Home Blog Page 524

Nova escola de Ensino Médio em tempo integral na Maré

0

O diferencial é a ênfase em Empreendedorismo

Hélio Euclides

Entrou em funcionamento, na Nova Holanda, o Colégio Estadual Professor João Borges de Moraes, com a oferta de Ensino Médio em tempo integral, dando ênfase ao Empreendedorismo Aplicado ao Mundo do Trabalho. O Colégio é uma conquista do Coletivo Maré que Queremos, formado por todas as 16 Associações de Moradores da Maré. Para este ano letivo, foram ofertadas 80 vagas para a 1ª série do Ensino Médio e ainda há oportunidades para quem deseja estudar na Instituição.

Os alunos terão aulas sobre como superar desafios, empreender e abrir negócios, e carga horária adicional em Português, Matemática e Inglês. A iniciativa tem a parceria do Sebrae, que formará os professores da Rede estadual em Empreendedorismo, e do Instituto Ayrton Senna. “Além das disciplinas normais, os alunos farão parte do Núcleo Articulador, que reúne Projeto de Vida, Projeto de Intervenção e Pesquisa, Estudos Orientados e Empreendedorismo”, informa a coordenadora pedagógica Marinalva Velasco.

Por ser o primeiro ano de funcionamento, a Escola passa por alguns ajustes para atender os alunos. “Esse ano a meta é criar duas turmas completas. Os profissionais que atuam aqui são remanescentes do movimento popular, moradores e ex-moradores. Isso enfatiza o compromisso com o direito social à Educação Pública de qualidade para todos”, afirma o diretor Marcelo Belfort.

Uma escola diferente

Os novos alunos se surpreenderam com a meta da nova Escola que, além da questão acadêmica, impulsiona o desejo de crescimento do cidadão. “Os professores nos incentivam a estudar e a desejarmos uma Maré melhor. Nos transformamos em multiplicadores, para levar o que aprendemos aos outros. Nessa Escola entendemos que há violência onde moramos, mas que é necessário um outro olhar, de um lugar de coisas positivas. Essa é a primeira Escola que nos dá força para agir”, afirma a estudante Maria Carolina Nascimento, de 15 anos de idade.

Pablo Felipe, também com 15 anos, não conseguiu vaga em nenhuma escola que queria, e também não desejava estudar à noite, por receio da violência na cidade. Uma amiga de sua mãe recomendou o Colégio da Maré: “no começo, achei muito estudar das 7h às 16h, mas me acostumei. Gostei daqui, pois os professores nos ajudam a pensar, a ser pessoas pensantes”.

“Desejamos quebrar o paradigma de que lá fora é melhor, de que aqui é só um novo Colégio. Para isso, temos bons profissionais, o corpo docente formado por 10 professores, que visam refletir o amanhã, que mostram a importância de se apropriar do território, de transformá-lo”, lembra a diretora-adjunta Viviane Couto. Ela explica que o objetivo do Colégio é desenvolver um projeto de gestão coletiva, com alunos, professores, responsáveis, instituições, associação de moradores e equipe gestora.

Três anos de Escola fechada

O Maré de Notícias, na Edição 54, de junho de 2014, noticiava a construção de um colégio estadual. As obras começaram no mesmo ano, mas foram três anos de espera. “A Associação cuidou para não depredarem a Escola, ou virar um condomínio. Para o funcionamento, pedimos ajuda à Redes da Maré e, dessa forma, conseguimos inaugurar”, lembra o presidente da Associação de Moradores de Nova Holanda, Gilmar Rodrigues.

O diretor da Redes da Maré, Edson Diniz, acrescenta que no passado os moradores reivindicavam uma escola de Ensino Médio Integral, desejavam uma opção de boa educação, uma possibilidade para os jovens estudarem próximo de casa: “a parceria da Redes da Maré, Associação de Moradores e Secretaria Estadual de Educação nasceu da necessidade de colocar a Escola para funcionar. Estamos estruturando essa parceria para fortalecer essa Escola, já que muita gente nem a conhece ainda”.

 Minha escola tem um nome

João Borges de Moraes nasceu em Alvinópolis (MG), em 1911. Lecionou em instituições educacionais do Rio de Janeiro e foi diretor do Colégio Lemos Cunha. Em 1989, recebeu da Câmara Municipal o título de Cidadão Carioca.

