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Maré de Notícias #61

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[toggle title=”Pezão receberá propostas da Maré”]

Por Hélio Euclides

Dirigentes das 16 associações de moradores do conjunto de favelas da Maré elaboraram um plano de ações com as principais necessidades locais. O documento será entregue ao governador Luiz Fernando Pezão, no final de abril. A ideia do plano nasceu em uma reunião no Palácio Guanabara, em 25 de fevereiro passado, entre as lideranças comunitárias e o governador.

Segundo Pedro Francisco dos Santos, presidente da Associação do Conjunto Esperança, o objetivo é que governo invista nas prioridades elencadas por quem mora e trabalha na Maré. “O poder público deve nos ouvir e não trazer para cá o que ele quer e sim o que nós de fato precisamos”, explicou. Para elaborar o documento, as lideranças se reuniram três vezes no mês de março, mas as discussões do grupo sobre as mudanças estruturais necessárias à Maré já ocorrem desde 2009, por meio do projeto Maré que Queremos, da Redes da Maré, e em reuniões entre os dirigentes, que formaram um coletivo.

Conheça algumas propostas do plano de ações

  • Reconhecimento e legitimação, pelo governo do estado, da representação institucional do Fórum das Associações de Moradores.
  • Edificação de mais uma Fundação de Apoio à Escola Técnica (Faetec) na região que abrange Conjunto Esperança, Vila do João, Vila do Pinheiro, Timbau, Conjunto Bento Ribeiro Dantas e Baixa do Sapateiro (já está prevista uma unidade na Nova Holanda).
  • Utilização das escolas de ensino fundamental já existentes para oferta de Ensino Médio no período noturno em todas as comunidades da Maré.
  • Construção de mais uma escola de ensino médio.
  • Apoio à instalação de uma creche no Conjunto Esperança e à reforma da creche Tio Mário, na Vila do João.
  • Oferta de turmas de supletivo de jovens e adultos.
  • Arborização das comunidades.
  • Implantação do Programa de Agentes Ambientais.
  • Limpeza de todos os canais existentes nas comunidades.
  • Revisão de toda a rede de esgoto e pluvial.
  • Instalação de duas agências bancárias.
  • Ampliação do atendimento da Agência Estadual de Fomento (AgeRio).
  • Instalação de um posto local do Sebrae.
  • Instalação de casas lotéricas.
  • Regularização do transporte alternativo (kombis, vans e mototáxis).
  • Ampliação das linhas de ônibus que circulam na Maré e extensão de operação para todos os dias da semana.
  • Reforma da Lona Cultural da Praia de Ramos.
  • Criação de projeto e de inclusão digital para a terceira idade.
  • Implantação de unidade de saúde 24 horas na área que abrange Baixa do Sapateiro até a Praia de Ramos.[/toggle][toggle title=”A arte das bonecas Banto”]Por: Hélio Euclides

Quando vamos comprar boneca, é muito difícil achar o brinquedo na cor negra. Isso aconteceu com a assistente social Alessandra Alves, quando foi adquirir uma boneca para a filha. “A loja dizia que a fábrica não entregava e o fabricante alegava que o estabelecimento não fazia o pedido. Depois da reclamação a ambos foi que a boneca negra apareceu na loja”, relata ela. Na Maré é mais fácil de achar, pois um grupo de mulheres cria bonecas banto e bijuterias com tema afro, além de realizar oficinas e cursos sobre como fabricar, para não deixar a cultura morrer.

Tudo começou com uma professora chamada Telma, há uns 12 anos, na Ação Comunitária do Brasil (ACB), na Vila do João. Depois o grupo queria mais e foi se aprofundar num curso oferecido no Sesc Madureira. A partir daí o gosto por criar e recriar bonecas e bijuterias não parou.

Essa é a história de Edite Pereira Neves e Maria de Fátima Martins, moradoras da Maré e hoje instrutoras da arte afro. “Quando estamos fazendo é muito emocionante, já que criamos, mudamos o cabelo, além de esquecermos dos problemas, pois é prazeroso até a conclusão, quando ficamos admirando as bonecas; amamos por serem lindas e nos inspiram a continuar”, detalha Edite. Elas contam que já venderam seus artigos no Fashion Rio e até exportaram para a Europa. “Nos eventos é só elogios. Os turistas sempre querem como lembrança”, comenta Maria.

