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Uma Maré de terra verde

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Perto de casa, as hortas incentivam alimentos saudáveis

Hélio Euclides

Nas grandes cidades, cada vez mais, a terra vem desaparecendo, fazendo prevalecer o asfalto e o cimento.   Há aqueles que lutam pelo espaço de plantio, pelo retorno do ambiente da zona rural em plena área urbana. O encarregado José Maria da Silva e seu ajudante José Targino são dois que aproveitam o pouco espaço de terra que ainda existe nas grandes cidades. Eles plantam feijão de corda, quiabo, couve, bertalha, manjericão, alfavaca, cenoura, fava, cana do brejo, hortelã e vinagreiro, na horta do terreno do CIEP Samora Machel, na Nova Holanda. Igualmente, outras três hortas visitadas não chamam a atenção apenas por produzir e trazer o interior para a Maré, mas por colherem produtos sem agrotóxicos, que moradores recebem gratuitamente ou a baixo custo.

Cada horta com sua peculiaridade e dificuldades que são superadas pelo amor a terra e às plantas colhidas. “Sou mineiro e desde 1970 eu trabalho com horta. A natureza é sabedoria, a terra é vida e, por isso, é um trabalho que traz felicidade, pois acalma a mente”, destaca José. Ele lembra que a horta do CIEP Samora Machel começou em 1996, e passou por inúmeros apoios até chegar à Prefeitura, com o projeto Horta Carioca. A Secretaria Municipal de Conservação e Meio Ambiente administra a horta com ajuda de custo, sementes e adubo.

A diminuição da Horta Carioca

Sobre as hortaliças produzidas nos canteiros, todas são alimentos orgânicos, e 90% são destinadas para as crianças do CIEP. “Elas visitam o espaço e recebem explicação sobre o que vão levar para casa”, conta José. Hoje são 16 canteiros, mas no tempo de glória o espaço utilizado de plantio era de 130 canteiros, com 12 funcionários. “É um absurdo a destruição. Quebraram o banheiro e o telhado do almoxarifado. O espaço em torno é uma lixeira. Aqui tinha tudo, hoje é reduzido”, comentou um morador que preferiu não se identificar. José já pensa no futuro: “esse espaço tem de ser preservado, não pode virar cimento, como a grande parte da cidade”, desabafa.

Em Roquette Pinto, há 5 anos,  o contrato do projeto Horta Carioca foi extinto. “Eu queria que voltasse, pois era bom para a comunidade, as hortaliças eram distribuídas para os mais necessitados. Hoje, parte do terreno ainda existe, e um morador preserva, ele planta para consumo próprio”, relata o presidente das Associações de Moradores Roquete Pinto e Praia de Ramos, Cristiano Reis.

O Horto Escola do Parque Ecológico da Maré foi criado em março de 2002. Dessa fase só ficou a placa. João Pereira da Silva, 63 anos, mais conhecido como Bolado, lembra com saudade dos tempos áureos. No passado, eram mais de 30 canteiros em funcionamento, hoje poucos resistem. O Horto produz jiló, berinjela, quiabo, tomate, fruta do conde, laranja, limão, romã, aroeira, acerola, salsa, cebolinha, pimentão, pimenta e coentro, que são doados para creches, escolas e moradores.

Um dos problemas do lugar é a falta de água. “Aqui nem com bomba. Estamos instalando uma caixa para ter uma reserva d’água”. Outra dificuldade vem dos moradores que danificam o espaço. “Por isso, precisamos trocar o gradeamento, algo que já foi medido pela Prefeitura. Todos precisam entender que aqui é muito importante, uma horta dentro da única área verde da Maré. Nos canteiros são cultivadas verduras sem o uso de agrotóxicos, algo bonito, natural e saudável”, revela a presidente da Associação de Moradores do Parque Ecológico, Cláudia Lúcia.

O cuidado com o meio urbano

Quem passa pela Linha Amarela não percebe que próximo à Unidade de Pronto Atendimento tem uma horta, que nasceu há quatro anos. Um espaço de proteção, com diversidades de hortaliças, em plena Rua Nove, da Vila do João. O terreno de 20×5 metros é uma concessão feita pela Secretaria Municipal de Conservação e Meio Ambiente à Associação Brasileira no Tratamento do Solo e Guardiões da Natureza (Promissave). “É uma horta urbana, num espaço que desejamos que vire um cartão postal para a Maré. Aqui reaproveitamos material orgânico, com composto do minhocário, para a criação de hortaliças orgânicas”, afirma o técnico em minhocultura[1], Erivaldo Monteiro.