Inaugurada a terceira Clínica da Família na Maré

0

Hélio Euclides

O Coletivo Maré que Queremos, formado pelas 16 associações de moradores da Maré conseguiu uma importante vitória: no dia 7 de fevereiro foi inaugurada a Clínica da Família Diniz Batista dos Santos, no Parque União. Segundo a Secretaria Municipal de Saúde, a nova unidade, que custou 5,2 milhões de reais, vai realizar mais de 1.500 consultas por mês. Os beneficiados serão os moradores que antes se consultavam no Centro Médico de Saúde (CMS) Hélio Smidt e na Associação de Moradores do Parque União. O nome da nova Unidade é uma homenagem a um antigo morador da Maré.

Entre os serviços oferecidos estão consultas individuais e coletivas, visita domiciliar, pré-natal; teste do pezinho; imunização; curativos; planejamento familiar e vigilância em saúde. A Unidade é formada por uma equipe de seis médicos, seis enfermeiros, seis técnicos de enfermagem, 30 agentes comunitários de saúde, dois cirurgiões-dentistas, dois auxiliares de saúde bucal, um farmacêutico, dois profissionais de farmácia e pessoal administrativo. São seis consultórios, sala de procedimentos/coleta, sala de curativos, sala da saúde bucal, centro de culturas e ideias, sala de ultrassonografia, sala de raio x e sala de observação clínica.

Mais uma Clínica da Família

O Coletivo Maré que Queremos reivindica, ainda, uma quarta clínica, que absorveria o CMS Samora Machel e o CMS Nova Holanda, no CIEP Elis Regina. Para o presidente da Associação de Moradores do Rubens Vaz, Vilmar Gomes, o Magá, a nova Clínica é um avanço, mas faltou pensar na acessibilidade. “Além de ser distante, não foi colocado um sinal de trânsito, ou o que seria melhor, uma rampa na passarela. Como idosos, cadeirantes e grávidas vão ter acesso, por meio de degraus?” A nova Clínica fica localizada na Avenida Brigadeiro Trompowski, s/nº, ao lado do BRT Maré.

Vítimas da violência

Na solenidade de inauguração houve um minuto de silêncio para homenagear Emilly Sofia Neves Marriel, de 3 anos, que morreu numa tentativa de assalto em Anchieta, e Jeremias Moraes, de 13 anos, atingido durante uma operação policial na Nova Holanda.

É duro conviver com ela

O impacto da violência na vida das pessoas

Jorge Melo

A violência no Rio de Janeiro chegou a um ponto alarmante. As estatísticas se assemelham a de países em guerra. De janeiro a maio de 2017, mais de 2 mil pessoas foram assassinadas. Um aumento de 11%  em relação ao mesmo período de 2016.

No caso dos assassinatos  decorrentes de ação policial, o aumento é ainda maior, 47,7%, de janeiro a maio de 2017, em comparação com 2016. Sob qualquer ponto de vista é um número assustador. Os dados são oficiais, coletados pelo ISP-Instituto de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro. Pelos números percebemos que quando se fala em violência é impossível retirar a responsabilidade das Políticas de Segurança Pública. As populações das favelas e das periferias sentem-se oprimidas, entre o tráfico de drogas, as milícias e as ações/operações das policias militar e civil.  O convívio com a violência tem sérias implicações na vida da população da cidade.

A saúde afetada pela violência

Embora não se possa vincular diretamente, a cidade do Rio de Janeiro é a capital brasileira como maior número de pessoas hipertensas, 31,7%. segundo Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico, pesquisa realizada anualmente  pelo Ministério da Saúde. A média nacional é de 25,7%. Segundo Mayalu Matos Silva, pesquisadora do Departamento de Estudos sobre Violência e Saúde Jorge Careli, da Fiocruz- “essa relação com a violência do conflito armado não aparece nos registros de informações da saúde, ou seja, prontuários e notificação compulsória de violência, ele aparece apenas na fala dos trabalhadores, o que nos traz a questão de como dar visibilidade para essa relação”.

Fernanda Mendes Lages Ribeiro, também pesquisadora do mesmo  departamento diz que “em pesquisa realizada, através de levantamento em prontuários e de entrevistas com os profissionais de saúde, registramos a significativa ocorrência de diversos problemas de saúde física, como pressão e glicose altas; e mental, como ansiedade, depressão, síndrome do pânico e um sentimento de sofrimento difuso. Tais problemas de saúde são relacionados à vivência de situações de violência no local, como homicídios e outras manifestações do conflito armado. A violência impacta sobremaneira a vida da população e dos trabalhadores, assim como o funcionamento dos serviços de saúde”.

