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A luta contra a intolerância religiosa

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Os grupos mais atingidos pela intolerância religiosa são os de matriz africana

Todos os anos, num final de semana de setembro, a orla de Copacabana é tomada por milhares de pessoas de todos os credos, de todas as religiões, candomblecistas, umbandistas, católicos, judeus, muçulmanos, wiccanos, budistas, kardecistas, seguidores do santo daime, hare krishnas, evangélicos, ciganos, ateus e agnósticos. Elas se reúnem para participar do que já ficou consagrado como a “Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa”.

A iniciativa foi do Babalaô Ivanir dos Santos, de 61 anos, um destacado militante da defesa dos direitos da população negra e contra a discriminação racial. A caminhada, que este ano teve a sua nona edição, é uma resposta ao crescente número de casos de intolerância religiosa, no Rio de Janeiro e no Brasil.

Especialistas dizem que os dados coletados no país sobre intolerância religiosa são de dez fontes e não dialogam. Isso deixa claro que não há uma base nacional de informações sobre a intolerância e que muitos casos não chegam à opinião pública. Só no Disque 100, principal canal de ouvidoria de denúncia de violações dos Direitos Humanos, mantido pelo Governo Federal, o número de caso pulou de 15, em 2011, quando o serviço incluiu o atendimento às vítimas de intolerância, para 556, em 2015.

No Rio de Janeiro, nos últimos 4 anos, cerca de 70% dos casos de intolerância religiosa foram contra as religiões de matriz africana, segundo o Centro de Promoção da Liberdade Religiosa e Direitos Humanos do governo do estado, que é responsável pelo atendimento às vítimas. “Aqui no estado o número de casos não tem diminuído, a Comissão de Combate à Intolerância Religiosa e a própria caminhada têm contribuído para fique tudo mais explícito, cresceu muito a reação à intolerância, aumentaram as denúncias nas delegacias, mas a perseguição às religiões de matriz africana continua”, ressalta Ivanir.

Para o Babalaô, a situação nas escolas públicas é muito preocupante. Muitas vezes o agressor é o próprio professor. “As crianças de candomblé, da umbanda são obrigadas a ler trechos da bíblia e quando revelam que são de religião de matriz africana são perseguidas, não podem estar com seus colares. A escola pública não pode ensinar religião. Tem que ser laica. É para ensinar cultura, conhecimento, filosofia”, defende Ivanir.

Ivanir levanta uma questão que também é contestada por educadores e pesquisadores em textos acadêmicos ou em revistas especializadas em educação. A doutora em Educação, Stela Guedes Caputo, autora do livro “Educação nos Terreiros”, pondera que se a Constituição Brasileira é laica, ou seja, não estabelece nenhuma religião oficial e garante a liberdade de culto,“como pode estabelecer o ensino religioso nas escolas públicas?”

Educadores ainda atentam para outros questionamentos que podem ser feitos a partir dessa visível contradição da Constituição de 1988. O ensino religioso para os estudantes é facultativo. Mas a escola pública brasileira não é obrigada a oferecer outras atividades pedagógicas àqueles alunos que não querem assistir às aulas de religião. Isso não impede a implantação de um programa de ensino religioso?Como garantir que um professor de religião não imponha a sua crença a seus alunos? Ou então agir com preconceito contra aqueles que não o seguem? Uma outra questão é a diversidade religiosa. Como contemplar todos os grupos com um programa de ensino religioso?

Os questionamentos de educadores, pesquisadores, professores e religiosos ao ensino de religião na escola pública são os mais diversos. Para o líder do movimento, que surgiu no Rio de Janeiro em 2008 e leva todos os anos milhares de pessoas a caminhar do Posto 6 de Copacabana ao Leme, em defesa da liberdade religiosa, o babalaô Ivanir dos Santos, o que se reivindica é ensino público laico e de qualidade e um Plano Nacional de Combate à Intolerância.