O projeto nasceu do desejo de revitalizar uma área que acumulava entulho. No terreno são produzidas mostarda, rúcula, couve manteiga, abóbora, alem de alecrim. O carro-chefe é o quiabo a metro. Por aqui é realizado o Curso de Agroecologia, que reúne 30 alunos, com o apoio da UFRJ e do projeto Muda Maré. Erivaldo lembra que a associação não tem patrocínio, por isso algumas hortaliças precisam ser vendidas para a manutenção da horta.

Verduras num cantinho da Vila

Há 17 anos, quando chegou à Vila Olímpica da Maré, o supervisor Pablo Ronaldo Oliveira começou a reflorestar o espaço e há seis se dedica à horta. “Cuido para não parar, tivemos vários apoiadores, mas hoje a crise no País atingiu o espaço da horta. É gratificante ver os alunos receberem alimentos produzidos aqui, além de ser bom preservar a terra”, destaca Pablo.

A Secretaria Municipal de Conservação e Meio Ambiente esclarece que, na comunidade da Nova Maré, a horta localizada na Vila Olímpica está paralisada por falta de rendimento na produção. A Secretaria aguarda a indicação de novo encarregado para retomar o trabalho no local, com o plantio de verduras e hortaliças, a utilização de técnicas orgânicas e o aproveitamento da mão de obra local, em sistema de mutirão remunerado, auxiliando, assim, na preservação do meio ambiente e no aumento da renda familiar dos moradores das comunidades assistidas pelo Programa.

 

De Petrópolis para a Maré

Bernardino e Soeli, vendem verduras plantadas e colhidas por eles | Foto: Elisângela Leite

Bernardino Vieira Neto e sua esposa, Soeli da Costa Vieira, há sete meses saem todas as quartas-feiras, ainda de madrugada, de Petrópolis em direção ao Parque União. Os feirantes colocam 34 tipos de verduras à venda. Todas plantadas e colhidas por eles, em Petrópolis. “O bom de plantar e vender é que garanto o produto, e jogo limpo com o freguês. Vendo e sei a procedência. As verduras têm diferença daquelas vendidas na Ceasa, no cheiro, na durabilidade, pois corto na véspera, à tarde. Ainda posso fazer um preço menor, pois não existe intermediário”, detalha Bernardino.

Aos sábados e domingos eles atuam em Santa Cruz da Serra, e não conseguem vender tudo. Então um amigo indicou o Parque União. “Os moradores daqui são bons de lidar, e já são fregueses. Não vendo só o básico, como os outros, destaco o diferencial dos tipos das verduras, como alecrim, manjericão, alho-poró, aipo e nabo”, completa Bernardino.

[1] Minhocultura é uma atividade na qual se utilizam minhocas para a conversão e a transformação de resíduos orgânicos em húmus, Húmus ou humo é a matéria orgânica depositada no solo, um excelente adubo, na produção e qualidade dos vegetais, resultante da decomposição de animais e plantas mortas, ou de seus subprodutos.

Do lixo ao luxo

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Moradora descobre a arte da reciclagem

Hélio Euclides

Ela é catadora e artesã. O que as pessoas acreditam ser lixo, ela restaura, recria, transforma, dá um novo sentido e o objeto vira outro. “Eu cato material na Zona Sul e fantasias de carnaval para reciclagem, monto caixas de bijuterias, arranjos e porta-retratos de papelão, vendo tudo na feira da Lapa. Minha casa é toda de material reciclado, pois faço restauração de móveis. Para o meu trabalho, só compro cola”, conta Bianca de Sousa Cardoso, que transforma lixo em luxo há um ano, aqui no Rio.

Bianca começou o interesse pela reciclagem há 3 anos, na cidade onde morava, Cubatão, interior de São Paulo. “Trabalhei como balconista e caseira, e vi que os patrões exploram os funcionários, então senti que a Carteira de Trabalho não era tão importante e, sim, atuar por conta própria”, relata. Com o desemprego, a artesã começou a fuçar os descartes, surgiram várias ideias, e uma forma de ganha-pão.