O nome “banto” foi especialmente escolhido, conforme explica Edite. “Quando foi criado o curso, tinha que ter um nome e a expressão surgiu da denominação que receberam os primeiros escravos que chegaram ao Brasil, com as danças e toda cultura afro. Vieram da África e continuamos a nossa cultura”. Segundo o dicionário, banto também denomina o conjunto de línguas faladas pelos povos africanos que vieram para o Brasil.

Edite e Maria realizam oficinas de três horas, que são uma pincelada sobre como fazer as bonecas. Para aprender essa arte é preciso dedicação e gostar muito, pois é trabalhoso. Segundo Maria, nem todos que tentam seguem o ofício. Muitos já desistiram. “Acredito que desistiram por achar difícil, as bonecas são todas feitas à mão, com moldes e segredos. Também os moradores não aproveitam muito o que a Maré dispõe”, acredita Maria.

Trabalho artesanal

 Um dos segredos é que a criação das bonecas não é unitária; elas são confeccionadas por etapas, com inúmeras peças. São artesanalmente feitas a partir de retalhos, com miçangas nas roupas e cabelos que sempre reproduzem penteados afro. Foram criada em homenagem à beleza da figura negra, e são encontradas na forma de chaveiros, broches, brincos, cirandas, colares e também em aplicações nas roupas.

As duas reclamam que já viveram o auge, quando a ACB estava voltada para o afro,na época em que havia mais angolanos na Maré. Nessa fase elas chegaram a fazer 400 bonecas em um mês. Elas também reclamam quando o assunto é vender as criações. “Para vender aqui é difícil, é um chororó em relação ao preço, não há valorização. Alguns ainda dizem que é de macumba ou vudu. Agora o povo só quer boneca Barbie, esquecem a nossa cultura”, afirma Edite.

Pela pouca procura, no momento está tudo guardado em caixas. Vamos aproveitar e presentear nossas crianças?

Bonecas banto e bijuterias afro

 Chaveiro = R$ 15

Ciranda = R$ 50

Casal capoeirista = R$ 80

Broche = R$ 10

Colar = R$ 25 a R$ 40

Bonecas = R$ 30

Para mais informações: 98327-2035 ou [email protected]

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[toggle title=”O mar não está para peixe”]

Por Hélio Euclides

O Maré de Notícias vai fazer uma viagem pelas quatro colônias, Marcílio Dias, Praia de Ramos, Parque União e Vila do Pinheiro. Nessas visitas um pescador contará causos, histórias da favela e de sua vida. O primeiro porto é o de Marcílio Dias e o entrevistado é Lourival Santos, batizado no mar de Mestre Louro.

Lourival Santos, o Mestre Louro, nascido em Campina Grande, na Paraíba, em 1942, veio para o Rio de Janeiro por causa da fome, saiu da terra natal aos 15 anos de idade. “Não deu para suportar a seca, faltava opção, ou seja, emprego”, conta. Aqui no Rio primeiro foi morar em Copacabana, atuou na construção civil, depois como militar no quartel e mecânico de elevador.

Sua vida mudou quando passou a pescar com um amigo nas férias e pegou gosto. “Naquele tempo era muito bom, tinha muito peixe. Hoje o fracasso é ficar parado, não tem peixe”, desabafa.

Louro lembra com carinho do tempo em que chegou a Marcílio Dias; havia apenas uns 10 barracos. Com a chegada da luz foi para 100 e depois foi tudo muito rápido. “A Caixa Econômica dava o terreno e o material e fizemos as casas de alvenaria. Mas hoje me sinto mal em casa, não saio de próximo do cais, fico a olhar o mar”, afirma.

Com mais de 50 anos de cais, Mestre Louro foi um dos fundadores da cooperativa MarCoop, que é filiada a Colônia da Praia de Ramos. Nessas cinco décadas, os pescadores passaram por grandes batalhas, uma foi a luta contra uma empresa que desejava tomar o cais, mas ao final deu tudo certo.

