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Maré de Notícias #75

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Até quando?

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Seguimos estarrecidos com o aumento dos números da violência no Rio de Janeiro, em particular depois do agora visível fracasso das UPPs

01/04/2017 – 08h01

Eliana Sousa Silva, O Globo

As incursões das polícias Militar e Civil em algumas das favelas da Maré, tendo como referência os últimos três meses de 2017, chamam atenção pelo grau de truculência e também pela falta de transparência sobre as razões que os levam até lá. Expõem, ainda, de maneira dramática, o
desgoverno que vivemos no Estado do Rio de Janeiro, em todas as instâncias da administração, especialmente no âmbito da Secretaria de Segurança Pública.

Contudo, no tocante ao modo histórico como as vidas de moradores de favelas e periferias no Rio de Janeiro são impactadas pelas ações abusivas das polícias, percebemos que essa forma arbitrária de atuação não é circunstancial, fruto da falência do governo estadual. Ao contrário, temos
a sensação de que sempre estivemos nesse lugar da violência e autoritarismos das forças de segurança, em especial.

As tentativas de se criarem experiências alternativas de segurança pública nas favelas, na perspectiva do policiamento comunitário, começaram no primeiro governo Brizola, no início dos anos 1980.

No ano 2000, tivemos, ainda como uma estratégia localizada, a instalação do primeiro Grupo de Policiamento em Áreas Especiais (GPAE) — no complexo de favelas Cantagalo/Pavão-Pavãozinho. Esta estratégia ganhou escala e maior visibilidade em 2008, quando a Secretaria de Segurança
Pública anunciou uma iniciativa no Morro Dona Marta que foi, posteriormente, denominada Unidade de Polícia Pacificadora (UPP). De modo ampliado, ambas tinham como pressupostos atuar na aproximação da Polícia Militar com os moradores de favelas.

O programa das UPPs, que se estende até o momento a algumas das favelas da Região Metropolitana, tem sido, na sua trajetória, questionado em vários aspectos. O mais expressivo foi a incapacidade de seus proponentes, em geral, de compreenderem de forma mais profunda o efetivo
direito à segurança pública dos moradores de favelas e outras periferias, cidadãos do estado que nunca tiveram essa experiência no seu cotidiano.
De fato, os gestores públicos, com o apoio das forças conservadoras da sociedade, nunca reconheceram historicamente essa demanda, considerando as drogas, vendidas de forma varejista nas favelas, como o principal crime a ser combatido — transformando, então, a vida de todos os
seus moradores num inferno de dor e perdas materiais, de esperança e, acima de tudo, de vidas.

Assim, seguimos estarrecidos com o aumento dos números da violência no Rio de Janeiro, em particular depois do agora visível fracasso das UPPs.

Se olharmos uma porção dessa violência que envolve grupos criminosos armados e polícias a partir do maior conjunto de favelas na cidade do Rio de Janeiro — a Favela da Maré —, chegamos a números alarmantes: 14 operações policiais nos três primeiros meses de 2017 — tendo como
resultado 16 feridos e 12 mortes. Dentre estas, tivemos 11 moradores e um policial; entre os feridos, foram 14 moradores e dois policiais.
Como agravante, tivemos nesse período, na Maré, sete dias de conflitos entre dois grupos armados, que ocasionaram seis mortes e três feridos.
Num grito aflito e de busca por caminhos, indago: até quando vamos naturalizar esses homicídios?
Até quando vamos dizer que acontecem em decorrência do tráfico de drogas? Até quando as armas terão livre chegada nos territórios de favelas e periferias? Até quando vamos buscar razões para, além das que já temos, para agir? Não está na hora de darmos, todos e todas, um basta!? Como
aceitarmos ver tantas vidas abreviadas?

Será que não passou da hora de outros órgãos do Estado, tais como o Ministério Público e a Polícia Federal, assumirem os papéis que lhes cabem nesse processo? Acima de tudo: de ser ouvida a sociedade local e se buscar construir, de forma coletiva, regras de convivência no território que
tenham a defesa da vida como princípio fundamental? Até quando teremos de aguardar o respeito aos nossos direitos?