Bianca na varanda de sua casa, onde restaura, cria e transforma | Foto: Elisângela Leite

Hoje, o seu ateliê fica na própria residência, onde há objetos de todos os tipos, alguns até parecem novos. No início, ela visitava as casas dos conhecidos, pedia para usar um pouco a internet, e foi dessa forma que aprendeu a arte. Depois se aperfeiçoou na Escola de Samba Gato de Bonsucesso, na Nova Holanda, onde trabalhou por um tempo. Com o marido desempregado e pagando aluguel, Bianca agora também vende seus produtos numa barraca na Rua Teixeira Ribeiro. Seu sonho é montar seu próprio negócio. “Quando estou trabalhando, me sinto realizada”, expõe.

Para Bianca, a forma como os catadores trabalham está errada, de apenas levar o resultado do dia ao ferro-velho. Ela entende que a Maré necessita de cooperativa de catadores, pois hoje cada um atua separadamente. “É preciso mostrar que o lixo pode ser transformado, reaproveitado, é um tesouro. Está velho, vai para o lixo, é fácil descartar. Se tivesse mais gente na reciclagem, o País estaria mais limpo e menos poluído. Penso que aqui a favela é mal vista, e só com formas de crescer dentro das comunidades que poderemos mostrar outro lado da Maré”, afirma.

Bianca reclama da falta de oportunidades para crescer na vida. Diz, ainda, que encontra preconceito, especialmente quando entra no ônibus e pessoas reclamam das quatro malas que carrega na ida e vinda para a Lapa. “É uma coisa difícil o transporte do material. Não tenho condição de pegar táxi, cada viagem seria 80 reais, ida e volta. Mas tenho disposição, se for o caso volto para casa a pé”, desabafa. Apesar das dificuldades, Bianca não abaixa a cabeça. “O importante é ser uma pessoa honesta e sempre vai aparecer um anjo na nossa vida”, conclui. A artesã, no momento, aguarda uma promessa para o carnaval de 2018: o ingresso em uma Escola de Samba de grande porte.

Artigo: Os manguezais e eu

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Na prática, em pleno século XXI continuamos em nossa sina de País megabiodiverso, degradando nossos recursos naturais, até o dia que não sobre mais nada, além de escombros

Conheci esse Ecossistema lá pelos anos 1980, ainda estudando no atual Ensino Médio, quando junto a um amigo, o Bias, de Angra dos Reis, ia pescar tainhas que subiam os rios Ariró e Jurumirim, atravessando o grande manguezal.  Poucos anos depois, aprendi no Curso universitário de Biologia, sua importância ambiental e econômica e, por conta própria, fui descobrindo a quantidade de leis que, no Brasil, o protegiam integralmente. Não demorou muito e tampouco sem maiores dificuldades para notar que as leis que protegiam os manguezais simplesmente não funcionavam no Brasil, uma triste e típica característica aplicável para outra infinidade de realidades nacionais, isto é, “tem tudo e nada funciona”.

Rapidamente fui tragado do conhecimento exclusivamente técnico/acadêmico para uma verdadeira relação de amor e ódio, envolvendo a questão da gestão e, principalmente, da proteção desse Ecossistema fundamental para a manutenção da biodiversidade da zona costeira, visto que milhares de espécies, direta ou indiretamente, dependem desse tipo de Ecossistema, incluindo importantes atividades econômicas que variam do turismo à pesca artesanal.

Em Angra dos Reis, iniciei estudos sobre a degradação desse Ecossistema, causas, consequências, bem como desenvolvi técnicas para a sua recuperação, coisa impensável até os anos 1980 no Brasil.

Com a insistência herdada de mãe e pai italianos, acabei sendo chamado para ser o chefe do Departamento de Controle Ambiental da Prefeitura e imediatamente iniciei, com uma equipe de dois técnicos, o que se tornaria o meu maior pesadelo: em 2 anos e meio de trabalho à frente do Departamento, colecionei 4 ameaças de morte, perseguições na rodovia que ligava o Rio à Angra dos Reis, fuga do Brasil no período mais tenso e, por fim, meu afastamento da cidade  no dia em que eu doava recursos financeiros provenientes da Alemanha, país que me recebeu quando fugi do Brasil por causa das ameaças.

Apesar do meu sofrimento, mais de 4 milhões de m2 de manguezais da Baía de Ilha Grande não foram transformados em loteamentos e marinas de luxo, fruto do esforço no período em que estive à frente do Departamento Ambiental. Intensifiquei a recuperação dos manguezais em diversos outros pontos da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, que cresce sobre o aterro de baías, lagoas, restingas, manguezais e brejos. E dessa forma, tanto nas baías de Guanabara e Sepetiba, como no sistema lagunar da Baixada de Jacarepaguá, independente do estado de degradação encontrado, mais de 2 milhões de m2 de manguezais foram recuperados nos últimos 20 anos.

