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Maré de Notícias #79

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Precisamos falar de sífilis

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Aumenta os casos de infectados e o tratamento é gratuito pelo SUS

Hélio Euclides

A automedicação é um perigo e pode levar à morte, em alguns casos. A conversa ao pé do ouvido com o atendente da farmácia, atrás de um paliativo para qualquer doença não é indicado para ninguém. No caso da sífilis, o risco ainda é maior.  A doença sexualmente transmissível é causada por uma bactéria, a Treponema pallidum e tem três estágios. No primeiro surge uma lesão, parecida com uma verruga, chamada de cancro, nos órgãos sexuais ou na boca.  Com o não tratamento ideal, a doença vai para a segunda fase, com lesão na pele, em geral, nas palmas das mãos e nas solas dos pés. A última fase, que pode levar à morte, as lesões são internas, mais tradicionalmente no cérebro. “O diferencial é tratar logo no primeiro estágio. A cura vem com tratamento no SUS (Sistema Único de Saúde), e nunca na farmácia. Não existe vacina para a bactéria; a cura só vem com o tratamento”, comenta Rosana Neves Tubarão, médica de família, do Centro Municipal de Saúde Samora Machel.

Segundo dados do último Boletim Epidemiológico de Sífilis, entre 2014 e 2015, a sífilis adquirida teve um aumento de quase 33%; a sífilis em gestantes 21% e a congênita, em que a mãe passa para o bebê, aumentou 19%. Dados da Secretaria Municipal de Saúde revelam que, em 2016, a taxa de detecção de sífilis na gestação por mil nascidos foi de 44,92%. No mesmo ano, a taxa de incidência de sífilis congênita por mil nascidos vivos foi de 18,30%. A cura é com o uso de Penicilina benzatina, popularmente conhecido por injeção de Benzetacil. “Esse antibiótico foi o primeiro que surgiu no mundo. O tratamento é feito em três semanas, com duas injeções semanais”, revela a médica. Ao desconfiar da contaminação, o paciente procura o SUS, que oferece os testes gratuitamente. Há o rápido, com resultado na hora. O de sangue, para saber a titulagem da doença, e o teste FTA-ABS, que verifica a presença da bactéria. “Qualquer pessoa da Maré pode vir fazer o teste rápido, é tudo sigiloso”, explica Rosana.

A bactéria também aparece em mulheres grávidas. “Importante o tratamento da gestante, pois a bactéria ultrapassa a barreira da placenta, e o bebê, se contaminado, pode ter sequelas neurológicas. Mas com o pré-natal no início da gravidez é possível detectar a doença logo no começo e, com o tratamento, tanto a gestante quanto a criança ficam bem”, destaca Rosana. A Maré tem muitos casos da doença, e não são poucas notificações na gravidez.

A prevenção é o melhor remédio. “Ter relações sexuais apenas com o uso de preservativo. Nossa unidade de saúde tem um display, onde cada um pega quantos quiser, não precisa pedir, é gratuito”, avisa a médica. “Não pode parar de usar camisinha, não conhecemos o parceiro. Hoje quem vê cara não vê coração, a pessoa ter uma fisionomia boa não significa nada. Leve o seu preservativo para casa, não confie na camisinha dada por outra pessoa, pode estar furada. Leve na bolsa e na carteira, para uso a qualquer momento”, adverte Bruna de Lima, técnica de enfermagem.

Importante, no caso de um parceiro conhecido, é tratar o casal. “O tratamento tem de ser feito na pessoa que procurou o médico e no seu companheiro ou companheira, pois a doença é uma teia. O complicado é convencer o companheiro, que muitas vezes acusa a mulher de traição, tirando seu corpo fora”, critica Rosana. Uma vez por ano tem no Programa Fique Sabendo uma mobilização de combate à sífilis na Maré. “Há campanhas no final do ano, e como os casos são muitos, nesse período não paramos, é o dia inteiro aplicando injeção”, conta Marilza. As duas profissionais avisam: o paciente que ficou curado pode ter a doença novamente, então mais um motivo para se prevenir sempre. Em caso de dúvidas, é só comparecer a uma unidade de saúde e conversar com o profissional para realizar o Teste Rápido.