Impactos na Maré

O impacto da violência, principalmente em áreas como a da Maré; vem atraindo cada vez mais estudiosos e pesquisadores, preocupados com os efeitos dessa violência a curto, médio e longo prazos na vida das pessoas, principalmente jovens e crianças. Segundo dados da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro, setenta mil alunos da rede de ensino perderam 30 dias de aulas durante 2017; 15% dos 200 dias letivos.

O convívio permanente com a violência traz “outra influência negativa, que é a esgarçadura dos laços comunitários e da vida cotidiana, abalados pelo terror da convivência frequente com o risco iminente de perder a vida. Os laços sociais comunitários formam uma base para o desenvolvimento emocional saudável e, portanto, fragilizar esses laços pode ensejar também fragilidades individuais”, conta a pesquisadora Mayalu Matos Silva.

Estresse pós traumático

Estudo realizado em conjunto pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Universidade Federal de São Paulo, Fiocruz e  Universidade Federal Fluminense mostra que 89% da população do Rio de Janeiro já foi exposta a algum evento traumático ao longo da vida.  Na opinião da pesquisadora Fernanda Mendes Lages Ribeiro “a Guerra às Drogas traz inúmeras consequências para a vida das populações, sobretudo as que vivem em territórios vulnerabilizados em função da escassez e ou ineficácia de políticas públicas sociais: saúde, educação, segurança, trabalho, lazer. É também em tais territórios que se abrigam grupos criminosos que atuam com o comércio varejista de substâncias ilícitas, que são fortemente armados e que têm suas próprias formas de fazer justiça, para além do estado democrático de direitos, o que muitas vezes inclui disputas territoriais por novos pontos de venda, homicídios e torturas  A disputa entre grupos rivais e o domínio de territórios ensejam uma série de ações de segurança pública perpetradas pelo Estado, que produz conflitos armados, implicando riscos reais à vida e ao direito de ir e vir de todos; em locais onde é mais intenso, a vida e a saúde das pessoas está em maior risco”.

A educação também sofre

A violência tem impacto direto na capacidade de aprendizado e de desenvolvimento de novas habilidades de crianças e jovens. É o que revela uma pesquisa realizada pela Diretoria de Análises de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas e o aplicativo Fogo Cruzado, uma plataforma digital que registra a incidência de tiroteios e violência armada na região metropolitana, do Rio de Janeiro.  Segundo a pesquisadora Mayalu Matos Silva “a vida comunitária também sofre intensos reflexos, a opressão da violência do conflito armado e existência de inúmeras mortes nesses locais cria um ambiente de medo e terror que impõe limites à sociabilidade cotidiana e ao funcionamento das instituições locais. Outro fator a ser considerado são os altos índices de sofrimento mental relatados na pesquisa, relacionados à convivência cotidiana com a violação do direito à vida e à segurança. Nesse sentido, são relatados casos de depressão, síndrome do pânico e estresse pós traumático”.

A pesquisa, realizada entre julho de 2016 e julho de 2017, comparou dados referentes às escolas federais, estaduais, municipais e creches com os registros de tiroteios e disparos de armas de fogo. Nesse período, a cidade do Rio de Janeiro registrou 3829 tiroteios, uma média de 10 por dia, afetando o funcionamento de boa parte das 1809 instituições de Ensino Fundamental e Médio e as 461 creches e serviços de educação infantil.

Violência não é normal

Segundo Fernanda Mendes Lages Ribeiro, “nenhuma ocorrência de disparo de armas de fogo, sobretudo no que diz respeito ao impacto sobre a saúde física e mental de crianças, deve ser considerada normal. Apesar da frequência deste fato, ele não pode ser banalizado como algo que faz parte da vida em determinados locais da cidade, como Maré e Alemão. Certamente pode-se esperar efeitos nefastos em sala de aula, expressos individual e coletivamente pelas crianças e adolescentes que podem vir a desenvolver problemas de comportamento e sofrimento psíquico. Outro elemento a se considerar é o fechamento das escolas e serviços de saúde, entre outros equipamentos, por conta de conflitos armados. Os impactos dessa ação são extremamente prejudiciais às crianças, famílias e comunidade como um todo. Se nem a escola e o centro de saúde podem funcionar, o que pode?”