Na Baía de Guanabara fui o responsável pela recuperação dos manguezais do entorno do aterro metropolitano de Gramacho, foz do Rio São João de Meriti, Ipiranga e canal do Fundão, totalizando aproximadamente 2,5 milhões de m2 de manguezais desde 1997. Muito? Talvez, se colocar na conta de apenas um biólogo e de seus funcionários, amigos e colaboradores.

Se na Baía de Ilha Grande conseguimos nos anos de 1980 e 1990 deter expressivamente a voracidade da especulação imobiliária que contava com a cobertura do poder público para concretizar seus crimes ambientais, claramente em outros Estados da Federação, nos últimos 17 anos, os interesses econômicos e políticos têm atropelado a legislação ambiental, somados à inoperância criminosa dos órgãos ambientais, aparentemente omissos ou impotentes.

Importantes do ponto de vista ambiental e econômico, além de protegidos por leis, os manguezais, continuam sendo suprimidos criminosamente, com o consentimento do poder público e com a apatia da sociedade. Dessa forma, na prática, em pleno século XXI continuamos em nossa sina de País megabiodiverso, degradando nossos recursos naturais, até o dia que não sobre mais nada, além de escombros.

Um tapete a céu aberto

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Lixo se espalha pelas ruas da Maré e traz consequências

Hélio Euclides

O lixo é um dos grandes problemas do mundo.  E no Brasil não é diferente. Segundo o IBGE, a população brasileira gera 230 mil toneladas de lixo diariamente. Quantidade suficiente para encher o estádio do Maracanã inteiro. Entretanto, ao contrário do que imaginamos, a quantidade de lixo não significa o descaso com o meio ambiente. O que deve ser levado em consideração é a forma como esse lixo é tratado, se passa por alguma triagem, se é reutilizado ou reciclado antes de ser descartado.

Acúmulo de lixo em frente ao Uerê | Foto: Elisângela Leite

Na Maré, o lixo é descartado em vários locais, sem nenhum tratamento. E, por inúmeras causas, os sacos são rasgados e os resíduos se espalham pelas ruas. Em muitos casos, os guardanapos, sacos e copos vazios, derivados dos lanches, são jogados no chão, por não ter lixeiras espalhadas pelas comunidades. A consequência é a proliferação de moscas, baratas e ratos. Outra causa é o entupimento dos escoadores de água pluviais, com áreas de alagamentos. E o resultado é o aumento do número de doenças, que poderiam ser evitadas.

Numa tentativa de solucionar o problema, a Companhia Municipal de Limpeza Urbana (Comlurb) espalhou pontos de coleta, caçambas batizadas de “laranjões” no complexo. O presidente da Associação de Moradores do Rubens Vaz, Vilmar Gomes, conhecido como Magá, não gostou das caçambas. “Fomos a única comunidade da Maré que não aceitou os laranjões. Acredito que o lixo em um ponto é perigoso, em especial próximo a valão, pois cai e polui. O pessoal tem preguiça de levantar ou colocar o pé no pedal, às vezes existe lixo no chão e as caçambas vazias. Ainda tem os catadores que espalham o lixo”, argumenta.

No Rubens Vaz, a coleta domiciliar é feita com o uso de caminhão e trator, que o presidente avalia como boa, mas tem críticas. “Terminamos todos os pontos de descartes clandestinos, com o uso de cartazes e conversa com moradores. A Comlurb tinha de fazer um trabalho de educação, com prospectos e placas, algo que já foi feito no passado”, sugere. A presidente da Instituição Uerê, Luciana Martha, também acredita que a educação é a solução. “A nossa instituição faz várias campanhas, por entender que a interferência da criança vai conscientizar os pais”, resume.

Para Luciana, os laranjões ainda não são a solução. “As caçambas duram muito pouco. A centralização de lixo traz mau cheiro e acúmulo de entulho. Outro dia até um colchão enorme jogaram em frente ao Uerê”, conta. Luciana percebe que é preciso compreender o carioca para saber como investir. “Para entender a problemática do lixo na rua, precisamos pensar no comportamento da cidade, de pessoas que jogam papel no chão. Creio que falta uma cultura de dever, pois no interior do País todos vivem na simplicidade, mas as ruas são limpas. Na nossa instituição aprendemos a pegar até o lixo que não é nosso”, destaca.

