.

Além da própria experiência, Ana conta que conhece três mulheres que eram muito “desanimadas” e que, depois de frequentarem a Casa das Mulheres, passaram a ser “mais ativas, mais felizes”. Pra mim, a Casa das Mulheres é como se fosse uma terapia”, afirma.

Profissionalização e trocas

Segundo Andreza Jorge, coordenadora pedagógica da Casa e ganhadora do Prêmio Cláudia 2018 na categoria Revelação, todos os cursos profissionalizantes que acontecem na Casa das Mulheres sempre são acompanhados de aulas teóricas que associam temas relacionados à mulher na sociedade. Fora a realização das rodas de conversa.  “A ideia das rodas de conversa abertas e espontâneas é que elas aconteçam de dois em dois meses, sempre com um tema que também vai estar aliado a um calendário anual, uma data importante que marca alguma luta das mulheres e aí a gente convida pessoas para facilitar um bate-papo, composto pelas próprias alunas da Casa e outras mulheres que sempre venham aqui pra trocar”, explica.

Balanço de dois anos

 “É a realização de um sonho que era sonho mesmo e virou realidade”, conta Shirley, relembrando o tempo de idealização da Casa. Olhando para trás, a coordenadora avalia que o balanço do trabalho é positivo. “De fato, existe uma demanda muito grande de mulheres por um espaço não só que elas possam aprender alguma coisa, mas que possa ajudar a gerar renda para si mesmas, e também um lugar de acolhimento, de criação de vínculo. Onde elas acessem a Justiça com uma advogada, onde elas acessem uma assistente social. A nossa ideia é entender o que aquela mulher traz, precisa e quer, tentar encaminhá-la pra outro serviço, se esse for o desejo dela, ou incorporá-la à Casa por outras vias”.

Segundo Shirley, o atendimento interdisciplinar é um dos diferenciais mais importantes para as mulheres atendidas ou que simplesmente frequentam a Casa. “Às vezes, a queixa principal da pessoa é voltada para o direito, tem muita essa coisa do enfoque do direito, da advogada, da coisa legal. Mas, às vezes, você vai ver, o direito é o menor dos problemas dela”.

Para a coordenadora, todo o trabalho vale a pena quando vê a mudança no olhar das mulheres. “Elas descem com um sorriso de orelha a orelha, com uma cara, numa felicidade, numa alegria. Tudo vale a pena quando eu vejo o olhar delas mudar. Trabalho o ano inteiro pra isso mesmo”, conta, satisfeita.

Maré de Sabores e afetos

Parte do sonho realizado, ao qual Shirley se refere, é o que hoje se transformou no buffet comercial “Maré de Sabores”, que nasceu, antes mesmo da Casa das Mulheres, por iniciativa das primeiras mulheres formadas pelo projeto desenvolvido pela Redes da Maré, também chamado Maré de Sabores. Com oito anos de existência, a Empresa Maré de Sabores já serviu 40 mil pessoas em mais de 2 mil eventos, gerando renda direta para mais de 200 mulheres da Maré. “A gente imaginava que a formação em gastronomia ia fazer com que as mulheres tivessem autonomia, ou que elas se reconhecessem como lideranças nos empreendimentos comerciais da Maré e que elas pudessem ter esse tino de abrir seus próprios negócios. É um serviço que rompe com os estigmas da favela. A gente acaba levando para outros espaços essa potência e fazendo com que as pessoas experimentem essa potência. Isso é uma grande experiência”, conta a coordenadora da Empresa Maré de Sabores, Mariana Aleixo.

O Buffet Maré de Sabores funciona no 1º andar da Casa das Mulheres. Lá, são elaboradas as delícias que conquistaram a Maré e a cidade. O 2º andar da Casa é reservado para a cozinha-escola, onde, em parceria com a Casa das Mulheres, o buffet realiza oficinas para as mulheres da Maré que desejem aprender a arte da gastronomia. Já no 3º piso da casa, funciona o salão das aulas do Maré de Belezas.