Eliana Sousa Silva é diretora da ONG Redes da Maré

Maré de Notícias #74

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Maré de Notícias #73

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Maré de Notícias #72

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A cena do crack de perto

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Por Lidiane Malanquini, Maïra Gabriel Anhorn e Eliana Sousa Silva

No Brasil, as políticas e a opinião pública sobre questões relacionadas a drogas ilícitas se dão essencialmente pela via da repressão criminal. Essa visão, que se traduz na “guerra às drogas”, tem consequências trágicas, principalmente, para as populações de espaços populares. Nos últimos anos, essa questão encontrou um símbolo, visível e midiático, na presença de cenas abertas de consumo de crack, as chamadas “cracolândias”, definidas por meio de estereótipos e transformadas em bodes expiatórios para problemas sociais complexos.

A partir de 2012, a “questão do crack” passou a fazer parte das preocupações dos moradores da Maré de forma mais perceptível quando, em consequência da instalação da UPP de Manguinhos e Jacarezinho, usuários de crack migraram para a Av. Brasil, na altura do Parque União. Cerca de 500 pessoas passaram a circular entre as várias cenas de consumo na localidade.

A presença dos usuários em uma via de grande tráfego chamou a atenção da imprensa e provocou intervenções da Secretaria Municipal de Ordem Pública. Os usuários foram transferidos para “dentro” da favela e se fixaram no Parque Maré, onde um grupo de aproximadamente 80 pessoas permanece até hoje. O lugar se constituiu como uma cena de consumo, a “cracolândia da Flávia Farnese”, como é conhecida.

Com o desejo de compreender as relações e dinâmicas estabelecidas pelo grupo e iniciar um processo de diálogo sobre o tema das drogas na Maré, uma equipe de tecedores da Redes da Maré passou a frequentar o local regularmente. A parceria com a Associação de Moradores do Parque Maré, que já vinha realizando um trabalho de mediação junto aos usuários de crack, foi fundamental para essa aproximação.

Ao longo da iniciativa, foram propostas atividades que buscaram interferir no cotidiano do grupo, criando espaços de diálogos, produção e reflexão. Destacamos os encontros fotográficos de pinhole com a fotógrafa Tatiana Altberg; as exibições de filmes com o Cineminha no Beco, de Bhega Silva; e a realização do curta “Cena”, pela Escola de Cinema Olhares da Maré (Ecom).

No espaço da Flávia Farnese, vem se formando, há quase três anos, uma comunidade que se organiza em torno do uso do crack, mas também a partir de relações afetivas e trajetórias coletivas, marcadas por uma extrema vulnerabilidade e pela exposição a inúmeras violências. Uma comunidade onde pessoas construíram arranjos de convivência, e onde existem relações e conflitos, regras e transgressões, violências e solidariedades, medos e desejos. Muitos deles não chegaram ao espaço por causa do crack, mas sim por diversos motivos pessoais, econômicos e sociais, e encontraram ali um apoio para sobreviver.

A pesquisa aponta que cerca de 40% dos que estão na “cracolândia” são nascidos e criados ou possuem algum vínculo familiar na Maré. Destes, a maioria frequenta o domicílio familiar que lhe oferece alimentação, descanso e, de alguma maneira, uma melhor qualidade de vida. Uma mãe confessa: “É muito cansativo saber que ele está lá e eu ter que recebê-lo todo dia, mas pior de tudo é que a própria família e os meus vizinhos me julgam por isso”. O depoimento relata um dos dramas vividos pelos usuários de crack e seus familiares: o estigma relacionado ao “ser cracudo”.