Em Marcílio Dias, a gestão da Comlurb é feita pela Agência Cuba, na Penha. Na comunidade, apenas dois garis comunitários limpam as ruas. Por esse motivo, a Associação de Moradores pediu o auxílio da empresa, que uma vez por semana destina uma equipe com equipamentos para suprir as necessidades. “Esse trabalho merecia um Oscar. Só falta a reforma do nosso Ecoponto. Aqui, antes, tinha os tambores que eram pequenos, com os laranjões melhorou muito. A sugestão é que precisam ser lavados sempre, e a retirada de lixo ser diária, para não virar um depósito”, relata Luciano Aragão, vice-presidente da Associação de Moradores de Marcílio Dias.

 

O lixo é mais que uma questão ambiental

Para o ambientalista Sergio Ricardo, nas favelas o lixo se torna situação de saúde pública. “Nas comunidades, há acúmulo nas caçambas e terrenos baldios. O que causa proliferação de vetores, como ratos. Quando a coleta domiciliar é deficitária, o destino são os canais e valões. As inundações levam o lixo para a Baía de Guanabara, que recebe 40 toneladas por dia de lixo flutuante. O Canal do Cunha é muito prejudicado e os pescadores acabam vivendo uma situação precária. A sociedade precisa cobrar o retorno da coleta domiciliar”, ressalta.

Ele diz que a cidade produz cerca de 10 mil toneladas de lixo por dia. Desse montante, apenas 1% do lixo é reciclado. “A coleta seletiva é quase restrita à Zona Sul. A cidade recebeu uma doação do BNDES, a peso perdido, para criar seis galpões de reciclagens. Só conseguiu fazer um em Irajá, e com limitações. Esses galpões seriam a solução, um legado da Rio+20, que não aconteceu. Minha ideia é reivindicar esses galpões e um próximo à Maré”, afirma.

O ambientalista critica o não funcionamento da usina de reciclagem do Caju. Poderia ocorrer uma separação do lixo, que é formado por 60% de materiais orgânicos, que poderiam se transformar em adubo, compostagem ou energia renovada. O restante do lixo é reciclável. Outra questão está nos aterros, onde ocorre a eliminação de gás metano, que é mais poluidor que o gás carbônico, mas que pode ser reutilizado se for captado corretamente. Outro problema é o chorume, que é o líquido do lixo que vai para os rios.

Sérgio ressalta que a política nacional de resíduos sólidos, que determina que todos os municípios implantem a coleta seletiva com participação de cooperativas ou associações de catadores formadas por pessoas físicas de baixa renda, já deveria estar em vigor. “A Comlurb tinha de ter uma ligação com os catadores, como mão de obra. Isso iria diminuir o orçamento da empresa que chega a um bilhão de reais, só perdendo para a saúde e educação. Essa parceria iria diminuir o transporte de lixo, que chega a percorrer 80 km por dia, sendo todo terceirizado. Esse lixo é levado para o aterro terceirizado de Seropédica”, diz.

 

A coleta do lixo na Maré

A Comlurb disse, em nota, que a coleta domiciliar é feita diariamente na Maré, e em Marcílio Dias, de segunda-feira a sábado, com utilização de um trator. Declarou que os contêineres metálicos automatizados (laranjões) melhoram a qualidade de vida dos moradores, pois facilitam o descarte correto do lixo, com tampa acionada por pedal, sistema de esvaziamento por caminhão de carga lateral, lavagem periódica e capacidade para armazenar 900 kg de resíduos cada.

Sobre o lixo que fica no chão, próximo aos latões, a empresa disse que apesar de já ter sido orientados, os moradores ainda não se conscientizaram de que o lixo deve ser colocado devidamente nos laranjões, cuja tampa é acionada por pedal. Alguns ainda jogam os resíduos no chão ou mandam crianças, que por não alcançarem o pedal, deixam o lixo no chão.

Sobre o fato de os latões estarem abertos e reunindo insetos, a empresa disse que os laranjões, normalmente utilizados ficam fechados, acondicionando devidamente os resíduos.  E que houve um trabalho de conscientização com o grupo Chegando de Surpresa e o gari Renato Sorriso, que orientaram os moradores como acionar o pedal e dispor os resíduos. Para não ter mau cheiro, os laranjões são lavados uma vez por semana com a utilização de um carro-pipa.