Barco parado no cais por falta de dinheiro

 Na opinião do pescador, o vilão do momento é a poluição, que está exterminando os peixes. “Dependemos do mar, temos que lutar contra os grandões que poluem. Para pescar hoje só da Ponte Rio Niterói para lá (pra fora). Quem tem um barco de pouca força, já era”, relata Louro. Segundo ele, não existe amparo nem apoio à cooperativa,

que tem 25 embarcações. “Ninguém vem nos ajudar, nem trazer aterro da perimetral. Há quatro anos fizeram uma maquiagem no cais. Depois disso já caiu uma parte e outra parte corre o mesmo risco”, denuncia.

Sobre histórias do mar, são inúmeras. Uma das mais fortes foi quando afundou com um barco cheio de peixe, mais precisamente 10 toneladas que ele iria descarregar em Niterói, na fábrica de sardinhas. “Perdemos tudo e só sobrevivemos porque estávamos próximo à praia. Um guindaste nos trouxe de volta, mas o motor se perdeu. Mais um barco parado. Escapei de morrer umas 30 vezes, o vento forte é nosso inimigo. O mar não tem cabelo, ele revolta muito rápido”, poetiza Louro.

Agora o maior medo é da situação econômica que faz fechar as fábricas de sardinhas. “Hoje só dá para sobreviver. O que nos segura são as firmas de pesca, as empresas de sardinha em lata. Vendemos o peixe de R$ 0,30 a R$ 0,40 o quilo, isso quando a fábrica quer os peixes”, lamenta.

Para uma embarcação ir para o mar é necessário no mínimo 11 tripulantes e um investimento de R$ 1.000. Tem barco que não sai do cais por falta de dinheiro. “De ano em ano tem que fazer manutenção nos barcos, pois a Marinha pega no pé. Só não pede pneus porque barco não tem. Nossa esperança era o ministro da Pesca, mas ele não sabe nem colocar isca no anzol, teria que ser uma pessoa que entenda o sofrimento do pescador”, argumenta.

O que anima Mestre Louro é que a profissão ainda passa de pai para filho. Ele explica que o mar é marcante; o que ele lucrou dos peixes é o que o ajudou a criar as duas filhas. “Deus dá o peixe e não nos cobra dinheiro. Não é uma profissão fácil, minha família aceita, mas acha uma vida de maluco, saio às 4h da manhã e não tenho horapara voltar, vou num dia e volto no outro”, conclui.[/toggle][toggle title=”Processo civil contra violações do Estado”]Por: Silvia Noronha

As pessoas que se sentiram atingidas pela violência praticada por agentes de segurança do governo do Estado (das polícias civil e militar) podem procurar o caminho da Defensoria Pública. O defensor público do estado do Rio Daniel Lozoya se colocou à disposição dos moradores da Maré que queiram entrar com ação de responsabilidade civil contra o governo do estado. Diferentemente de um processo criminal, o objetivo da ação civil é buscar uma indenização para reparar danos financeiros enfrentados pelas vítimas.

Podem procurar a Defensoria as vítimas de bala perdida durante ação policial ou seus familiares e também moradores que sofreram danos pessoais ou domiciliares provocados por ação policial. “O Estado provocou aquela situação de confronto e tem que ser responsabilizado pelo risco que ele criou”, explica Lozoya, que esteve na Maré em março e já conversou com alguns moradores.

Lozoya, entretanto, explica que não cabe pedido de indenização se a vítima tiver trocado tiros com a polícia, a menos que tenha sido um caso de execução. “A principal arma do morador é filmar as ações da polícia. É importante também que o local do crime seja preservado”, afirma ele.

Defensoria Pública: Rua México, 11/15º andar. De 10h às 18h

Momento de transição

O apoio chega em boa hora, tendo em vista as Forças Armadas estarem sendo gradativamente substituídas pela Polícia Militar, desde 31 de março. A total substituição está prevista para 30 de junho. A Maré está ocupada militarmente desde 25 de março, sendo nos primeiros dias pelo Bope e Batalhão de Choque e em seguida, a partir de 5 de abril, pelas Forças Armadas.