Discriminação na infância e adolescência

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Divulgação UNICEF
Divulgação UNICEF

No Brasil, o percentual de crianças negras e indígenas chega a 54%, segundo o IBGE. A mesma pesquisa mostra que em cada grupo de 100 crianças brancas, 37 vivem em condições de pobreza, enquanto que entre crianças negras e pardas, em cada 100, 61 vivem nessas condições. Uma outra pesquisa, feita pelo Unicef em parceria com o Observatório de Favelas e o Laboratório de Análise da Violência da UERJ, revela que o número de negros e pardos com idade até 19 anos assassinados é 3 vezes maior do que o de brancos com as mesmas idades. O estado que tem a maior população negra no país é a Bahia. De lá, o Maré de Notícias ouviu a Coordenadora do Fundo das Nações Unidas para a Infância – Unicef –para Bahia e Sergipe, Helena Oliveira.Abaixo, a opinião da especialista, a partir de tópicos distintos.

Entrevista a Hélio Euclides

DESIGUALDADE

O Brasil alcançou progressos significativos na melhoria da vida de suas crianças nas últimas décadas. Contudo, isso ainda não está acontecendo para todas as crianças, especialmente quando observamos situação de meninos e meninas indígenas, negras e as crianças quilombolas. Um modelo de desenvolvimento que faz o enfrentamento à pobreza, porém acirra as desigualdades entre grupos. Ao vivenciar esse cotidiano de desigualdade, a criança tem a percepção de que negros, brancos e indígenas ocupam lugares diferentes na sociedade. Por isso, torna-se fundamental uma ação que desconstrua essa percepção, contribuindo dessa forma para mudar a realidade. É fundamental que todos se beneficiem, igualmente, dos progressos alcançados.

PRECONCEITO NA VIDA INFANTIL

O racismo causa efeitos na vida de toda e qualquer criança ou adolescente. Estudos na área de educação infantil revelam que,ainda na pequena infância, a criança já percebe diferenças na aparência das pessoas, cor de pele, por exemplo. A responsabilidade dos adultos é muito importante, neste momento, evitando explicações ou orientações preconceituosas.

A POBREZA

Pobreza não é o maior problema, mas sim a desigualdade acentuada por uma cultura do racismo nas relações entre os diferentes grupos. Sejam eles homens e mulheres, homo e heterossexuais, pretos e brancos, indígenas, judeus, entre outros.Nós adultos temos uma responsabilidade com o que dissemos e reproduzimos para as nossas crianças. Crianças não nascem racistas. Elas tão somente reproduzem o que lhes é ensinado ou visto como comum e naturalizado.

VIOLÊNCIA CONTRA ADOLESCENTES

Dentre a mais trágica face das violações de direitos estão os homicídios sistemáticos de adolescentes. Apenas em 2013, mais de 10 mil adolescentes foram assassinados. Além disso, na maior parte dos casos, não se conhecem os autores desses crimes, porque falta investigação, o que gera um ciclo de impunidade que alimenta uma onda crescente de violência. O que observamos é o número de mortes de adolescentes e jovens, um dos maiores do mundo, ultrapassando inclusive as estatísticas de países em situação de guerra e conflitos armados.

ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

No ano passado, 2015, o Estatuto completou 25 anos. O legado desse percurso está marcado por importantes conquistas para crianças e adolescentes. O Brasil é uma das nações que têm se destacado por reduzir a mortalidade infantil. Com isso, superou a meta de redução da mortalidade infantil prevista nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) antes mesmo do prazo estabelecido. Em julho de 2015, o UNICEF lançou um relatório sobre os 25 anos de aprovação do ECA que pretendeu ser uma contribuição para identificar os resultados obtidos nesse período. Representou, assim, um reconhecimento de que o País fez a coisa certa ao aprovar e implantar uma lei tão abrangente. No entanto, os dados e análises também apontaram para a necessidade de criação de políticas diferenciadas, capazes de promover a inclusão de meninos e meninas que ainda têm seus direitos violados. No caso de homicídios de adolescentes, serve como uma chamada à urgência de ações efetivas de enfrentamento da impunidade e do racismo.