 

Ausência de Lixeiras

Nas ruas da Maré não existem latas de lixo nos postes, como no restante da cidade. Essa ausência deixa as ruas sujas. A Comlurb esclareceu que os garis comunitários varrem as ruas, becos e vielas. Trata-se de uma área de comunidade, onde ainda há resistência da população em colocar o lixo no horário da coleta, descartado indevidamente pela comunidade. E que esses mesmos garis comunitários realizam trimestralmente a retirada de lixo dos valões locais.

Quem vive na Nova Holanda convive com a montanha de lixo na sede da Comlurb. A empresa explicou que os carroceiros não podem ser impedidos de jogar os resíduos e, uma vez que jogam em qualquer lugar, contribuem para a desordem urbana. E que moradores do entorno utilizam o espaço como área de descarte devido a obras que fazem em suas residências e também descartam os detritos orgânicos.

Sobre a educação ambiental, a empresa assegurou que são realizados trabalhos de conscientização, com a utilização de panfletos, orientando os moradores sobre o horário de coleta de lixo e a forma correta de descarte do lixo domiciliar e de entulho de obras. Pediu que todos colaborem para manter a comunidade mais limpa. E fez a promessa de ter estudos para implantar a coleta seletiva na Maré.

Um dos ícones da educação na Maré, o Ciep Hélio Smidt faz 25 anos

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Contação de histórias, exposição de fotografias, oficinas de arte e apresentações musicais movimentaram a quadra da escola

Roberto de Oliveira

“Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda”, já dizia o educador Paulo Freire. E é na transformação de seus alunos que o CIEP Hélio Smidt vem investindo há 25 anos. Hoje, na comunidade Parque Rubens Vaz, a instituição de ensino conta com uma equipe de 30 professores para ensinar a 630 alunos, distribuídos em turmas da Educação Infantil ao 6º ano do Ensino Fundamental.

Antes de ser inaugurado, o CIEP Hélio Smidt foi irregularmente ocupado por pessoas que não tinham onde morar. Isso porque as obras da escola ficaram paradas, até que moradores e outras lideranças locais organizaram reuniões com Órgãos da Administração municipal para discutir o problema da falta de moradia popular e reivindicar o término da construção. “Eu ainda me lembro das inúmeras reuniões com Órgãos do Governo Municipal, moradores e outras liderança locais, para discutir o problema da falta de moradia popular e reivindicar o término da construção do CIEP.” recorda Ernani Alexandre, ex-aluno e professor da escola por 10 anos.  Naquela época, havia falta de unidades escolares na Maré, então em 30 de abril de 1992, enfim, a escola foi inaugurada.

Para festejar os 25 anos, uma grande festa com alunos, ex-alunos, professores, pais e amigos da escola aconteceu 05 de maio. Atividades de contação de histórias, exposição de fotografias, oficinas de arte e apresentações musicais movimentaram a quadra. Com direito a bolo de aniversário.

 

A Surpresa

Na porta de uma das salas, havia um quadro com uma foto e a biografia de Hélio Smidt, presidente da Varig entre os anos de 1980 e 1990. De passagem pela escola, Francisco Dantas, que trabalhou na companhia aérea e conheceu Hélio Smidt, diz que foi pego de surpresa. Motorista da Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, ele foi ao CIEP levar uma representante da Prefeitura. “Eu não sabia que existia essa escola com o nome dele. Eu trabalhava na manutenção e o Dr. Hélio sempre foi muito envolvido com a empresa e com os funcionários. Entrava nos aviões para saber se estava em condições de transportar passageiros e tratava todo mundo de forma igual”, conta Francisco.

Há 15 anos trabalhando no CIEP Hélio Smidt, Alexandra Pinheiro se considera uma professora muito exigente. Nas aulas, usa filmes, músicas e outras formas de educar. “Todos dizem que eu sou chata, e alguns têm até medo de mim, mas no final reconhecem que dar limites também é querer bem”, diz a professora. Para ela, o aluno da Maré deve ser tratado da mesma forma que qualquer aluno em qualquer outro lugar da cidade. Exatamente por ser alvo de preconceitos, busca valorizar a cultura local e a capacidade do aluno: “Eles têm de ser tratados de igual para igual, para enfrentar o mundo de frente”.