Futuro da Casa das Mulheres

Com motivos de sobra para comemorar, no último dia 27 de outubro, a Casa das Mulheres celebrou os dois anos de existência. A comemoração contou com aula de yoga, barracas de artesanato, brechó e apresentações de dança. Questionada sobre os planos para o futuro, Shirley explica que a ideia é consolidar o espaço como ambiente de discussão. “Uma necessidade vital é manter o que já está acontecendo, a equipe trabalhando, fazer o 4º andar, a horta orgânica. Queremos fazer do espaço mais do que tem sido. E já tem sido coisa à beça. Que possa ser realmente um lugar de discussão sobre o feminismo, sobre a condição das mulheres, do feminismo negro, a condição das mulheres trans, do público LGBT. Então é fazer aquela roda continuar rodando, potencializar isso, e trazer mais mulheres, mais atividades”. Se depender da força das nossas tecedoras e das mulheres da Maré estes e muitos outros sonhos se concretizarão. E em breve.

 

Shirley Viella e Eliana Sousa Silva no momento da inauguração da Casa das Mulheres há dois anos | Foto: Elisângela Leite

A Maré tem drywall

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Saiba mais sobre a técnica que tem mudado a cara das obras da Maré e gerado renda para os profissionais que a dominam

Maré de Notícias #94 – novembro de 2018

Por: Jéssica Pires

A técnica chegou ao Brasil na década de 1970, mas sua presença ainda é discreta nos canteiros de obra. O drywall é composto por placas de gesso e estruturas metálicas. O termo, que em Português significa “parede seca”, surge da pouca utilização de água para sua confecção. E esse é apenas um dos seus benefícios. O método também produz menos entulho em relação à alvenaria, e seus resíduos são recicláveis. Além dos benefícios ecológicos, o drywall também garante mais leveza na estrutura, flexibilidade, rapidez e possibilidade de isolamento acústico e térmico.

De acordo com os profissionais, se o serviço for executado conforme as normas técnicas existentes, não há com o que se preocupar em relação à umidade e à resistência, para citar alguns exemplos. Quanto ao custo que, de fato, é maior que o da alvenaria, Carlos Alberto Anacleto afirma: “se você for comparar o custo x benefício, você vê que vale a pena pela agilidade. Consigo entregar uma obra em três meses em vez de seis. Nesse tempo, o comerciante consegue voltar a lucrar mais rápido ou o morador a deixar de pagar aluguel e voltar pra sua casa”. Carlos Alberto trabalha na área há doze anos e é professor do Curso de Drywall da Redes da Maré.

Engana-se quem associa o rebaixamento de teto ao drywall e acha que essa é a única possibilidade. O sistema serve, por exemplo, para esconder tubulações, engrossar paredes, cobrir aberturas, dividir ambientes e, até mesmo, construir uma casa inteira, incluindo os móveis fixos.

Maré tem profissionais qualificados na técnica

Você sabia que por aqui temos muitos profissionais qualificados que trabalham com drywall? O Curso, promovido pela Redes da Maré com o patrocínio e parceria das empresas Knauff do Brasil e Ireso, acontece desde 2013 e já formou cerca de 150 profissionais.

Flavio Dantas, estudante e morador do Parque Maré, é um dos alunos da atual turma do Curso de Drywall. “Depois que você começa a reparar, você vê que aqui na Maré tem muita gente trabalhando com isso, um mercado de trabalho muito grande”, conta o jovem que já construiu uma parede para dividir cômodos da casa da mãe com os conhecimentos adquiridos no Curso.

Jonatham Pereira e Cleberson Coelho são moradores da Nova Holanda e amigos desde a infância. Atualmente, são sócios e prestam serviços de drywall. Jonatham fez o Curso em 2015, e Cleberson, a convite do amigo, em 2017. Para eles, a princípio, o Curso representava apenas uma tentativa de reinserção no mercado de trabalho. Não imaginavam que a partir dali se tornariam empreendedores: “a gente vive só do drywall hoje e sustentamos nossas famílias com isso”, conta Jonathan.

Segundo os jovens, o que aprenderam no Curso também foi importante para o processo de formalização como microempreendedores, o que hoje garante mais acesso a crédito e a possibilidade de prestar serviços para empresas. “Para ser um microempreendedor são quatro requisitos: não pode ter empresa aberta, não pode ter sócios, não se deve ultrapassar R$ 81 mil de faturamento anual, e tem de ter apenas um ponto de atendimento” esclarece Ana Carolina, consultora do Sebrae, responsável pelos atendimentos realizados na sede da Redes da Maré (leia mais no boxe Benefícios e Obrigações de um Microempreendedor).