O estudo foi feito por região. E na região norte, a Maré é uma das áreas mais afetadas, com 119 registros; atrás apenas do Complexo do Alemão, com 218. E a conclusão é a de que a exposição à violência gera efeitos duradouros e afeta diretamente a vida dos cidadãos. Segundo Mayalu Matos Silva, “Precisamos cada vez mais visibilizar os efeitos nefastos dessas operações na vida da população e, também, sua não eficácia.  Problematizar a proibição das drogas e os efeitos físicos, psíquicos e comunitários relacionados à Guerra às Drogas é fundamental para que possamos lutar por um novo modelo de segurança pública que não viole o direito à vida de populações inteiras. Essa é uma questão urgente para nosso país, especialmente para a cidade do Rio de Janeiro.”

The state we are in

0

Armed conflicts resulting in death have become an everyday occurrence in the State of Rio de Janeiro.  The scale of the violence is perplexes,  revolts and  overwhelms us with a  feeling of collective incapacity that makes it seemingly impossible to find short-term solutions to the traumatic condition we are now in.

As at other such moments, we have to ask questions: what are the historical origins and beliefs that sustain the way in which conflicts are played out between the state security forces and the members of the armed groups in the favelas and peripheral communities of Rio de Janeiro? Why does one section of society support a government strategy which uses the police to deny the fundamental rights of those who live in favelas and peripheral communities? What can be done to establish rights-based protocols that uphold the democratic rule of law for all members of the population?

There are many questions that arise when we look at how we are losing our awareness of the value of life in Brazil as we are distanced by the violence. As a country we register over 61,000 homicides per year, of which 6,200 happen in Rio de Janeiro. The vast majority of these deaths result from the use of firearms.  Consistently these murders are characterised by race and ethnicity, age and social class: the majority of those who are murdered are young, black residents from favelas and peripheral communities. Perhaps this tells us why we haven’t really mobilized as a society to demand that they war-like state in which we live does not or should not represent us.

Looking at a specific part of the city of Rio de Janeiro – the 16 favelas that make up the Complex of Maré – we can see a picture that  illustrates the critical state of this violence. Data  about armed conflicts in the region published in the Bulletin for the Right to Public Security in Maré – published by the Maré Networks organisation – show that in 2017 there were 42 homicides and 57 serious woundings from gunfire. Schools in Maré were closed for 35 days during the year because of the armed violence while the health clinics were unable to function on 45 days. Residents of favelas and peripheral communities are exposed to a level of suffering and denial of basic rights that has to end.

If we created a map of the 6,200 homicides in Rio de Janeiro over the past year, we would see that almost all of them took place in areas that are considered to be on the periphery.  It’s in these circumstances that we unhappily conclude that the State’s public security policy is dictated by the idea that we live in a state of war and that the enemy army is made up of the people who live in favelas and peripheral communities. It is undeniable that the public security forces make no distinction between residents and those that undertake illicit activities as part of – in most cases – organised armed groups.

The State justifies the high levels of war-like violence and the constant violation of the rights of those who live in favelas and peripheral communities by the need to repress the armed groups that control the drug sales. What we see in this policy is a constant demand for higher-grade  weaponry with ever increased levels of lethal capacity from both the police and the armed groups, thus re-enforcing the infamous logic  that we are waging a ‘war on drugs’. Is it not way past the time when we should be looking again at the way we think about drugs? Does this moment not insist that we reflect on the adverse, harmful effects of the failure to prioritize the decriminalization and legalization of drugs? How can we free ourselves from our prejudices in relation to this point which divides us as a society?

If we can begin to open ourselves up to reflection, perhaps we can look more closely at the lethal levels of violence provoked by these guns. The salerooms of the highly profitable arms trade are not located  in peripheral communities. The favelas are just the places where these guns are taken. How come we don’t have Intelligence information to take down this arms network? Is it not way past the time when the Federal Police, the Highway Patrols and the Coastguards work together to reduce the entry of arms into the State of Rio de Janeiro?

Without taking into account some of the questions raised here, it is difficult to see how we can change the routine that has been established by the public security forces in Rio de Janeiro. They only undertake sporadic actions  in favelas and peripheral communities as part of so-called ‘police operations’. These invasions, which mobilize different structures of the Military and Civil Police,  have resulted not only in the escalating  cost of munition but  almost always in the death of residents and the police, generating despair, fear and lack of respect for human dignity.

What is the barbarous state we need to arrive at before this violence ends?

O ponto a que chegamos

(Artigo originalmente publicado no jornal O Globo do dia 09 de fevereiro de 2018)

Por Eliana Sousa Silva

Confrontos armados com alta taxa de letalidade tornaram-se corriqueiros no Estado do Rio. A escalada da violência tem gerado perplexidade e revolta. Somos tomados por um sentimento de incapacidade coletiva ao não enxergarmos perspectivas de reversão, em curto prazo, do ponto nevrálgico onde estamos.