Artigo: Alfabetização como ação cultural para a liberdade

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“Vi…la, Vi…la, Vila I…, é Vila Isabel, professora? É Vila Isabel? ” Diante de minha afirmativa, Seu Augusto, um pernambucano de 60 anos, ao terminar de ler o destino do ônibus, com lágrimas nos olhos, fitou os passageiros que aguardavam o transporte coletivo e, em meio a pulos, com o punho fechado erguido pra cima, começou a gritar: “Eu sei ler!!!!! Eu sei ler !!!!” Para algumas pessoas que presenciavam a manifestação de meu aluno, a felicidade expressada por ele podia parecer exagero. Porém, a possibilidade de saber o itinerário de um ônibus, sem precisar usar a desculpa do esquecimento dos óculos ou admitir o fato de não ser alfabetizado, era algo libertador para Seu Augusto, como tantas vezes ele falou em sala de aula. Envolvia não só a capacidade de ler e escrever, mas acima de tudo possibilitava sua autonomia e a ruptura com processos de interdição.

Passadas mais de duas décadas, eu ainda me emociono ao relatar o que vivi, naquele dia, na posição de professora alfabetizadora, que acompanhava a luta diária de operários jovens e adultos para garantir o direito à educação. Reflito que algumas situações vividas por pessoas não alfabetizadas, muitas vezes, marcadas pela dor, vergonha, angústia e humilhação, não são possíveis de serem sentidas pelas pessoas alfabetizadas. Como alguém que tem autonomia com a linguagem escrita, posso até dizer que imagino, entendo,  compartilho a angústia vivida por elas, mas só elas podem sentir na carne o que é, em determinados momentos, serem tratadas como incapazes, como aquelas que nada sabem. Sentem na pele o que é se colocadas numa posição subalterna, à margem, ainda que essa margem faça parte da sociedade.

Hoje, como coordenadora do Programa Integrado da UFRJ para Educação de Jovens e Adultos, ao atuar com a formação de novos alfabetizadores, observo meus alunos vivenciando emoções semelhantes as que eu vivi. Percebo a emoção, o encantamento dos alunos com a prática educativa e a ampliação do entendimento do que é o processo alfabetizador. A alfabetização é muito mais que o ato de ler e escrever. Em nossa sociedade, ela está intrinsecamente relacionada com o binômio saber-poder, pois mais que um meio de comunicação, a linguagem é também o meio de construirmos os significados daquilo que comunicamos. Nesse sentido, a alfabetização se constitui como uma “faca de dois gumes”, pois tanto pode ser brandida em favor da emancipação, do crescimento social e cultural, como para a perpetuação das relações de desigualdade e dominação.

De acordo com os últimos dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), atualmente, no Brasil, 8% da população acima de 15 anos de idade é de analfabetos absolutos. Porém, se considerarmos também os chamados analfabetos funcionais, ou seja, aquelas pessoas que não conseguem compreender o que leem ou que entendem alguma coisa, mas são incapazes de interpretar e relacionar informações, esse percentual é muito maior. Não raro ainda encontramos em sala de aula do Ensino Médio alunos que não conseguem explicar o que acabaram de ler. Esses dados refletem as desigualdades socioeconômicas históricas no País e vão interferir, significativamente, nas relações sociais e na organização de uma sociedade democrática.

Diante disso, a alfabetização não pode ser tratada meramente como uma habilidade técnica a ser adquirida, mas, sim, como fundamento necessário à ação cultural para a liberdade, aspecto essencial daquilo que significa ser um agente individual e socialmente constituído. A alfabetização é um ato de conhecimento, de criação e não de memorização mecânica. (Freire, 1994). Não podemos permitir que nossa população tenha de aguardar mais de seis décadas de vida para, tal como Seu Augusto,  liberar da garganta o grito libertador: “Eu sei ler !!!!! Eu sei ler!!!!” Grito este, que mais  que anunciar uma novidade, anuncia a ruptura com a interdição e, ainda, a possibilidade de emancipação social e cultural.