Uma trajetória de luta pela cultura negra

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Hélio Euclides

Quando se pensa em cultura negra no Brasil logo nos remetemos a luta do ativista  Abdias Nascimento pelo povo afrodescendente. Uma pessoa à frente de seu tempo, que lutava contra toda forma de discriminação racial, com uma trajetória incansável. Abdias deixou um vasto legado, como obras que se encontram no Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros (IPEAFRO). Após sua morte, a esposa e cofundadora do IPEAFRO, Elisa Larkin, continua a trajetória de luta pela igualdade racial.

Muito jovem Abdias já se revelava questionador das desigualdades raciais.  No exército resistiu ao racismo e foi expulso por não aceitar entrar pela porta dos fundos. Indo morar fora do país, na Bolívia e na Argentina,em ____ entrou em contato com muitas experiências no campo das artes, em especial com o Teatro de Puebla. Voltou em 1941 para o Brasil  e quando chegou em São Paulo foi preso à revelia pelo Exército indo para o, então,  presídio do Carandiru. Abdias não se calou e fundou o Teatro dos Sentenciados, o qual os detentos faziam apresentações uns para os outros. Dentro do presídio criou o Jornal Interno. Este  falava da política penitenciária, num período que ainda se pensava no local para recuperáveis. Lá entrevistou  presos e escreveu dois livros, ainda inéditos.

Em 1944, criou o Teatro Experimental do Negro que trouxe a cultura negra para o povo. Nesse  período os negros e as negras  não podiam ficar na platéia. O lugar reservado no teatro era na faxina. Ele desnaturalizo a ideia de  teatro só para os brancos. “No combate ao racismo, para ele, não há divisão entre política e cultura. Lutava contra a discriminação, e sua bandeira era a integração. Ele combatia o estereótipo do negro pobre, sujo e bêbado. Os atores se apresentavam em grande estilo. Traziam a bandeira da luta contra a discriminação nacional e cultural. Preservavam a própria cultura”, relata Elisa.

Em 1945,fez um manifesto contra o racismo, no qual conseguiu a adesão de todos os partidos, visando influir na Constituinte de 1946. Mas o texto não foi incluído na redação final da Constituição.Em 1949, realizou uma conferência em preparação ao primeiro congresso negro. Escreveu o livro “Revoltado”, dos anais do Congresso, em que mostra a necessidade do Museu de Arte Negra, do qual assumiu a curadoria em 1955.No mesmo ano, no Congresso Eucarístico Mundial, propôs um Cristo negro, e incentivou artistas a perceber que na arte moderna brasileira a presença da cultura africana era necessária. Numa tendência de encontro entre a Europa e a África, Abdias se propôs a discutir o assunto começando  a colocar suas ideias nas suas próprias pinturas.

Exilado em 1968, no período do Ato Institucional Número Cinco, AI-5, Abdias fez exposição nos Estados Unidos. Com

DIVULGAÇÃO IPEAFRO Abdias criou o teatro experimental do negro, trouxe a cultura negra para o povo e quebrou o teatro só para brancos
Abdias criou o teatro experimental do negro, trouxe a cultura negra para o povo e quebrou o teatro só para brancos

o retorno ao Brasil, atuou pela redemocratização do país. Criou com Leonel Brizola, no PDT, uma secretaria interna dos movimentos negros, responsável pelo combate ao racismo. O pensamento de Abdias é que o negro seja o autor da mudança. No ano de 1981, fundou o IPEAFRO na PUC-SP. Em 1983,foi eleito único deputado federal negro, com o lema de que o racismo lesa a humanidade. Propôs projetos de ação compensatória, o ensino africano nas escolas, criação das cotas para o ensino superior e mercado de trabalho, mas nada foi aprovado. Só em 1996, que o assunto voltouà tona. E um ano depois foi eleito senador da República.