Clientes satisfeitos

Ascendino Procópio é morador da Maré e, após a indicação da irmã, contratou profissionais para rebaixarem o teto da sala de sua casa, na Nova Holanda. O aposentado afirmou que o maior benefício da técnica é o fato de não gerar muita poeira. Ascendino, mais conhecido como Dininho, afirma: “minha irmã é extremamente exigente e, assim como ela, fiquei muito satisfeito com a escolha do drywall e dos excelentes profissionais aqui da Maré”.

Benefícios e obrigações do Microempreendedor

Benefícios

  • Sair da informalidade
  • Acessar crédito (ter uma conta jurídica ou máquina de cartão)
  • Comprar materiais com desconto
  • Emitir notas fiscais
  • Contribuir para a Previdência Social (e ter direito a benefícios como a aposentadoria)
  • Isenção de impostos
  • Ter um funcionário de carteira assinada

Obrigações

  • Pagar contribuição mensal. Comércio R$ 48,70; Prestação de Serviços R$ 52,70, os dois R$ 53,70 (R$ 46,70 INSS, R$ 1,00 para quem comercializa e R$ 5,00 para quem presta serviços)
  • Declarar faturamento anual

Para mais informações, acesse www.portaldoempreendedor.gov.br ou vá ao atendimento do Sebrae na sede da Redes da Maré (Rua Sargento Silva Nunes, nº 1012), segundas e terças-feiras, das 10h às 16h. Participe também do grupo no Facebook “Empreenda Maré” para ficar por dentro das dicas do Sebrae, capacitações e formações sobre empreendedorismo e gestão.

Redes da Maré oferece curso de Drywall

A Redes da Maré promove um curso de formação em drywall, com o importante patrocínio e parceria das empresas Knauff do Brasil e Ireso. O Curso é composto por 280 horas e oferece aulas teóricas e práticas. Seu objetivo é propiciar aos jovens da Maré a qualificação técnica e teórica em drywall e gestão, para ampliação de oportunidades profissionais. Com duração de cinco meses, o Curso é destinado a moradores da Maré, de 18 a 30 anos, que tenham o Ensino Fundamental completo. Mais informações: 3105-5531.

Fotos: Douglas Lopes
Ficou interessado no drywall e quer o contato de um dos profissionais formados pelo Curso da Redes da Maré? Ligue: (21) 3105-5531.

Em defesa da democracia

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Em defesa da democracia

Em 23/10/2018 – Diretoria da Redes da Maré

A Redes da Maré nasceu das lutas democráticas dos moradores da favela da Maré. Lutas por educação de qualidade, saúde, moradia e respeito a direitos básicos, como a garantia da vida. Por conta dessa origem e de sua atuação cotidiana, a Redes da Maré vem a público se posicionar diante do atual quadro político/eleitoral brasileiro.

Vivemos um momento dos mais preocupantes. Isso porque o regime democrático brasileiro se vê seriamente ameaçado por uma “onda de autoritarismo” – próxima ao que vivemos com o golpe civil-militar de 1964 – que toma conta das ruas, praças, casas e instituições. O avanço dos discursos e práticas de ódio, efetuados por determinados grupos políticos e materializadas nas ameaças e agressões físicas a oponentes, é prova cabal dos perigos que rondam a democracia brasileira hoje.

Ora, sem democracia e os direitos que ela assegura o que sobra é a “lei do mais forte”. Ou seja, passamos a viver debaixo da força bruta e da barbárie. Diante dessa perspectiva, valores como a liberdade de ideias, a defesa da igualdade, os direitos humanos e a justiça para todos ficam seriamente comprometidas.

O fato é que, em todos os lugares onde não há democracia, quem mais sofre é a população pobre, justamente a que vive nas favelas, no campo e nas periferias das grandes cidades. Os mais pobres são os mais atingidos porque seus direitos, em regimes autoritários, são desrespeitados e suas vidas ficam expostas a violências de toda ordem.

Uma sociedade que abre mão da democracia e aceita o autoritarismo caminha para um abismo profundo. Nesse cenário, candidaturas de políticos que incitam a violência colocam em risco todas as pessoas e instituições – mesmo aqueles que defendem as próprias concepções autoritárias – e joga o país numa espiral de caos social cujas consequências podem ser terríveis.

Não podemos aceitar, sob nenhuma hipótese, que grupos ou candidatos flertem com práticas fascistas – eliminação de adversários, desinformação, incitação à violência e ao ódio – e as naturalizem como armas políticas. Precisamos defender a democracia!