Analfabetismo Funcional: Um obstáculo ao real cumprimento da cidadania

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Um em cada quatro brasileiros não consegue compreender textos simples, como bula de remédios e manuais de eletrodomésticos

Diego Jesus

Segundo pesquisa divulgada pelo Instituto Paulo Montenegro e pela ONG Ação Educativa em 2016, um entre quatro brasileiros é considerado “analfabeto funcional”. Em muitos casos, os analfabetos funcionais conseguem reconhecer letras, desenvolver leituras e resolver operações matemáticas simples. Apesar disso, esses indivíduos apresentam dificuldades na interpretação de textos longos e na resolução de problemas numéricos mais complexos, como a leitura de gráficos e tabelas. Os analfabetos funcionais não conseguem compreender textos como notícias, bulas de remédio, manuais de eletrodomésticos, passagens bíblicas, como também têm limitações ao preencher formulários de emprego e até mesmo ao escrever mensagens instantâneas utilizando aplicativos de celular e páginas da internet. É possível que um indivíduo analfabeto funcional não consiga explicar o que leu logo após ter finalizado a leitura de um texto longo. A causa do problema está na baixa qualidade do ensino. Muitos trabalhadores analfabetos e analfabetos funcionais, principalmente no caso daqueles com idade avançada, têm dificuldades para retornar à escola. A longa carga horária no trabalho implica indisposição para enfrentar a sala de aula – o que desestimula essas pessoas a aprender a ler e escrever ou a aperfeiçoar o que já sabem. Os graus de analfabetismo mexem diretamente com a autoestima dos indivíduos nessa situação.

Educação de Jovens e Adultos

Gisa Gonçalves, 34 anos, diretora do CIEP Gustavo Capanema, localizado na comunidade Vila do Pinheiro, na Maré, relata a experiência da escola com o – Programa de Educação de Jovens e Adultos (PEJA). O programa tem 30 anos e, inicialmente, atendia a adultos e pessoas da terceira idade que tentavam retornar para a escola. Esse perfil mudou com o passar do tempo. Nos últimos anos, o PEJA na Maré tem sua clientela formada em grande maioria por jovens e adultos com idades entre 16 e 30 anos. “Nós realizamos uma pesquisa anual com os alunos para saber qual a intenção deles com o retorno ao ensino noturno. Muitos são trabalhadores analfabetos, pessoas que nunca tiveram contato com a escola, ou analfabetos funcionais, pessoas que já estiveram inseridas no sistema de ensino, mas desejam expandir seus conhecimentos para terem melhores oportunidades de emprego no mercado de trabalho”, relata Gisa. Diferentemente do ensino diurno, dividido por anos, o PEJA está organizado por blocos. Os níveis atendem da Alfabetização ao Ensino Fundamental 1, e a transição de um bloco para o outro depende do rendimento do próprio aluno. Segundo Gisa, “o CIEP Gustavo Capanema conta com um grupo de professores que está há 20 anos na escola desenvolvendo esse trabalho. Apesar de todos os problemas de violência que a Maré vivencia cotidianamente, eles estão engajados em transformar a realidade local por meio da educação”.  O CIEP Gustavo Capanema atende, atualmente, a 285 moradores da Maré por meio do PEJA, com faixa etária de 16 a 70 anos. Segundo a diretora da escola, a experiência com o programa identifica que a recorrente presença de analfabetos funcionais é consequência da precariedade no sistema educacional brasileiro em todas as instâncias. Os jovens que retornam aos estudos por meio do Programa apresentam grande dificuldade no desenvolvimento da escrita, apesar de, em muitos casos, já terem passado anos frequentando a escola.