Em um ano, o governo federal gastou R$ 461,6 milhões para manter homens do Exército e Marinha no Conjunto de Favelas da Maré, com seus tanques, armas de guerra e barricadas. Segundo reportagem do jornal O Dia, 30 pessoas foram mortas neste período na Maré, em diferentes circunstâncias, entre eles estão Terezinha Justino da Silva, de 67 anos, na Vila do Pinheiro, em 15 de abril do ano passado; Osmar Camelo, presidente da Associação de Moradores do Morro do Timbau, em 15 de setembro; Felipe de Araújo Vieira, de 23 anos, no Pinheiro, em 20 de janeiro passado; e Rivaldo Sousa, na Vila do João, em 20 de fevereiro.

Neste período, também houve diversas denúncias de abusos, conforme relatado na edição 59, de novembro do ano passado, na reportagem: “Tensão e mortes”, que pode ser lida no site da Redes, em redesdamare.org.br.

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Maré de Notícias #60

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[toggle title=”5 anos juntos”]

Fazer comunicação comunitária é muito bom, mas não é nada fácil, principalmente se a proposta for elaborar um jornal impresso. O pagamento à gráfica e a necessidade de montar um sistema de distribuição tornam o desafio ainda maior. Este é o caso do nosso Maré de Notícias, que completou cinco anos em dezembro passado, com 59 edições. Um feito, sem dúvidas, mas não somos os únicos; há muitos grupos fazendo comunicação comunitária, a maior parte pela internet.

Entre os veículos impressos, além do Maré de Notícias, existem: Fala Roça, da Rocinha; Fala Manguinhos, do Complexo de Manguinhos; Voz das Comunidades, do Alemão (que no fim do ano voltou a ser impresso); e A Notícia Por Quem Vive, da Cidade de Deus.

Simone Quintella, uma das fundadoras do Fala Manguinhos e da Agência de Comunicação Comunitária de Manguinhos, conta que o lançamento do jornal foi pensado para democratizar as informações das 17 favelas que formam Manguinhos, onde moram cerca de 40 mil pessoas (IBGE, Censo 2010). “As coisas aconteciam, mas a informação não circulava, porque Manguinhos é grande. Apenas uns poucos privilegiados tinham acesso ao que ocorria por aqui. O jornal ameniza essa situação”, afirma Simone.

O Fala Manguinhos foi lançado em novembro de 2013 por um grupo de moradores. A ideia nasceu no grupo de comunicação do Conselho Comunitário de Manguinhos. Inicialmente tinha periodicidade mensal, mas depois passou para bimestral, por causa do custo. São 10 mil exemplares, distribuídos pela própria equipe que escreve. Um exemplar é deixado na porta de cada casa e nas instituições locais (a exemplo do que fazemos com o nosso Maré).

Eles também estão tentando captar anúncios das empresas locais para garantir a existência do jornal que, atualmente, conta com apoio da Fiocruz e recentemente recebeu verba do prêmio Favela Criativa, patrocinado pela Light e Secretaria Estadual de Cultura. Fazem parte dos planos lançar uma rádio-web e remunerar a equipe, formada por 12 pessoas, sendo 10 moradores.

Rio tem 118 veículos de comunicação comunitária

 Além das ações citadas acima, a pesquisa “Direto à comunicação e justiça racial”, do Observatório de Favelas, mapeou a existência de 118 iniciativas comunitárias de diversos tipos na Região Metropolitana do Rio. Desse total, 70 responderam a um questionário (nós fomos um deles!). A maior parte das ações de comunicação (52 de um total de 70) existe somente pela internet (blogs, redes sociais, site, web-rádio e web-tv). Jornais e revistas impressos são apenas 10, de acordo com a pesquisa, concluída em 2014. Existem também seis canais de rádio comunitária e dois de TV. Vida longa a todos!

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[toggle title=”Luta ganha visibilidade após eleições”]

A luta pela Democratização da Comunicação em nosso país passou a ter alguma organicidade por volta de 1987, quando aconteceram as primeiras articulações e debates para tentar contribuir para o conteúdo da nova Constituição, que terminou sendo aprovada em 1988. Infelizmente, passados 25 anos da aprovação da nossa atual Constituição, os principais capítulos da mesma que tratam da comunicação não foram regulamentados. Os ‘barões da mídia’ e os ‘imperadores das teles’ não querem que haja nenhum tipo de regulação da mídia em nosso país. Dizem que isso seria uma censura, um atentado à liberdade de imprensa.