É comum a percepção dos próprios usuários quanto ao preconceito que a população, de forma geral, tem: “O cracudo é considerado o lixo do homem, as pessoas não veem a gente como gente”, diz um dos entrevistados. “É triste quando a gente passa, as pessoas atravessam para o outro lado da rua, tem medo de ser assaltado, nem todo mundo aqui é vagabundo”, comenta outro residente. Essa percepção do “cracudo” como ‘não-gente’, potencialmente criminoso, guiado unicamente pelo desejo da droga, está longe do perfil das pessoas que encontramos ao longo desses meses. A maioria delas não recorre a atividades ilícitas para obtenção de renda, mas sim desenvolve um conjunto de atividades informais para satisfazer suas necessidades. Muitos expressam desejos similares aos de boa parte dos brasileiros: mais oportunidades, mais respeito, moradia, emprego, melhor relação com a família. E também, para alguns, parar ou diminuir o uso abusivo de drogas.

Observamos, assim, a necessidade de uma intervenção voltada para o cuidado e a garantia de direitos dos usuários de drogas. Nesse sentindo, novas políticas públicas vem sendo formuladas, com a abordagem de redução de danos, permitindo que a prioridade seja colocada sobre o atendimento e efetivação de direitos para esta população, tais como acesso à saúde e a rede de proteção social. É esta a premissa de instituições que realizam atendimento direto nas cenas, como o Consultório na Rua, o CAPSad e o Proximidade.

Esperamos que seja o início de uma mudança progressiva e coletiva na Maré, para que as “cracolândias” não sofram do mesmo abandono a que as favelas foram historicamente relegadas, através de rótulos e estigmas que impossibilitam a construção de politicas públicas sustentáveis. Um passo a mais para que as “cracolândias” não continuem sendo espaços que poucos veem.

Esta iniciativa que combinou pesquisa, intervenção e articulação institucional foi realizada entre janeiro e julho de 2015, em parceria com o Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), o Núcleo Interdisciplinar de Ação e Cidadania (NIAC/ UFRJ), e apoio da Open Society Foundation.

CAPSad

O Centro de Atenção Psicossocial Álcool Outras Drogas (CAPSad) III Miriam Makeba, aberto em 2014, é um serviço municipal de saúde mental, voltado para o cuidado integral a pessoas com problemas devido ao uso de álcool e outras drogas. O trabalho é pautado pela lógica da atenção psicossocial e pela redução de danos, de modo que privilegia os vínculos pessoais e as relações subjetivas com o território.

O Caps conta com equipe multidisciplinar que inclui psicólogos, médicos, enfermeiros, terapeuta ocupacional, musicoterapeuta, assistentes sociais, técnicos de enfermagem. Com isso, oferta uma gama de diferentes formas de cuidado, como atendimentos individuais e em grupo, oficinas, medicação, convivência, permanência noturna para pacientes em crise, atividades culturais e visitas domiciliares e às cenas de uso de drogas. Também há atendimento às famílias, em grupo, sempre às segundas-feiras. O CAPSad III Makeba recebe toda pessoa que procura a instituição com uma demanda de tratamento. A área de abrangência A.P. 3.1 correspondente aos bairros da Ilha do Governador, Manguinhos, Bonsucesso, Maré, Ramos, Complexo do Alemão, Olaria, Penha, Brás de Pina, Jardim América, Cordovil, Vigário Geral e Parada de Lucas.

Endereço: Rua João Torquato 248 – Bonsucesso
Tel.: 3889-8441 / 99721-4209.
Atendimento 24h.

CENA
Conceito utilizado nas ciências sociais para  referir-se a espaços de interação social e estudar dinâmicas, contextos e grupos sociais delimitados em um espaço específico.

REDUÇÃO DE DANOS
Políticas, programas e práticas que visam reduzir consequências econômicas, sociais e de saúde, causadas pelo uso de drogas psicoativas legais ou ilegais, sem ter a abstinência como pré-requisito.

CONSULTÓRIO NA RUA
Equipe multidisciplinar de saúde, móvel, que assiste a populações em situação de rua, que trabalham de maneira integrada à rede de saúde e de assistência social.

Endereço: Av. Dom Helder Câmara, 1390, fundos – Manguinhos
Tel: 2201-4476

PROXIMIDADE

Projeto da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, inaugurado em 2014, para atendimento da política de assistência social voltada para pessoas que se encontram em cenas abertas de consumo de drogas.

Endereço: Rua da Regeneração nº 654 – Bonsucesso
Tel: 98909-1431