Analfabetos funcionais na era digital

Nos últimos anos, a inclusão digital expandiu as possibilidades de exercício da escrita e da leitura. Apesar disso, o analfabetismo funcional é responsável por boa parte das pessoas que utilizam a internet não experimentarem seu potencial educativo plenamente. Embora seja uma fonte de descobertas de informações, levando seus usuários ao contato constante com textos de notícias, curiosidades e, até mesmo, obras literárias, por conta do baixo acesso à educação, moradores principalmente de países pobres exploram menos conteúdos do que poderiam. O WhatsApp é um exemplo atual da intensa troca de informações por meio da leitura e da escrita ao redor do mundo. O aplicativo, utilizado por mais de um bilhão de pessoas, chega a registrar a troca de 42 bilhões de mensagens por dia. Ainda assim, estudos desenvolvidos por escolas e empresas têm identificado as profundas dificuldades de seus alunos e funcionários em se comunicar por meio da escrita e interpretar mensagens mais complexas compartilhadas no aplicativo. Em muitos casos, analfabetos funcionais acabam usando a ferramenta apenas com o auxílio de gravação de voz e compartilhamento de imagens, o que os leva a não fazer o uso da internet de forma que colabore para o desenvolvimento de suas habilidades de leitura e escrita.

A dificuldade para ingressar na Universidade

Diversos brasileiros que tentam ingressar na universidade se deparam com a dificuldade de realizar a prova de redação. A redação no vestibular ou prova do ENEM é o momento em que o candidato deve comprovar a sua habilidade de reflexão e de escrita, baseando-se nos temas apresentados no teste. Pelo pouco contato com a leitura e por não exercitar a escrita, muitos que tentam ingressar no Ensino Superior são impossibilitados de desenvolver um texto que argumente de forma precisa sobre as questões apresentadas. É cada vez mais importante que as políticas públicas sejam pensadas para alcançar um número maior de brasileiros em situação de analfabetismo. O processo de alfabetização pode resultar no prosseguimento dos estudos, gerando a conquista de empregos formais por meio de cursos profissionalizantes e resultando, até mesmo, no ingresso à Universidade.

Segundo informações do INAF (Indicador de Analfabetismo Funcional), órgão responsável por medir os graus de alfabetização dos brasileiros, a maior parcela de analfabetos está na população de cor negra, o que sinaliza a desigualdade na garantia ao acesso à educação no País, presente com maior gravidade na realidade dos moradores de periferias. De acordo com a pesquisa, apenas 37% dos entrevistados que se autodeclaram negros terminaram o Ensino Médio, acompanhados por 17% que conseguiram ingressar na Universidade. É preciso lembrar, ainda, de como o analfabetismo acontece historicamente no Brasil. Por muito tempo os analfabetos foram impedidos de exercer direitos como, por exemplo, o de votar. Em 1957, 70% dos brasileiros eram analfabetos. Apesar de exercer diferentes aspectos de sua cidadania, como o pagamento de impostos e funções de trabalho diversas, o analfabeto, na época, não tinha a liberdade de exercê-la plenamente e decidir quem seriam os seus representantes políticos. Em 1964, após uma tentativa de garantia do voto facultativo aos brasileiros analfabetos, por meio de um Projeto de Emenda à Constituição, a resposta da grande maioria dos políticos da época argumentou que a medida levaria ao “crescimento de um eleitorado de tendência subversiva”. Tal afirmação ajuda a entender o interesse político por trás da manutenção da desigualdade social, ainda mais se considerarmos o baixo investimento nas políticas públicas voltadas para a educação no Brasil ao longo da história.

Nos últimos 15 anos, o Brasil passou por um lento progresso na ampliação do acesso à educação. O investimento em projetos como o PEJA e a criação de 18 universidades públicas são dois dos inúmeros exemplos das iniciativas adotadas para a inclusão de brasileiros pobres a diferentes níveis do sistema educacional. Atualmente, medidas governamentais têm ameaçado violentamente os direitos conquistados pela população.