Por conta desse momento histórico tão difícil, a Redes da Maré reafirma seus compromissos com o regime democrático. Defendemos a vida, os direitos humanos, a igualdade, a liberdade de crítica e, acima de tudo, defendemos um país onde as pessoas possam viver em paz, com segurança e compartilhando valores os democráticos.

Uma praga chamada agrotóxico

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Maré de Notícias #93 – 02/10/2018

Utilizado para proteger plantações, os pesticidas acabaram por se tornar verdadeiras ‘pragas’ para a saúde

Eliane Salles

Você certamente já ouviu falar em agrotóxico ou pesticida agrícola – produtos utilizados na agricultura para controlar insetos, doenças ou plantas daninhas que causam danos às plantações. O problema é que, com o passar do tempo, estudos revelaram que essas substâncias químicas que “protegem as plantações”, prejudicavam (e como!) a saúde. Usados em alta escala e em grandes plantações, os agrotóxicos estão presentes em quase todas as frutas, legumes e verduras – a não ser naquelas que vêm de pequenos produtores ou são cultivadas de maneira orgânica, ou seja, sem a adição de quaisquer componentes químicos ou tóxicos.

O resultado dessa ingestão indireta de agrotóxico não poderia ser diferente: uma lista de doenças e danos à saúde. “O consumo de agrotóxico traz malefícios cumulativos, no decorrer da vida, para o organismo. De acordo com estudos, eles vão impregnando o organismo. O que vemos é o aumento de casos de doenças cancerígenas; pouca absorção dos nutrientes oriundos dos alimentos, o que provoca muitas vezes pouca disposição no dia a dia; aumento de doenças degenerativas, como síndromes demenciais e dificuldade de desenvolvimento cognitivo das crianças”, explica a pediatra e especialista em saúde da família Cristiane Ponciano Gomes.

Isso por si só já é muito ruim. O pior, no entanto, é que, no Brasil, os grandes produtores utilizam largamente essas substâncias “O Brasil é o País que mais usa agrotóxico. Tem uma flexibilidade [em decorrência da legislação ] muito grande. O Brasil só não desponta como um dos lugares onde isso é mais grave, por falta de estudos. Mas a gente tem um agrobusiness (grandes empresas agricultoras) muito forte, temos a Bancada Ruralista – deputados e senadores donos ou ligados a grandes empresas ou propriedades agrícolas”, explica a engenheira florestal, mestre e doutora em Botânica Jaqueline Prata.

Uma lei nada legal para a saúde dos brasileiros

Nada é tão ruim que não possa piorar, ensina o dito popular. Mesmo já tendo uma legislação bastante flexível no que diz respeito aos agrotóxicos, um Projeto de Lei, de nº 6299/02, apelidado de “PL do Veneno” foi aprovado por uma comissão especial da Câmara. O texto deve passar por mudanças e seguir para o plenário da Casa e depois encaminhado ao Senado. A proposta é capitaneada pelo próprio Ministro da Agricultura, Blairo Maggi (um dos maiores produtores rurais do Mato Grosso e autor do plano em 2002, quando ainda era senador).

Durante sua tramitação, o Projeto de Lei 6299/02 absorveu outros projetos. O resultado foram mudanças significativas na legislação, como a que trata dos trâmites para a liberação do uso de agrotóxicos, que com ela se tornarão menos rigorosos. Outro retrocesso trazido pelo PL é a não proibição de determinados agrotóxicos.  Uma das mudanças se refere à própria nomenclatura dessas substâncias, que passarão a ser tratadas como “pesticidas” ao invés de “agrotóxicos”. Cabe lembrar que, caso passe, o Brasil estará na contramão da história. Enquanto os Estados Unidos e a Europa restringem as possibilidades de uso dessas substâncias, o Brasil parece – inacreditavelmente – querer expandi-las.

Dona Leir: contato com a natureza é fundamental | Douglas Lopes

Horta na Laje ou onde você quiser

Em meio ao burburinho da Nova Holanda, dona Leir Ribeiro Castro, 73 anos, criou um espaço para entrar em contato com a natureza, algo que não consegue viver sem, e relembrar seus tempos de menina em Itaperuna, Norte Fluminense, onde seus pais, agricultores, lhe ensinaram o amor pela terra. Na sua laje, com cerca de 30 metros quadrados, dona Leir cultiva tomate, romã, couve, cheiro verde, cana, boldo, limoeiro e muitas outras verduras e legumes. “Já tive até um pé de jabuticaba, mas depois dei pro meu filho”, conta.