Como em outros momentos, cabem algumas indagações: quais as origens e os pressupostos que sustentam, historicamente, o padrão de confrontos entre agentes da segurança pública e integrantes de grupos armados em favelas e periferias no Rio? Por que um segmento significativo da sociedade acredita e referenda uma forma de atuação do governo, a partir da atuação das polícias, que desconsidera os direitos de quem mora em favelas e periferias? O que fazer para que se estabeleçam protocolos de respeito e princípios, num estado de direito democrático, para o conjunto da população?

São muitas as questões que podemos relacionar ao olharmos a perda de sensibilidade e o distanciamento que nos acomete sobre o valor da vida no Brasil. Somos um país que registra mais de 61 mil homicídios ao ano, sendo 6,2 mil desses no Rio de Janeiro — imensa maioria em decorrência de disparos de armas de fogo. De maneira recorrente, estes assassinatos seguem um padrão étnico-racial, etário e de estrato social: a maioria dos assassinados é jovem, negra moradora de favelas e de periferias. Talvez isso nos diga muito sobre as razões pelas quais ainda não nos mobilizamos, de verdade, como sociedade, para exigir que o estado bélico em que vivemos não nos represente (ou deveria representar?).

Ao olharmos uma porção específica na cidade do Rio — as 16 favelas da Maré —, nos deparamos com um quadro que ilustra bem o estado crítico de violência. Os dados de 2017 sobre confrontos armados na região sistematizados no Boletim pelo Direito à Segurança Pública na Maré, elaborado pela Redes da Maré, são os seguintes: ano passado houve 42 homicídios e 57 feridos. Os conflitos fizeram com que escolas fechassem 35 dias; os postos de saúde deixaram de funcionar 45. Diante deste apanhado, é impossível deixar de perceber que os moradores de favelas e periferias têm sido expostos a um nível de sofrimento e desrespeito que precisa ter fim.

Se fizéssemos a cartografia dos homicídios no Rio, iríamos identificar que os quase 6,2 mil homicídios ao ano acontecem nas áreas consideradas periféricas. É nessas circunstâncias que identificamos, infelizmente, que a política de segurança pública no estado é pautada pela ideia de que vivemos uma guerra e, portanto, há um exército inimigo: os moradores de favelas e periferias. É inegável que os agentes da segurança pública não fazem distinção entre a população que reside nessas áreas e pessoas que estão em atividades ilícitas, atuando, em algumas situações, em grupos armados.

O Estado justifica a alta taxa de violência bélica e as violações que atingem os moradores de favelas e periferias pela necessidade de repressão a grupos armados que controlam pontos de drogas no varejo. O que vemos, com isso, é a demanda cada vez maior de armamentos pesados com alto grau de letalidade, tanto pelas forças de segurança quanto por estes grupos. Cada vez mais, reforça-se o predomínio de um pensamento imposto pela lógica da famigerada “guerra às drogas”. Ora, não passamos da hora de olhar para o juízo que temos sobre a questão das drogas? Não urge, neste momento, refletirmos sobre os efeitos nocivos decorrentes da falta de priorização dessa agenda, no tocante à descriminalização e à legalização das drogas? Como nos libertarmos dos nossos preconceitos em relação a esse ponto, que nos divide como sociedade?

Se começássemos a nos abrir para a reflexão, talvez pudéssemos olhar para outra constatação: o grau de letalidade que as armas provocam. Esse é um tráfico que movimenta muito dinheiro e cujo ponto de venda não se encontra nas periferias. Na realidade, é para lá que são levadas. Por que não temos inteligência para desmontar essa rede? Não passou da hora de a Polícia Federal, a Rodoviária e a Guarda Costeira se articularem para agir em conjunto e reduzir a entrada de armas no Estado do Rio?

Sem olhar algumas das questões aqui expostas, dificilmente poderemos mudar a rotina que vem sendo implementada, no Rio de Janeiro, pelos agentes da segurança pública, de somente atuar nas favelas e periferias por meio de idas esporádicas nas chamadas operações policiais. Essas incursões, que mobilizam diferentes estruturas das polícias Militar e Civil, têm significado um alto gasto de munição e resultam, quase sempre, nas mortes de moradores e policiais, num quadro que gera desesperança, medo e falta de respeito à dignidade humana.
A que nível de barbárie precisaremos chegar para que essa violência acabe?

Eliana Sousa Silva é diretora da ONG Redes da Maré