Na realidade, quem faz censura todos os dias são os donos das principais empresas de comunicação no país, impedindo a pluralidade de ideias, a diversidade de fontes de opinião, o debate do contraditório, e impondo um ‘pensamento único’, manipulando a informação, deturpando a notícia, contando ‘meias verdades’, exercendo na prática uma verdadeira ‘liberdade de empresa’. Suas TVs, rádios, jornais e revistas dizem o que querem, sua opinião passa a ser a ‘verdade’ nacional, e ninguém tem a oportunidade de divergir ou de contestar.

Desde 1991, o Fórum Nacional Pela Democratização da Comunicação (FNDC) vem organizando as principais lutas e campanhas pelo direito à comunicação, pela liberdade de expressão e pela democratização da comunicação. Do apoio à luta das rádios e TVs comunitárias, do fortalecimento da comunicação pública, da luta por uma internet livre e democrática e de boa qualidade (banda larga), da implantação do Canal da Cidadania na TV digital aberta, do apoio para dar sustentabilidade à comunicação alternativa, popular, independente e livre, nas vitórias para regulamentar a Lei do Acesso à Informação, a Lei do Serviço Condicionado (TV por Assinatura), o Marco Civil da Internet, da luta pela criação e implantação dos Conselhos de Comunicação, na luta pela organização e implementação da I Conferência Nacional de Comunicação (ConFeCom), à luta mais geral para conquistar um novo Marco Regulatório das Comunicações, o FNDC sempre esteve lá.

O FNDC sempre esteve formulando projetos de políticas públicas, denunciando as arbitrariedades cometidas pelo oligopólio das grandes redes de comunicação, negociando e pressionando os poderes públicos, formando novos quadros e capacitando ativistas, coletando abaixo-assinados, fazendo campanha nas ruas e nas redes, travando várias batalhas e utilizando-se de várias estratégias para fazer avançar em nosso país essa luta pela democratização da comunicação.

Desde maio de 2013 estamos nas ruas, praças, escolas, universidades, igrejas e comunidades, coletando assinaturas para um Projeto de Lei de Iniciativa Popular (PLIP) da Mídia Democrática, iniciativa construída por mais de 500 entidades e organizações da sociedade civil brasileira, e que apenas pretende regulamentar os artigos da nossa Constituição que falam de Comunicação Social e todavia não foram regulamentados.

Lá está a regulamentação da complementaridade entre os sistemas de comunicação (privado, estatal e público), a proibição do monopólio e oligopólio no setor, a obrigatoriedade de mais conteúdos regionais e independentes nas nossas rádios e TVs, a criação de um Conselho Nacional de Comunicação com participação do cidadão. Queremos obrigar o Congresso e o governo federal a assumirem a sua responsabilidade de fazer este debate acontecer e avançar neste direito de cidadania para todos os brasileiros e brasileiras.

Você também pode participar. Entre no site www.fndc.org.br ou no site www.paraexpressaraliberdade.org.br e você terá acesso a todos os materiais de campanha, incluindo aí a folha de coleta de assinaturas. Você pode imprimir, assinar e coletar outras assinaturas entre amigos, colegas, vizinhos e companheiros de luta.

Essas eleições gerais de 2014 no Brasil foram as mais duras dos últimos anos e nos deram algumas lições. A principal delas é que dificilmente haverá avanços ou mudanças estruturais em nosso país, nos próximos quatro anos, sem muita mobilização e pressão popular, nas ruas, nas redes e no Congresso Nacional. A segunda lição é que os setores democráticos, populares e progressistas precisam costurar rapidamente a sua unidade, buscando a centralidade em algumas lutas que são prioritárias e capazes de mobilizar grandes massas, criando um grande movimento popular cívico, como foram as lutas da ‘Anistia Ampla, Geral e Irrestrita’ e a das ‘Diretas, já!’