A Proposta de Emenda Constitucional de número 241/55 é um exemplo desse retrocesso. Aprovada em dezembro de 2016, põe em prática a limitação dos investimentos em educação para os próximos 20 anos, o que vai na contramão de medidas adotadas por diversos países ao redor do mundo que pensam a educação como meio essencial para o desenvolvimento social e econômico de suas populações. Como escreveu o pensador Paulo Freire, ícone da reflexão sobre educação no País, “seria uma atitude ingênua esperar que as classes dominantes desenvolvessem uma forma de educação que proporcionasse às classes dominadas perceber as injustiças sociais de maneira crítica”. É talvez agora, mais que nunca, tempo de luta pela liberdade, e esta só será possível com a manutenção do desejo de aprender a partir da escola e para muito além dela.

 

Com 44 escolas, Maré ganha uma Subgerência Municipal de Educação

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Hélio Euclides

A professora Fátima das Graças Lima Barros é coordenadora da 4ª Coordenadoria Regional de Educação e tem a incumbência de organizar uma Subgerência na Maré.  Tivemos uma conversa com ela.

Como surgiu a ideia de uma Subgerência na Maré?

No início do ano houve um grande conflito no limite ou divisa, como falam. Um diretor pediu socorro pelo WhatsApp. Eu era conselheira da Rede de Educação, e tínhamos uma reunião depois do carnaval, na Maré. Então com apoio da 30ª Região Administrativa (RA), enviamos fotos do que se passava, e o Secretário de Educação, Cesar Benjamin, antecipou a reunião. Nela foi formado um Grupo de Trabalho que reúne cinco diretores que pensaram ações, como a criação de uma Subgerência da CRE.

  1. Quem assumirá a Subgerência?

A diretora da Escola Escritor Lêdo Ivo, Marisa Matos, vai assumir. Ela conhece bem a Maré e vai acrescentar muito. Essa Subgerência vai possibilitar ações mais rápidas e um olhar mais próximo da Secretaria. Em agosto pretendemos inaugurar esse trabalho no prédio da Região Administrativa.

  1. Como a escola pensa segurança?

Um Decreto da antiga Secretária, Cláudia Costin, deu autonomia para o diretor suspender ou não as aulas. Hoje, os diretores entram num consenso, com o uso do WhatsApp. Depois a escola se programa como vai suprir a questão pedagógica; cada uma faz do seu jeito, há democracia. Um exemplo: a Escola Olimpíadas Rio 2016 fez uma plataforma digital, pensando em uma aluna com problemas de saúde. Depois se avançou para recuperar dias perdidos. A Secretaria está com parcerias para, no futuro, essa conectividade chegar a toda a Maré, na qual o aluno vai interagir por meio do celular. Uma pró-atividade que começou na Maré.

 

  1. O que farão contra o vandalismo?

Algumas escolas são arrombadas e se gasta muito com cadeados novos. O importante é mostrar ao morador que a escola é dele e todos precisam cuidar. Na quadra dos CIEPs Elis Regina e Samora Machel estamos em contato com a Região Administrativa, para se criar um novo local de lazer para a Maré. O objetivo é expor que é preciso ter regras para que todos possam usufruir de espaços públicos, com cuidado para não estragar nada.

  1. Existe algum projeto para a Praia de Ramos e Marcílio Dias?

Ainda existe um deficit, mas não é só construir, existe a responsabilidade com a estrutura. Na Praia de Ramos o que falta é a Educação Infantil para crianças com até dois anos de idade. Já na Kelson’s só tem a Escola Primária Cantor e Compositor Gonzaguinha, e o planejamento deverá ser maior. Boa parte das crianças e adolescentes precisa andar quatro quilômetros para estudar do outro lado da Avenida Brasil. A Kelson’s precisa entrar no mapa da Maré.