No Rio de Janeiro, Abdias foi por duas vezes Secretário de Estado, de Defesa e Promoção das Populações Afro-Brasileiras e de Direitos Humanos e Cidadania. Abdias durante toda a sua vida levou ao mundo a denúncia do racismo. Ele lançou diversas publicações que mostram que o Brasil precisa avançar na questão racial.

IPEAFRO E ABDIAS HOJE

O IPEAFRO, hoje localizado no Rio de Janeiro, no bairro da Glória, tem o papel de preservar o acervo documental, que reúne obras de artes de Abdias e artistas negros. O trabalho é constante para a preservação, com atividades de microfilmagem e catalogação para a organização e divulgação do acervo. Parte dessas obras que se encontram no Instituto vai para São Paulo onde ocorre, até 15 de janeiro, a Ocupação Abdias Nascimento. Um dos pontos altos da festa será o lançamento da reedição do livro: “O genocídio do negro brasileiro”.

ELISA LARKIN E A CULTURA NEGRA

À frente do IPEAFRO, a doutora em psicologia e mestre em direito e em ciências sociais, Elisa Larkin, mostra com orgulho o seu grande trabalho na parede, o qual denomina de a linha do tempo dos povos africanos. Elisa destaca que a sociedade, de modo geral,sempre associa a cultura erudita ao europeu, mas omite o conhecimento dos africanos. “Meu trabalho é trazer informações que ajude a superar essa ideia. A linha do tempo dos povos africanos insere o  erudito ao negro, apaga aquela história de que o negro começou como escravo e não tem nada mais no passado, algo reduzido”, acentua. Para ela, o negro trouxe a cultura lúdica e conhecimento com o divino, algo de filosofia. “Eles chegaram aqui ao Brasil trazendo a sua própria cultura”, resume.

A pesquisa mostra que na África nasceu à base da cultura erudita. Elisa coloca que os gregos foram à África buscar conhecimento e isso enriqueceu a civilização, por volta de 4.500 antes de Cristo. Segundo Elisa, nesse período começa a cultura negra. “Em alguns desenhos mostram o faraó egípcio branco, de uma África do Norte, isso é balela. A África é negra, tem a miscigenação, mas é africano. Se teve a ideia que a embarcação portuguesa veio em nossas terras primeiro, só que não tinham sofisticação nenhuma, os egípcios tinham bem antes embarcações de papiro, algo criado na África”, exalta.

Quando abrimos alguns livros de história, se apreende o mundo a partir da Grécia, nos quais os egípcios medem a altura das pirâmides pela sombra delas. O que se percebe uma construção com conhecimento geométrico e matemático. “As pirâmides não surgiram sozinhas, tem toda uma história, se não é tudo anedota”, frisa. O trabalho feito pela Elisa é dividido quadro a quadro, começa em 4.500 anos antes de Cristo e dividido a cada 500 anos, até o século atual. “A linha do tempo impressa ficou com quatro metros e meio de comprimento, e o que conhecemos dos negros, na parte da escravidão tem apenas 29 centímetros. É muito pequeno, isso é achar que o africano sempre foi escravizado, e esquece-se de buscar a história de sabedoria desse povo, em todos os tempos”, explica.

“O Buda é negro, os indianos tem origem africana, em 2.000 anos antes de Cristo já tinha escultura negra. Se pensa sempre na história construída por brancos e louros, e não se lembra de Otelo de Shakespeare, que era negro. A própria Luzia, a primeira brasileira tinha o perfil negro”, comenta. Elisa acredita que op ovo asiático não estava sozinho há séculos atrás, a população negra estava presente. “Ocorreu à construção da tecnologia, do progresso e da organização política. A tribo não vive isoladamente, os negros eram impérios maiores do que os romanos. A linha do tempo do africano no mundo é um suprimento didático”, conclui.