Para adubar sua horta, dona Leir utiliza fezes das galinhas que cria (também em sua laje), além de fazer sua própria compostagem, utilizando cascas de batatas, cenouras, de ovos, entre outras.

Jaqueline Prata também tem sua hortinha particular, cravada na varanda de seu apartamento na Glória. De lá, ela, que adora temperos, retira alecrim, hortelã, manjericão, cebolinha e já chegou a ter tomate-cereja e alface. Tudo isso plantado em pequenos vasos ou cantoneiras. “O brasileiro acha que só o sal é tempero. Precisamos voltar a cozinhar com mais temperos, mais cheiro verde, mais alecrim. E melhor ainda se for retirado da nossa horta”, ensina.

Seu Jose Maria da Silva, 68 anos, hortelão do Projeto Hortas Cariocas também tem uma pequena horta (ou seria uma farmácia de produtos naturais?) em sua casa. Lá, Seu José planta mastruz, boldo, saião, erva-cidreira e muitas outras ervas que se convertem facilmente em remédios para gripe, indisposição gástrica, insônia, entre outras indisposições.

Mas seu xodó é a horta em que trabalha. Localizada atrás do CIEP Samora Marchel, Seu José cuida com todo o mimo de 16 canteiros de um metro de largura por 10 de cumprimento. O espaço, gerido pela Prefeitura, serve como sala de aula tanto do CIEP Samora quanto do Elis Regina, para várias disciplinas. De duas a três vezes por semana, Seu José abre sua “sala de aula” para receber turmas grandes e pequenas, ensiná-las as lições que a terra traz, ajudar os estudantes a plantar e depois, quando o que se plantou já está pronto para ser retirado, auxiliá-los na colheita. Aquilo que se é colhido é dividido para as escolas e para os alunos que as plantaram. “Aqui é tudo 100% orgânico. O bom é a pessoa consumir o orgânico, sem agrotóxico, sem veneno, só o que Deus manda”, diz.

Na horta são plantadas couve, berinjela, alho, alho-poró, coentro, entre muitas outras hortaliças que recebem, como cuidados, água e adubo feito pelo seu próprio José, a partir de cascas e folhas recolhidas nos CIEPs. “É difícil você saber quando um produto tem agrotóxico. Mas se você encontrar um pimentão muito grande, ele está com excesso de agrotóxico; se você ver uma folha de couve gigante, desconfia. Botaram veneno pra ela crescer. Tomate muito grande, sai fora”, ensina o hortelão.

Ao mestre, com carinho

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Maré de Notícias #93 – 02/10/2018

Mesmo enfrentando inúmeros problemas, mestres lutam pela educação pública na favela

Hélio Euclides

“…Testemunho que não deve faltar em nossas relações com os alunos é o da permanente disposição em favor da justiça, da liberdade, do direito de ser”. A frase, do educador Paulo Freire, revela o que é ser professor, e diz muito mais, ao docente que mora ou já morou no mesmo local onde leciona. Aqui, na Maré, encontramos vários mestres nessa situação, onde educar é valorizar a qualidade de vida de seus vizinhos.

Alguns professores não são moradores da Maré, mas se tornam residentes “honorários” com o passar do tempo. É o caso de Anna Maria Antunes, diretora da Escola Municipal Armando de Salles Oliveira. Tudo começou com o sonho do pai para que ela exercesse o magistério. “Fiz o concurso, passei e escolhi a Praia de Ramos, porque era próximo de casa. Falei que ia ficar só seis meses e já se passaram 30 anos. Comecei como professora e, com o passar do tempo, veio a direção da Escola. Aqui há uma relação boa de moradores com a escola e posso dizer que fiz muitas amizades”, afirma.

Quem olha para Marcelo Belfort dando suas pedaladas pelas ruas da Nova Holanda não imagina que ele está indo para o Colégio Estadual Professor João Borges de Moraes, onde é diretor. Ele atua, há anos, na sala de aula e relembra o que o motivou a ser um professor: “quando fiz História, foi para entender a minha família, a favela, a desigualdade social e a injustiça. Uma vontade pessoal de interferir, mas nunca me imaginei professor. O meu objetivo fundamental de ser professor é a busca do diálogo”. Ele acredita que um bom professor inspira outros. “Meu termômetro é minha filha que adorava assistir as minhas aulas. E agora segue o caminho: fez graduação em Filosofia e já é mestranda”, orgulha-se.