  1. Ainda há falta de professores na Maré?

Hoje, praticamente, não há carência. O concurso e a dupla regência supriram a falta que existia. O Secretário vai se reunir com o Prefeito para o retorno da dupla regência, o que depende de orçamento. Hoje (14/07), são seis vagas de professores, mas em meia hora esse número pode mudar. Ocorrem, diariamente, as licenças temporárias, especialmente após confrontos, quando profissionais ficam abalados e doentes. A mídia atrapalha, pois faz propaganda negativa da Maré, o que afasta o recém-contratado. Quando passa no concurso, o professor não deseja ir para a Maré, mas quem vai não deseja sair.

  1. No passado foi divulgada a migração como solução para falta de professores. Hoje não é mais utilizada essa opção?

A migração de professores que trabalham 16 e 22 horas para 40 horas foi suspensa, por motivo de orçamento. Mas estamos solucionando de outras formas.

  1. Qual a avaliação do turno único?

É a melhor coisa que pode acontecer. O aluno permanece sete horas na escola, onde aprende e o profissional ensina, ambos de uma forma calma. O professor tem mais tempo para planejar. Criança precisa estar na escola, com estrutura para ela aprender valores. Nessas horas, o aluno tem atividades como Educação Física, Artes, Língua Estrangeira e Educação Musical. Além do ensino curricular e atividades, a carga horária prevê alimentação. Em algumas escolas há o Programa Mais Educação, quando além das sete horas, é acrescida uma carga horária de uma ou três horas de jornada escolar.

Viver sem temer

Juíza determina que viaturas deverão ter câmeras e GPS na Maré

João Ker

Em 27 de junho, a Juíza Ana Cecília Argueso Gomes de Almeida, da 6ª Vara da Fazenda Pública do Estado do Rio, acatou uma Ação Civil Pública que tem o potencial de mudar a realidade de quem mora na Maré. Ela tomou uma decisão que é um marco histórico no País: no prazo máximo de seis meses, o Estado deve criar um plano efetivo para reduzir o número de vítimas durante as operações policiais na região. Por meio de um sistema de monitoramento com câmeras, GPS e áudio em todas as viaturas da PM, além da presença obrigatória de ambulâncias durante o cumprimento de todas as operações policiais na Maré (que deverão ser cumpridas durante o dia, salvo em situações de flagrante, delito ou desastre). A decisão abre um precedente inédito na relação entre a comunidade e o poder público, com o potencial de garantir um futuro melhor para os mais de 140 mil habitantes que ali moram e também para outras comunidades que podem lutar pelo mesmo direito.

 

Histórico da inédita conquista

A história dessa conquista dos moradores das 16 favelas da Maré começou ainda em junho de 2016. Quase um ano atrás, a comunidade passava pelo terror de mais uma operação policial às pressas e de maneira inconsequente: estudantes se espalhavam pelo chão de escolas, moradores estavam impedidos de circular pelas ruas e até os trabalhadores que precisavam voltar para casa se viram presos na região em mais um dos vários fogos cruzados entre policiais do BOPE e grupos civis armados. A situação precária se alongava pela madrugada e já havia feito vítimas fatais, até que presidentes das Associações de Moradores, representantes de ONGs, como a Redes da Maré e a Luta Pela Paz foram ao Plantão Judiciário solicitar a suspensão desse tipo de atuação policial.  Isso resultou em uma liminar que proibiu buscas domiciliares noturnas.  Dessa liminar, uma ação civil pública foi instaurada com o apoio do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos da Defensoria Pública. “Havia uma agente comunitária baleada, outro homem morto por bala perdida e os moradores não sabiam a quem recorrer. Nós então nos unimos e fomos ao plantão judiciário pedir a suspensão do cumprimento dessa ordem em período noturno”, explica Daniel Lozoya Constant Lopes, um dos defensores públicos à frente da Ação Civil. Em 18 de outubro, porém, esses agentes comunitários voltaram a se reunir para apresentar uma proposta mais concreta e que não tivesse apenas efeitos imediatos, mas garantisse os direitos dos moradores da periferia em longo prazo. E então começaram a surgir os esboços para aquela que se tornaria a Ação Civil aprovada neste ano. “Junto com a Defensoria Pública, tentamos responsabilizar o Estado por essas ações da PM. Dessa forma, colocamos a responsabilidade nas costas de quem permite que esses crimes aconteçam. Pensamos no que poderia ser feito para reduzir danos. Ambulâncias e câmeras são objetivas, mas questões de planejamento podem e devem ser realizadas. Como fazer uma operação militar no meio da tarde, com 12 mil crianças em colégios da Maré?”, questiona Lidiane Malanquini (29), coordenadora do Eixo de Segurança Pública da Redes da Maré.