Entendemos que este movimento cívico poderia ter um mote como Mais Democracia, Mais Direitos!, e deveria focar prioritariamente em duas grandes lutas sociais e políticas, que saíram destas eleições com maior visibilidade: Democratização da Mídia e Reforma Política com Participação Popular! Esta tem sido a proposta do FNDC, não só aqui no Rio como em todo o Brasil. Vamos à luta, nas ruas e nas redes, 2015 promete ser um ano de muita mobilização.

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[toggle title=”A Copacabana do Subúrbio”]

“Da Praia de Maria Angu ao Piscinão de Ramos”, esse foi o enredo criado pelo carnavalesco Valério Guidinelle para o Grêmio Recreativo Escola de Samba Boca de Siri. A escola preparou um desfile de pura recordação dessa praia que já foi conhecida como a Copacabana do Subúrbio. O enredo contou a história dessa área antes denominada Praia de Maria Angu, onde havia um porto de mesmo nome.

 Valério procurou dados para compor o trabalho e ficou triste. “Quando comecei a pesquisar me senti mal, pois algo que faz parte da história da cidade não é lembrado. Só há dados em poucos lugares, na Biblioteca Nacional não existe nada. Parece que somos esquecidos, só tem importância do Caju para o Centro, por causa da Casa de Banho de Dom João VI”, desabafa.

Para recuperar o processo histórico foi preciso uma pesquisa com moradores antigos, que contaram o que vivenciaram e tinham fotografias. A Biblioteca de Ramos também ajudou com jornais antigos.

A primeira faixa de areia

 A escola fez uma viagem ao passado, mostrando que, no início do século XX, quando o porto funcionava, quase tudo era mangue. Em 1912, as terras foram compradas pelo capitão Vieira Ferreira, passando a se chamar Fazenda Engenho da Pedra, onde havia muitos cajueiros. Foi ele quem fez o primeiro aterro, criando uma faixa de areia e rebatizando o lugar de Praia de Ramos.

Tempos depois, com a venda de lotes, surgiu a Vila Gerson, homenagem ao filho primogênito do proprietário. Com o crescimento do lugar, palafitas foram construídas ao lado da variante, onde hoje é a Avenida Brasil. Essa pista era constantemente atravessada por pessoas que iam buscar água do outro lado.

Em 1946, o governo tentou remover a favela e, segundo contam, por influência de um bicheiro todos ficaram. À beira da praia, existia um balneário, com boate e cabines para troca de roupas. O lugar, que quase virou um cassino, abriga hoje a Escola Municipal Armando de Salles Oliveira.

As festas também não ficam fora do enredo, como a de São Pedro, realizada por pescadores da colônia. Há personagens marcantes, também mostrados pela escola, como os fotógrafos que faziam os monóculos, os vendedores de raspa-raspa de groselha, os foliões fantasiados no mar, com direito a concurso.

Os banhistas ainda tinham uma diversão diferente: assistiam os aviões aterrissarem, com charme. Alguns deram sorte e viram um que passou por baixo da ponte do Galeão.

O primeiro bar local chamava-se Sereia. Depois vieram outros como o Bar da Neguinha, local de rodas de pagode, com personalidades, entre elas Beth Carvalho, que retratou a praia num samba.

Com o passar do tempo, veio a poluição e a praia deixou de ser freqüentada. Até que, em 2000, moradores e amigos organizaram um abraço à praia, manifesto que gerou o piscinão, em 2001. Esse evento teve a influência dos cantores Dicró (falecido em 2012) e Bhega Silva. A partir daí, os freqüentadores retornaram, dando mais vida ao lugar.

“Quando criei esse enredo, era para homenagear a praia, os habitantes. Hoje não somos só Praia de Ramos e Roquete Pinto, somos Maré, um exemplo são os compositores que moram no Parque União. Queremos que a Maré toda abrace o Boca de Siri”, comenta o carnavalesco, que pretende ao final arquivar o que pesquisou na Biblioteca de Ramos. A escola pertence ao Grupo C e desfilou na Av. Intendente Magalhães e ficou em oitavo lugar.