Para Viviane Couto, diretora-adjunta da mesma escola que Belfort, um bom mestre pode interferir na vida de um aluno. Ela mesma teve uma experiência tão positiva com uma professora, que a homenageou, colocando o nome dela em sua filha. “Minha professora tinha um canal de comunicação muito bom conosco. Ela conseguia entender algumas questões que não entendíamos, e isso nos fazia sentir amparados. Hoje, me inspiro nela e, por isso, fiz essa homenagem”. Para Viviane, é gratificante fazer pequenas revoluções na favela onde mora. “Ver o aluno mudando a perspectiva pela educação é o que nos faz continuar a trabalhar”, ressalta.

 

Atuar aqui não é só dar aulas e nem olhar só para o umbigo; é mais do que só desejar receber o salário no final do mês ou querer que dê tiro para não ir trabalhar. Trabalhar onde mora é entender o ambiente, é desejar uma aproximação, é estar no dia a dia do aluno”. (João Lanzellotti, diretor do CIEP Professor Cesar Pernetta e professor do PEJA na Escola Municipal Clotilde Guimarães e da UNISUAM).

 

A arte de ser professor e morador

Priscila Alves, professora de Filosofia no Colégio Estadual Professor João Borges de Moraes, conta que, na faculdade, entendeu o poder revolucionário da educação. “Decidi que a minha revolução seria na Maré, algo que não é fácil. A partilha do conhecimento, num território onde isso é negado”. Ela se lembra que alguns professores tiveram importância na sua trajetória. “Não me esqueço de Isabel Cristina, da Escola Clotilde Guimarães, que falava: “não é para quem pode, é para quem quer! E isso desabrochou o meu desejo de lecionar”.

“Quando entro em sala, penso em devolver o que aprendi, e que preciso lecionar na favela, no lugar do qual eu venho. Na minha prática, tento trazer para a sala de aula o cotidiano do aluno, como a operação policial, que traz angústia, algo que sinto na pele, pois tenho acesso ao mesmo lugar”, desabafa Priscila. Ela resume que a sua motivação vem diariamente do diálogo com os estudantes. “Isso se reverte numa boa aula. Algo que tem de ser planejado, um ritual de cada aula, esse é o diferencial, a fuga da rotina”, relata.

Quando essa sensação de educar o seu território contagia uma família, de oito irmãos, cinco acabam envolvidos com a educação e, desses, dois na Maré. Stela Lanzellotti é professora na Escola Municipal Escritor Ledo Ivo; seu irmão, João Lanzellotti, é diretor no Centro Integrado de Educação Pública (CIEP) Professor Cesar Pernetta, e leciona no Programa de Educação de Jovens e Adultos (PEJA) na Escola Municipal Clotilde Guimarães, além de trabalhar com disciplina pedagógica na UNISUAM. O diretor lembra, com carinho, que já deu aula para três gerações de alunos na Maré.

João tem uma história interessante. Na década de 1970, estudou na Escola Clotilde e hoje retorna como professor. “Nunca pensei em voltar à mesma escola, só que agora dando aulas. Retornar como professor numa sala de aula da Maré é uma experiência prazerosa. Entendo que é bom esse convívio com os alunos e responsáveis. Acaba a formalidade da reunião e se cria um vínculo. Atuar, aqui, não é só dar aulas, e nem olhar só para o umbigo, é mais do que só desejar receber o salário no final do mês ou querer que dê tiro para não ir trabalhar. Trabalhar onde mora é entender o ambiente, é desejar uma aproximação, é estar no dia a dia do aluno. Além de ser um luxo, não precisamos pegar ônibus”, brinca.

Ele acha que o Dia dos Professores precisa ser lembrado como um momento de luta. “É triste, na nossa carreira, ver um governador pedir para policiais levantarem os cassetetes para bater nos professores. O desrespeito continua quando há operações policiais, que impedem o nosso trabalho. Outro fato que não valoriza o profissional é o salário, o resultado é a sobrecarga, já que precisamos lecionar em vários locais. O professor não tem tempo nem de cuidar da saúde! Só se aproxima do magistério quem tem prazer. A maior parte do meu dia passo na escola, é minha segunda casa”, avalia o professor João.

Desvalorização profissional: eis um grande problema

Francisco Valdean é fotógrafo e professor nos Colégios Estaduais Bahia e Professor João Borges de Moraes. “Estudei aqui no Bahia e trabalhar onde estudei é a possibilidade do retorno do conhecimento, de um território que eu estudo no meu mestrado, que é a Maré”, afirma Francisco.