Um fator primordial para entender qual a forma melhor de ajudar a população da Maré foi focar não no policial que infringe a lei durante as intervenções policiais, mas, sim, no Estado que permite e não pune tal infração. “A gente exige mais fiscalização e mais prestação de contas. Pedimos até que tivesse um superior hierárquico para fiscalizar essas ações em tempo real”, comenta Daniel. Entretanto, ele reconhece que o trabalho para garantir que essas mudanças sejam efetuadas ainda é longo. “Agora, temos de cobrar das autoridades superiores, de quem está lá na alta cadeira hierárquica. Os policiais também têm responsabilidade, mas temos de pressionar seus superiores”. “É de fato inovador que tenha saído uma decisão como essa, uma ferramenta de luta para influenciar as políticas públicas. É uma decisão judicial, então você tem de cumprir”, argumenta Lola Werneck (30), coordenadora da Liderança Juvenil na Luta Pela Paz.

 

O poder da denúncia

É impossível negar que os moradores precisaram de uma dose extra de coragem para se posicionarem contra o sistema e fincarem o pé no chão naquilo que diz respeito ao direito básico de uma vida digna e segura. Aí, mais uma vez, veio o papel das ONGs. “São poucos os que chegam a denunciar, porque muitos deles têm medo de serem perseguidos. De tudo o que acontece, 10% das pessoas chegam a falar com a Redes e, desses, só uns 2% denunciam de verdade”, comenta o Sr. Vilmar Gomes (53), Presidente da Associação de Moradores de Rubens Vaz. Morador da Maré desde quando tinha oito anos de idade, há 25 ele atua como um dos principais líderes comunitários na região. Parte fundamental do grupo responsável pela pressão popular sobre a Ação Civil, ele conta que desde quando chegou à Maré, a Polícia abusa do poder e faz vítimas durante suas operações. Um quadro que, ele observa, tem piorado nos últimos anos. “Vir para reprimir o tráfico é uma coisa. Agora, o que eles estão fazendo é covardia com os moradores e até roubando. Sem falar nas balas perdidas, todas às vezes! A cada dia que passa, as operações estão mais violentas”, reclama.

Vilmar, mais conhecido como Magá, conta que a sua própria casa já foi invadida em uma ocasião e os policiais, ao não encontrarem nada de incriminador, saíram dali levando todo o estoque de produtos de beleza que a sua esposa revendia, mais R$200 que estavam guardados na gaveta da cômoda. Apesar de reconhecer o rosto dos oficiais, ele diz que não prestou queixas naquela época por saber da impunidade com que o caso seria tratado. Hoje, entretanto, ele diz que agiria diferente. “Depois dessa parceria com a Redes, nós estamos orientando e conversando com os moradores para que eles não fiquem calados. Tem de fazer a ocorrência, porque quanto mais fizer, mais eles vão ficar sabendo”, diz, referindo-se aos órgãos públicos.

As denúncias oficiais também contribuíram no embasamento legal necessário para a Ação Civil Pública. Mas, antes que elas fossem protocoladas, foi necessário esclarecer que, mesmo com o resultado não vindo de imediato, ela era imprescindível em longo prazo. “Nosso trabalho é muito de fomentar o ato da denúncia. Porque se não tem registro, é como se não tivesse acontecido, e daí não podemos fazer nada para mudar essa realidade”, aponta Lidiane. Ela frisa a importância do Maré de Direitos no atendimento e acompanhamento jurídico desses casos, prestando de forma gratuita todo o auxílio necessário para que os moradores possam expor os problemas enfrentados sem sofrerem retaliações. “Quando você formaliza, existe automaticamente o registro de ocorrência, que também passa pela Defensoria e pelo Ministério Público. Ou seja, no mínimo três órgãos do sistema judiciário ficam cientes do caso”, esclarece.