Elisa Larkin e a linha do tempo dos povos africanos
Elisa Larkin e a linha do tempo dos povos africanos

Maré de Notícias #82

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A saga da travessia

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Moradores de Marcílio Dias ficam sem passarela pela segunda vez

Hélio Euclides

Moradores antigos da Maré relatam que, no passado, a Avenida Brasil não tinha divisórias e nem passarelas. A travessia precisava ser feita para pegar água com o “rola-rola” e o galão. Meio século se passou, ocorreram duplicações e um grande aumento no número de veículos, ficando inviável e proibido atravessar as pistas driblando os carros. Contudo, o morador de Marcílio Dias viveu um pesadelo:  precisar atravessar a Avenida Brasil e perceber que uma parte da passarela estava ausente. Isso ocorreu duas vezes com a passarela 16, em frente à saída de Marcílio Dias. Esta segunda vez aconteceu no dia 21 de setembro, quando um caminhão bateu e danificou a passarela. “Esse transtorno atrapalha a vida especialmente de crianças e idosos. Estamos orando para que a situação seja resolvida”, conta Carmem Lúcia.

A Associação de Moradores de Marcílio Dias fez pedidos para diversos órgãos e conseguiu que fosse recolocado o pedaço danificado. A parte retornou ao local, apoiada por andaimes e rampas, só no dia 28 de setembro. Durante esse período de inviabilidade da passagem, placas recomendavam a utilização da passarela 15 ou 17, ambas muito distantes. O que aconteceu é que alguns pedestres improvisaram um atalho, seguindo por cima do viaduto Lobo Junior. “A população ficou em perigo, andando à noite na escuridão. O viaduto tem grades retorcidas, e fios expostos, o que traz riscos de choques. Além de objetos da pista que podem bater nas pessoas. A caminhada é de risco”, reclama Luciano Aragão, vice-presidente da Associação de Moradores de Marcílio Dias.

Alguns pedestres mais apressadinhos atravessavam as pistas e se desviavam dos carros na Avenida Brasil. O saldo negativo foi a morte de um

O atalho de madeira feito para tentar resolver o problema da passarela se mantém até hoje | Foto: Elisângela Leite

morador. “Tive de subir o viaduto para ir estudar, sei que há riscos. Mas ainda é melhor que atravessar entre os carros na Avenida Brasil. Meu vizinho morreu assim”, desabafa Neyde Marques. O problema da passarela 16 é que ela é baixa e prejudicada ainda mais pela elevação do asfalto na obra do BRT Transbrasil.

Para evitar outro acidente, placas foram colocadas pela via que determinam altura máxima de 5 metros. A Secretaria Municipal de Urbanismo, Infraestrutura e Habitação informou que foram feitos estudos para ver se a estrutura da passarela tinha sido afetada com o acidente. Após esse trabalho, foi recolocada a parte retirada. Prometeram, ainda, que em um segundo momento vão rever a necessidade de uma nova passarela que seja adequada para a pista do BRT.

 O BRT esqueceu Marcílio Dias

Além da distância da Avenida Brasil que os moradores de Marcílio Dias precisam caminhar na ida e na volta para os seus lares, o pior pode ainda acontecer. Em julho deste ano, a Secretaria Municipal de Urbanismo, Infraestrutura e Habitação declarou que a Marcílio Dias seria atendida apenas pela estação do BRT na passarela 15, denominada Marinha do Brasil. A próxima estação só seria na passarela 18, em Brás de Pina. O que chama a atenção é que a Marinha teria à sua disposição duas estações: a da passarela 15 e a 14, essa última batizada de Marinha Mercante. Do outro lado, moradores de Marcílio Dias ficariam sem acesso.

Para seguir até a passarela 15, os moradores gastariam 10 minutos, e cerca de mil passos a mais. “Há necessidade de uma estação do BRT, seria um ganho para a comunidade que já caminha tanto para chegar na Avenida Brasil”, diz Luciano. Para moradores, a estação é questão emergencial. “O acesso ao ônibus faz falta, precisamos lutar pelos nossos direitos e esquecer de quem só aparece aqui para pedir votos”, afirma Roberta. “Os governantes tinham de colaborar com o povo, mas nunca pensam na gente. Agora terei de andar mais tempo”, reclama Jociclay da Silva, morador da Rua Lobo Junior, na Penha.