“Aqui na Escola Bahia trabalho a Sociologia da cultura local e um dos temas é a bibliografia de moradores; são inúmeros anônimos e outros conhecidos, como o cantor Naldo e a vereadora Marielle. Já na Professor João Borges de Moraes o tema é a história da Maré, uma exploração local. Na Maré, dou aulas para filhos de amigos meus. Isso é um prazer”, conta o professor Francisco. Para ele, a tristeza da educação é ver uma sociedade que reconhece o papel do profissional, mas por outro lado, falta investimentos no ensino público.

Cleber de Lira, professor do Colégio Estadual Tenente General Napion destaca que é satisfatório dar aulas onde mora e que sempre entra em sala de coração aberto. “Dessa forma, percebo um jovem da comunidade que busca enxergar as expectativas. Essa percepção faz com que a aula deixe de ser só um mero conteúdo”, revela. Como todos os professores, a valorização é a palavra-chave. “É necessário valorizar o servidor público, com salário digno e estrutura de trabalho. Passamos por uma batalha diária e precisamos ter disposição, apesar da ausência de condições. Mesmo na limitação, tentamos passar o máximo que podemos fazer. Mostramos que a educação é a alternativa concreta para a melhoria da condição social”.

Elas e eles sabem o que querem

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Maré de Notícias #93 – 02/10/2018

Jovens da Maré expressam suas expectativas com relação às eleições e pós-eleições

Jéssica Pires

A geração dos “primeiros votos” da Maré apresenta muitas demandas e se sente pouco representada: essa é a primeira constatação ao questionar os jovens do Complexo da Maré sobre o atual momento político. Boa parte dos entrevistados faz parte dos 1,4 milhões de adolescentes de 16 e 17 anos que tiraram Título de Eleitor, este ano, para participarem do pleito do dia 7 de outubro, segundo o Tribunal Superior Eleitoral. O dado apresenta o inverso do que o senso comum mostra – o jovem quer, sim, ir às urnas para garantir pautas e direitos.

Apesar da expectativa para as eleições não ser das melhores, diante do cenário político turvo em que o País se encontra, a ansiedade e a busca pela garantia de direitos não são pequenas. E os jovens da Maré sabem muito bem o que querem: “na escola, o inglês é muito mal o ‘verbo To be’”, disse Nívea Mariana (22 anos), moradora da Maré, que pretende prestar vestibular para Enfermagem.

Na pauta, educação

A garantia por uma educação de qualidade é um ponto em comum entre as demandas dos jovens eleitores da Maré. Não é para menos. As escolas das favelas da Maré funcionam das 8h às 16h, uma hora a menos que as de outros territórios. Isso porque a Maré é considerada uma área de risco. O Fundo das Nações Unidas para a Infância– Unicef (http://uni.cf/2Dl7nzc)) definiu, no documento “Eleições 2018 – Mais que Promessas – Compromissos reais com a infância e a adolescência no Brasil”, as prioridades para o debate dos candidatos nas Eleições 2018.  Uma delas é a “promoção de uma educação de qualidade para todos”. Esse é um documento-base, importante para a análise das propostas dos candidatos.

Em 2017, foram 35 dias sem aulas nas escolas das favelas da Maré em decorrência de operações policiais, segundo dados do Eixo de Segurança Pública e Acesso à Justiça da Redes da Maré. Ellen Batista, de 14 anos, jovem moradora da Maré que se prepara para os concursos de escolas de Ensino Médio técnico, indagou aos candidatos ao Governo do Estado do Rio de Janeiro presentes no Debate Público na Maré, promovido pelo Fórum Basta de Violência – Outra Maré é Possível, ocorrido no dia 18 de setembro: “como vocês pretendem melhorar a Segurança Pública para evitar que a gente perca aula, já que toda hora tem operação policial?” Em conversa com o Maré de Notícias, Ellen Batista acrescentou: “quando tem operação policial aqui, eu fico com medo. A Maré fica com medo”.

O debate reuniu cerca de 400 pessoas no Centro de Artes da Maré. O público do debate foi formado, em sua maioria, por jovens, que participaram ativamente, apresentando demandas diversas, sobretudo, sobre Segurança Pública, acesso à Saúde e à Educação. Dos 12 candidatos ao Governo do Estado do Rio de Janeiro, apenas quatro marcaram presença no debate: Marcia Tiburi (PT), Dayse Oliveira (PSTU), Luiz Eugênio Honorato (PCO) e Ivanete Conceição da Silva (candidata a vice-governadora de Tarcísio Motta, do PSOL).