Por que Maria Angu

 Sobre o nome da Praia de Maria Angu há diversas versões. Segundo pesquisou Valério, algumas pessoas contam que existia uma moradora que se chamava Maria e vendia angu. Para outros, o nome deriva de pássaros que viviam na praia, conhecidos como mariangu (ou curiango). Ainda há a versão de que índios habitavam o território e como aqui era mangue, na língua deles, dizia-se Maria angu. Valério acredita que infelizmente parte da história se perdeu, e pode não haver exatidão em relação ao nome.

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[mare-materia titulo=”Tem Griot na Maré?” close=”true”]

Você sabe o que é Griot? Na África, Griot é a classe de homens e mulheres responsáveis por transmitir a história de geração em geração. Eles contam fatos e lendas locais que ajudam a preservar a história e os costumes de sua gente. Pois a nossa leitora Sara Alves enviou uma boa dica para todos nós e ainda um super elogio ao jornal, que nos deixou muito emocionados. Obrigado! Leiam o texto enviado pela Sara:

Uma dica para os Mareenses

 O documentário “Sotigui Kouyaté- Um Griot no Brasil” (disponível no You Tube. É só colocar este título na busca) é simplesmente Fascinante! Analogicamente “falando”: existe Griot na Maré: o Nosso jornal Maré de Notícias! Ele, o Maré de Notícias, nasceu para preservar nossas lendas e fatos. É guardião da memória… nossas histórias são contadas e recontadas por quem vive as histórias…

No documentário, Sotigui, o Griot, comenta que quem conhece apenas um país da África, não conhece a África; penso que acontece o mesmo com a nossa Maré, pois quem conhece apenas uma ou algumas comunidades, não conhece “A” Maré. Cada comunidade tem sua particularidade, nasceu num determinado momento (histórico, político, social, econômico etc.) e cada uma tem suas histórias para contar – histórias essas que navegam com O NOSSO GRIOT MARÉ DE NOTÍCIAS, na Maré, no Brasil e no mundo. Um orgulho, acredito eu, para os Mareenses! Espero que gostem da dica!

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Drama sem fim na Maré

Por Eliana Sousa Silva

(Artigo publicado originalmente no jornal O Globo do dia 27 de fevereiro de 2015)

Os episódios ocorridos nos últimos 15 dias na Maré, com nove feridos e quatro mortos, parecem se repetir em espiral. Ao ouvir os relatos das violações, somos tomados pelos mesmos sentimentos de indignação e revolta de quando assistimos, em 2013, às mortes de 11 pessoas na região, durante conflitos envolvendo a polícia e grupos criminosos armados. Podemos lembrar, ainda, o ano de 2006, quando uma criança de 4 anos, Renan da Costa Ribeiro, foi atingida por uma bala no momento em que policiais atiravam em frente a um posto de votação eleitoral — à época, foi alegado que teriam visto dois jovens de moto, em atitude suspeita. Estes são apenas exemplos das inúmeras ocorrências nas favelas cariocas que demonstram como é catastrófica a atuação das polícias nas áreas pobres da cidade.

Na Maré, conjunto de 16 favelas localizadas em área estratégica no Rio de Janeiro, atravessada pelas principais vias de acesso à cidade, o relacionamento da polícia com os moradores sempre foi marcado pelo desrespeito e a violação de direitos básicos. A chegada das forças militares, através do Exército, em abril de 2014, foi anunciada pelo governo estadual e federal como uma possibilidade concreta de enfrentamento e mediação da situação insustentável, do ponto de vista das distintas violências, em que vivia a Maré.

Em que pese a deformação que essa situação apresenta, já que não cabe ao Exército ocupar territórios com as características das favelas, a definição de uma transição por essa via significou, num primeiro momento, para muitos moradores, a esperança de repensar a relação com as forças de segurança pública em bases e termos diferentes do que se tinha até então. Ocorre, contudo, que não é isso que vem caracterizando a presença dos militares na Maré.

O modelo de ordenamento e o discurso apregoado pela corporação militar, que a cada dois meses é substituída, caiu no descrédito. As ações se repetem com a mesma brutalidade historicamente praticada pelas polícias na Maré. É incompreensível que o governo justifique o investimento astronômico do dinheiro público nesta ocupação por forças militares, desconsiderando o que esse tipo de estratégia, de fato, contribui para a garantia do direito dos moradores de favelas à segurança pública. Quem exerce controle sobre a ação desses militares? A quem devemos recorrer quando se constata a prática corriqueira de violação junto aos moradores?