Num novo contato, a Secretaria Municipal de Urbanismo, Infraestrutura e Habitação voltou atrás e mencionou que ainda é cedo para falar o local correto de onde vão ser as estações, pois a obra do BRT não foi concluída.

20 de novembro: Dia de chamar a atenção para o extermínio de jovens negros

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Jorge Melo

Durante muito tempo, até os anos 1970, comemorou-se no 13 de maio a Libertação dos Escravos, data em que a princesa Isabel assinou a Lei Áurea. Isabel era lembrada até então como a Redentora. No entanto, com o surgimento dos movimentos negros e as pesquisas históricas ficou claro que a Lei Áurea não foi um gesto de bondade, mas fruto de um processo de lutas dos escravizados e de parte da sociedade. Fixou-se, então, a imagem de Zumbi, o último dos líderes do Quilombo do Palmares, uma das primeiras e a mais importante experiência de luta organizada dos negros pela liberdade no Brasil. Assim, foi criado O Dia da Consciência Negra. Além da luta dos negros, o que acabou mesmo com a escravidão brasileira foi o avanço do capitalismo internacional, que queria gente capaz de comprar produtos, consumir – coisas que os escravos não faziam. Nada de achar que a princesa Isabel era boazinha.

O Quilombo dos Palmares resistiu a ferro e fogo por mais de 80 anos. Em 1694, foi completamente destruído por uma milícia comandada por bandeirantes paulistas, contratados pelos senhores de terras de Pernambuco. Palmares tinha então cerca de 20 mil habitantes. Depois de Palmares, embora os quilombos tenham se espalhado por todas as regiões do Brasil, nenhum teve a mesma força e organização.  E apesar da luta permanente dos escravizados pela liberdade, o Brasil foi um dos últimos países do mundo a acabar com a escravidão, em 1888. Esse período tão longo deixou feridas abertas na nossa sociedade e alimentou o racismo, o preconceito e a desigualdade social.

O sociólogo Jessé Souza, que pesquisa as causas da desigualdade no Brasil, afirma que a chave para entender o racismo é a herança da escravidão. Fazendo as contas, temos apenas 129 anos sem sermos escravizados. É pouco tempo para apagar marcas tão profundas. A partir dessa constatação é possível entender que certos comportamentos e atitudes que registramos hoje são reflexo de um outro tempo, que embora pareça distante está mais presente que nunca.

No livro A Elite do Atraso – da Escravidão à Lava Jato, lançado recentemente, Jessé de Souza diz que a escravidão, enquanto existiu, até 1888, era a instituição que influenciava todas as outras. Ou seja, justiça, polícia, negócios, educação, comércio e, até mesmo, o contato entre as pessoas que não eram escravas, afinal era um sistema econômico perverso, mas um sistema econômico que regia a vidas de todos. Um exemplo: mesmo quem não tinha muito dinheiro – os chamados “escravos de ganho” – viviam em relativa liberdade e, em troca, pagavam uma taxa diária ou semanal ao seu “senhor”.  Muitos “escravos de ganho” juntaram o suficiente para comprar a carta de Alforria. Mas, ao mesmo tempo, ficaram sem recursos para começar a nova vida. Da mesma forma, eram as “escravas de ganho” que, em geral, vendiam quitutes pelas ruas da cidade, uma tradição que se mantém até os dias de hoje.

Herança incômoda

Essa herança de uma sociedade que estava dividida entre quem tudo pode e quem não tem direito algum não foi apagada. Basta lembrar as condições de trabalho das empregadas domésticas até bem pouco tempo e a famosa Proposta de Emenda à Constituição, PEC das domésticas, que deu direitos trabalhistas integrais a essas profissionais, mas gerou muita polêmica e enfrentou muitas resistências.