Entre os jovens que atuam na Luta Pela Paz, a realidade é similar e o encorajamento por parte dos voluntários é incansável. “A maioria deles tem medo de fazer essa denúncia porque muitas delas não vão adiante. Então, há uma descrença generalizada em relação aos direitos que a população tem frente à polícia. Eles pensam: ‘Vou denunciar, vão invadir de novo e eu vou estar sozinha’. Por isso que trabalhamos muito com a resiliência do que é possível fazer e do que está sob a nossa responsabilidade”, conta Lola.

A Ação Civil Pública começa a vigorar em seis meses, provavelmente apenas no início do próximo ano, levando em conta que o Estado ainda deve recorrer contra a ordem. Ainda assim, ninguém pretende ficar parado e de braços cruzados até lá. “Nós nos encontramos com o Ministério Público e, mês que vem, temos uma reunião com a Defensoria. No mês seguinte, será com a Secretaria de Segurança. A ideia é fazer uma grande audiência, reunindo todo mundo e permitindo que os moradores da Maré façam propostas objetivas”, explica Lidiane.  E, como diz o próprio Sr. Valmir: “a gente está nessa luta e não pode parar”.

[vc_text_separator title=”Depoimentos de moradores sobre a Ação Civil:” title_align=”separator_align_left”]
[blockquote author=”JEFFERSON FERREIRA, 33 anos, gerente de supermercado”]“Concordo com a Ação Civil, porque tem muita covardia durante as invasões da polícia. Eles entram nas casas das pessoas, reviram tudo e batem nos moradores. Acho que, para entrar na casa de alguém, eles devem ter algum tipo de alvará ou autorização. E, também, quando for procurar alguém tem de ir com um destino certo, não sair dando tiro para tudo quanto é lado, como eles fazem.”[/blockquote]
[blockquote author=”JANETE, 48 anos, professora e comerciante”]“Eu não concordo com a Ação. Sabe por quê? Porque exigir que tenha ambulância é já pressupor que vão ter feridos, e eu não acho isso certo. O problema
todo é político. Enquanto não mudar a base, isso vai continuar estourando para cima da gente, porque a questão é bem maior. Hoje, vivemos um colapso político e social – estamos completamente à deriva. E isso não é um fato isolado, é resultado de uma má gestão que começa lá em Brasília.”[/blockquote]
[blockquote author=”PAULO CÉSAR, 45 anos, farmacêutico”]“O problema é a corrupção dentro da polícia. Quando acabar com isso, melhora. Eles querem pegar bandido, mas só porque ganham dinheiro assim. O trabalhador que não tem como pagar nada acaba tomando bala. Na Zona Sul eles não fazem isso. Por quê? Porque lá tem filho de promotor, de juiz… O governo precisa mandar alguém pra reunir todo mundo, ouvir o que a gente tem para falar e acreditar nisso.”[/blockquote]
[blockquote author=”MARLENE LIMA, 51 anos, comerciante”]“Acho que com as câmeras e o GPS a situação vai melhorar, porque pelo menos vão saber por onde [os policiais] andam. Mas não acho que a violência vá diminuir só no dia que a imprensa filmar tudo o que eles fazem. A bala do policial não tem destino, pode atingir qualquer um. Toda vez que eles invadem a favela, eu preciso fechar as portas da minha loja. A gente [os vendedores] abre depois, porque é nosso compromisso, mas não fica ninguém na rua. Não tem clima. A Maré não é um lugar ruim, só está abandonada.”[/blockquote]

Clique aqui para ler o documento com a decisão da justiça.