O comando

Ela foi professora do CIEP e assumiu a direção da escola com apenas 25 anos. “O desafio é trabalhar para a comunidade escolar, não só o aluno, mas os responsáveis, funcionários e moradores do entorno. Os pais participam dos eventos e dão um retorno muito bom, que dá um gás pra gente acreditar que estamos no caminho”, disse a diretora Natássia Gonçalves, de 28 anos, que pretende continuar chamando a comunidade para participar mais e mais das atividades na escola.

Marcha pelas vidas dos moradores de favelas no Rio de Janeiro!

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Por Eliana Sousa Silva*

 

 O aumento gradual da violência ocasionada pelos enfrentamentos entre grupos criminosos armados e pelas operações policiais nas favelas da cidade do Rio de Janeiro (neste caso, com maior abrangência e letalidade) tem efeitos aterrorizantes para as populações dessas regiões. Num levantamento simples, via registro em imprensa escrita, sobre o número de mortes por arma de fogo, nos quatro primeiros meses de 2017, em algumas das favelas cariocas – tais como Cidade de Deus, Manguinhos, Jacarezinho, Acari, Maré, Alemão, Rocinha, Cidade Alta e Fallet –, identificamos cerca de 120 moradores assassinados. Além disso, 63 policiais foram mortos no mesmo período, a maioria fora do horário de serviço, muitas vezes por reagirem a investidas criminosas ou por serem reconhecidos na condição de policiais, como pode ser observado no Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Púbica de 2016.

O embate bélico estabelecido pelos agentes da segurança pública tem como justificativa histórica o enfrentamento do comércio varejista de drogas nas favelas e as atividades consideradas ilícitas em torno desse contexto. É notório que a escolha feita pelo Estado, até o momento, em relação ao crime a ser combatido prioritariamente e, nesse caso, a estratégia para enfrentá-lo têm, acima de tudo, provocado o acirramento de uma batalha armada que coloca em um lugar desprezível uma população de quase 25% do município do Rio de Janeiro – 1.443.773, segundo o Censo IBGE 2010. O combate à milícia, grupo criminoso que mais cresce na cidade e que extorque os moradores e comerciantes dos territórios que controlam, por exemplo, é bastante limitado e secundarizado.

Ocorre que, na raiz dessa forma de agir dos agentes do Estado, revela-se, incorporado, um conjunto de representações negativas sobre os moradores das favelas e periferias, representações essas que se traduzem em preconceitos e ignorância sobre os direitos de tal população habitar a cidade e acessar às políticas públicas, inclusive o direito à segurança. A base dessas representações estigmatizantes é o racismo estrutural, que, lamentavelmente, continua hegemônico na nossa sociedade e permite a naturalização e a convivência banalizada com o número dantesco de assassinatos no país. Já estamos chegando a 60.000 mortos por ano, 13% de todos os homicídios cometidos no mundo.

A invisibilidade e insensibilidade a essas mortes decorrem do fato de as vítimas serem, principalmente, jovens negros, moradores de favelas e outras periferias. Em geral, não morrem por algo que façam, mas pela cor de sua pele. No Brasil, um negro tem duas vezes e meia mais chance de ser assassinado que um branco. Abdias do Nascimento, ainda em 1977, já alcunhava esse tipo de assassinato de ‘genocídio’, isto é, a eliminação física, constante e em grande escala, de um grupo social e/ou étnico específico em virtude de sua condição. Nesse contexto, temos, também, uma legião de mulheres que, ao perderem seus filhos ou companheiros, “sentem-se órfãs desses mortos”, como afirmam algumas delas. Sofrem com uma dor que as acompanha de maneira permanente e, além disso, tendem a assumir diversos papéis, dependendo da configuração familiar que possuem, o que as deixa ainda mais socialmente vulneráveis. Contudo, são essas mulheres que têm buscado cada vez mais não só reivindicar justiça no caso de homicídios, mas também nos momentos de enfrentamentos junto aos agentes de segurança e/ou integrantes de grupos criminosos armados. São mulheres que vêm se mobilizando e rompendo o medo de falar sobre as diferentes violências presentes no seu cotidiano, de denunciar o genocídio e o racismo.