Se o sistema é ruim para as empregadas domésticas, ele é ainda pior para as trabalhadoras domésticas negras. Elas são maioria, têm escolaridade menor e ganham menos. Em 2014, 10% das mulheres brancas eram domésticas, índice que chegava a 17% entre as negras, segundo dados do Ministério do Trabalho e Previdência Social.

É comum e muitas vezes desrespeitosa a abordagem policial em negros, pobres e favelados que são detidos sem justificativa | Foto: AF Rodrigues

Entre as heranças do escravismo estão o preconceito e a discriminação, presentes nos padrões de beleza, na publicidade, nas palavras e expressões como “denegrir”, “a coisa tá preta”, entre outras; nos quartos de empregada, nos elevadores de serviço, nos uniformes das babás, no comportamento dos seguranças com os negros, mesmo de classe média; nas blitzes policiais, nas ações das PMs nas favelas.

O Atlas da Violência 2017 mostra que jovens negros de baixa escolaridade são as principais vítimas de mortes violentas no País. A população negra corresponde à maioria, 78,9%, dos 10% dos indivíduos com mais chances de serem vítimas de homicídios. De cada 100 pessoas assassinadas no Brasil, 71 são negras. Em relação às mulheres, enquanto a mortalidade de não negras (brancas, amarelas e indígenas) caiu 7,4%, entre 2005 e 2015, entre as mulheres negras o índice subiu 22%.

Exército e Polícia

Segundo o antropólogo Luiz Eduardo Soares, um estudioso da questão da Segurança, com vários livros sobre o tema, “a tendência é que os militares ajam como se estivessem em guerra e atuem com força extrema, identificando o outro como inimigo a ser abatido e é justamente pelo fato de as polícias militares estarem atuando como réplicas do Exército, em desvio de função, que nossa situação é tão dramática, é por isso que há mais de seis mortes provocadas por ações policiais, no País, todos os dias, e é também por esse motivo que tantos policiais são assassinados – em números crescentes. No fundo, é como se o Brasil, e o Rio em particular, estivessem abdicando de promover a segurança cidadã, tal como determinado pela Constituição, e se rendessem à Força, exclusivamente, em especial à força letal dos braços repressivos do Estado”. Ainda segundo o antropólogo, “dos cerca de 60 mil homicídios dolosos ocorridos por ano no Brasil apenas 8% são investigados. Por investigados, quero dizer: eles são acolhidos pelo Ministério Público e considerados suficientemente instruídos a ponto de que se formule uma denúncia que passe à Justiça, dando início a um processo”. Ou seja: 92% destes crimes permanecem inteiramente impunes.

A farsa da abolição da escravatura

A escravidão chegou ao fim em 1888 apenas no papel, pois na prática foi criado o cidadão de segunda classe: sem direitos, sem garantias, sem educação formal. Boa parte permaneceu com os antigos “senhores”, trabalhando em troca de casa e comida.

Houve exceções, uns poucos tinham uma especialidade: pedreiro, sapateiro, marceneiro, ourives, alfaiate, músico. Esses foram beneficiados. A massa, no entanto, tinha apenas as mãos para ganhar a vida e nenhum tipo de apoio. Como negociar com o empregador nessas condições extremamente adversas? Que margem de manobra tinha uma pessoa nessas condições? O negro foi aceito para fazer o trabalho que os brancos não consideravam adequados para eles. Data daí o surgimento das primeiras favelas, em áreas de difícil acesso, como morros e mangues. A desigualdade é a herança do escravismo. Na Lei Áurea não havia reforma agrária nem reforma urbana, nem um único programa de formação de mão de obra. As primeiras leis de proteção ao trabalhador, por exemplo, só surgiram com Getúlio Vagas, que assinou a CLT – Consolidação das Leis do Trabalho, em 1º de maio de 1943.