Confiança e representatividade

De acordo com Pesquisa Datafolha, a percentagem de votos nulos e brancos dobrou em relação a 2014 e 13% dos eleitores dizem que não votarão em um candidato específico. Essa é a maior percentagem em 16 anos, segundo a Pesquisa. O número confirma a fala dos jovens da Maré: há falta de representatividade entre os candidatos em relação às demandas dos jovens, e pouca confiança nos políticos.

Alessandra Justino, de 20 anos, moradora da Maré, que pretende cursar Relações Internacionais e vota pela primeira vez nesta eleição, diz não se identificar com os candidatos. “Você deve buscar pessoas com quem você se identifique”. Já para Ellen Batista, a jovem de 14 anos que mobilizou aplausos com o questionamento aos candidatos presentes no debate público, afirma: “essa coisa de representatividade é muito difícil, porque não sou só ‘eu’ que tenho que ser representada. Somos todos nós”.

Creusa Maria, estudante de Produção de Eventos da Faetec, acredita que apesar de o jovem ter mais espaço de fala atualmente, essa voz não é ouvida: “eles não dão importância à nossa fala. Eles não chegam aqui, tudo para na Avenida Brasil (…) colocam a gente em uma bolha, e não tem como se sentir representado. É impossível”.

Além da questão da representatividade, os recentes casos de corrupção em todos os níveis de cargos públicos no País fazem o jovem repensar esse modo de fazer política. No ranking global publicado em fevereiro deste ano, pela Transparência Internacional, organização internacional dedicada à luta contra a corrupção, o Brasil ocupa o 96º lugar no Índice de Percepção da Corrupção, entre 180 países analisados. A pesquisa aponta que esta é a pior colocação do Brasil nos últimos cinco anos. “Às vezes é difícil acreditar nas pessoas. Principalmente para nós que estamos na Maré”, acrescenta Nívea Mariana, que acredita ser a falta de credibilidade dos elegíveis a maior dificuldade para a escolha de um candidato.

Juventude participativa não é novidade no Brasil

“A juventude foi protagonista no processo de redemocratização do País”, diz Tamyres Ravache, doutoranda em Ciência Política da UERJ. Este ano, completamos 30 anos do processo de redemocratização. Em 1988, a Constituição que rege as leis brasileiras até hoje foi elaborada com participação popular e garantiu o avanço na validação de direitos trabalhistas, liberdade de expressão, entre outros.

“Os jovens são vanguarda de muitos movimentos progressistas. A juventude é articulada, é criativa e, sobretudo, capaz de realizar muitas mudanças. A voz dos jovens deve não ser apenas ouvida, mas procurada. O jovem precisa ser consultado. Afinal, é fato que os jovens de hoje serão o futuro do País daqui a algumas décadas”, explica Tamyres, que complementa: “os jovens têm criado cada vez mais maneiras inteligentes e sofisticadas de passar mensagens políticas. Essas ações têm potência positiva sobre a questão da participação e representação da juventude no futuro”.

Segundo a especialista, apesar de o jovem de favela e da periferia não se verem representados no atual modelo político do País, ele cria estratégias de ativismo em busca dessa representação e participação. “Podemos observar isso nas atividades culturais, intervenções artísticas que grupos de Slam, teatro e rap, por exemplo, promovem nas praças, nos transportes e nas mídias sociais, atingindo e atraindo seus pares para um olhar mais crítico e interessado na sociedade”, conclui.

A Maré, diga-se de passagem, é um exemplo claro de múltiplas ações de jovens em diversos meios. Os fundamentos do modelo de política adotado pelo Estado, portanto, não contemplam os anseios dos jovens eleitores. Sobretudo, dos jovens da Maré e suas especificidades. Porém, a criatividade potente, que desde sempre percorreu os movimentos criados nesse território, chega também para “fazer política”, diferente desse modelo.  “São inúmeros grupos de jovens negras e negros, pobres, moradores de comunidades envolvidos em atividades de arte e cultura, ocupando e revitalizando espaços urbanos, inventando maneiras de comunicação. Isso sem falar da força jovem nos movimentos mais amplos que lutam por direitos progressistas nas áreas de saúde, moradia, educação, direito a terra, direitos quilombolas e indígenas”, comenta Tamyres Ravache.