Uma sociedade racista, nesse sentido, gera uma legislação e uma polícia do mesmo tipo. Por isso, temos leis que privilegiam alguns cidadãos, e aquelas que deveriam valer para todos só funcionam em algumas áreas privilegiadas da cidade. Como entender que, desde fevereiro do corrente ano, a Polícia Militar tenha ocupado quatro casas de moradores de uma das favelas do Complexo do Alemão como base militar, saindo delas somente depois de dois meses, a partir de uma liminar judicial, requerida pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro? Uma liminar para garantir o direito constitucional mais básico: a inviolabilidade e a privacidade do domicílio. Como naturalizar que um delegado da Polícia Civil solicite à Prefeitura do Rio de Janeiro que instale placas nas vias públicas das imediações da favela da Maré, onde vivem 140.000 pessoas, com os dizeres “área de risco”? Ambas ações, uma da Polícia Militar e outra da Polícia Civil do Rio de Janeiro, partem do pressuposto de que as populações do Alemão e da Maré, ou seja, cerca de 250.000 pessoas, são potenciais criminosos, oferecem risco para a sociedade e, portanto, devem carregar os estigmas e sofrer as consequências de atos que não lhe dizem respeito diretamente.

A democracia brasileira não está em risco, apenas, quando milhares de mulheres são assassinadas por sua condição de gênero; quando se passa por um golpe constitucional e se assiste a direitos sociais serem retirados por um congresso sem autoridade moral ou política; quando a intolerância se torna crescente contra os indígenas e contra as religiões afro-brasileiras; ou quando percebemos setores do judiciário a serviço de um projeto político autoritário em acordo com a grande imprensa. A democracia também se torna um conceito vazio quando os grupos sociais populares têm extirpado o seu direito básico à vida, quando uma polícia sem comando, sem limites na lei, dominada pelo ódio e o desejo permanente de vingança, transforma os moradores das favelas em inimigos a serem controlados, vigiados, punidos, castigados, agredidos ou mortos. A luta pela democracia nunca se fez tão urgente no Brasil e, com mais urgência ainda, nas favelas cariocas. Por isso, dentro do que nos é possível fazer, temos de nos mobilizar e buscar o envolvimento de toda a cidade para realizarmos, juntos, a Marcha da Maré e outras iniciativas pelo direito à vida e pelo fim da violência nas favelas.

A Marcha da Maré

Em 2016, 16 pessoas foram assassinadas na Maré devido a conflitos armados entre grupos criminosos e destes com a polícia. As escolas e postos de saúde ficaram vinte dias fechados. Uma violência sem medidas, que tornou um pesadelo o cotidiano de todos os moradores, especialmente o das crianças, impedidas de circularem nas ruas, tendo cerceado o seu pleno direito à educação, e o de pessoas que precisavam acessar algum atendimento médico.

Em 2017, na Maré, em apenas quatro meses, já foram assassinadas 18 pessoas, sendo duas delas policiais, e dezenas de outras ficaram feridas. As escolas estiveram fechadas por treze dias, já os postos de saúde, por dezenove. Mas, não são apenas essas as instituições atingidas: todas as organizações locais, o comércio e os indivíduos são acometidos por esses enfrentamentos apavorantes. Os níveis de estresse, depressão, enfartos e problemas de hipertensão cresceram de forma assustadora, criando-se um território de pessoas doentes, ansiosas e em sofrimento. O uso de psicotrópicos, legais e ilegais, vem aumentando consideravelmente como forma de medicalizar essa dor. Tal contexto pode ser reconhecido também em muitas outras favelas do Rio de Janeiro, como é o caso do Alemão, nas últimas semanas.

Em função disso, instituições da Maré, mas não somente, como escolas, associações de moradores, comerciantes, igrejas e moradores de modo individual se mobilizaram para criar o Fórum “Basta de Violência, outra Maré é possível”. O objetivo do fórum é criar condições para enfrentar as diversas formas de violências presentes nas favelas, em específico os conflitos entre os grupos civis armados e a ação bélica, sem base legal e respeito à vida, efetivada pelas forças policiais. A favela não pode ser arena de uma guerra sem sentido, que gera dor, revolta e morte.

A primeira grande ação do Fórum da Maré, que é permanente, será a realização de uma Marcha no dia 24 de maio por todas as favelas, que culminará em um ato reunindo todas as pessoas que acreditam que outra Maré é possível.  Nesse sentido, convidamos todas e todos que queiram auxiliar nesse processo. Estamos mobilizados por nossa indignação e certos de que podemos e devemos nos unir para visibilizar as violências que vêm ocorrendo nas favelas do Rio de Janeiro. Se você também acredita nisso, entre nessa corrente.

Facebook: http://www.facebook.com/forumbastadeviolencia/

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*Eliana Sousa Silva é diretora da Redes da Maré

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