O que dizer de jovens soldados, vindos de variados estados do Brasil, sem qualquer relação anterior com a realidade que encontram na Maré, perambulando, fortemente armados, com medo e prontos para reagir atirando, como sempre fez a Polícia Militar, para se defender de um contexto que seus superiores afirmam estar sob controle? Quem controla ou é controlado por quem, nessa realidade de total perda de respeito a algo básico como a garantia inegociável da vida?

Maré de Notícias #59

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[toggle title=”Racismo tem CEP e gênero”]

Por Rosilene Miliotti

A assistente social Erika Fernanda de Carvalho, coordenadora do Centro de Referência de Mulheres da Maré – Carminha Rosa (CRMM-CR), situado na Vila do João, diz que cerca de 70% das mulheres atendidas na unidade são negras. Muitas delas sofrem com a imposição do padrão de mulher que se sobrepõe em nossa sociedade, que é a branca de cabelos lisos, olhos claros e rica.

Um estereótipo que serve ao modo de sociedade em que vivemos, que ainda precisa avançar muito para acabar com os preconceitos, seja de raça, de gênero ou de orientação sexual.

O CRMM, projeto da UFRJ, não tem uma política específica para o atendimento de mulheres negras, porque entende que elas são sujeitos, sejam brancas, negras ou indígenas. A maior parte das pessoas atendidas são moradoras que sofreram algum tipo de violência doméstica, seja física ou emocional. “Mas não podemos tratar todas da mesma forma só porque sofreram violência; cada uma é uma expressão singular desse fenômeno e a condição social, de raça, gênero não deve ser impeditivo para que ela acesse seus direitos de forma plena”, explica Erika.

Segundo Izabel Solyszko, também assistente social, a maior parte das mulheres não chega ao CRMM se reconhecendo como vítima de violência. Muitas não sabem nem que têm o direito de ter direito, como já sinalizado pela filósofa Marilena Chauí. “Talvez a gente nunca tenha recebido uma queixa de racismo, mas ouvimos isso em atendimento individual e nas o cinas. Ouvimos que elas não são identi cadas como clientes quando entram nas lojas e relatam discriminação por morar no bairro Maré. Muitas dizem que moram em Manguinhos, mas não falam que moram na Vila do
João”.

A assistente social ressalta que a mulher negra também é menos valorizada no mercado de trabalho. “O homem branco ganha mais, o homem negro e a mulher branca recebem quase a mesma coisa. Já a condição da mulher negra nunca muda na faixa salarial. Além disso, na questão da maternidade, a taxa de mortalidade materna se reduziu nos últimos anos, menos entre as mulheres negras, que chega a ser 10 vezes maior do que a mortalidade materna das mulheres brancas. A desigualdade de classe, associada à desigualdade de raça, traz para as mulheres que a gente atende um componente de exposição e de maior vulnerabilidade”, analisa Izabel.

Dia a dia mais difícil

As duas queixas mais ouvidas durante a apuração desta reportagem foram discriminação nas lojas e no mercado de trabalho. É mais difícil conseguir emprego sendo negra e tendo o cabelo crespo. Vera Lucia Jorge, 58 anos, dona de casa, moradora da Vila do João, afirmou no início da entrevista que nunca havia sofrido preconceito. Mas depois pensou e logo lembrou de uma perseguição dentro de um mercado na Nova Holanda, isso já há alguns anos.

“O que me deixou mais revoltada é que o segurança do mercado era negro igual a mim. Eu disse a ele que não ia roubar nada e que tinha dinheiro para comprar. Ele disse que não estava me perseguindo e logo se afastou. Outra vez, eu entrei no ônibus, ia fazer compras em Bonsucesso, aí uma senhora branca tirou o relógio bem rápido e o escondeu. Eu tinha 39 anos na época e minha vontade era de dar uma coça naquela mulher, mas falei pra ela que se eu fosse uma ladra, ela não teria tempo de tirar o relógio. Aí as pessoas no ônibus começaram a avançar na mulher e ela desceu no ponto seguinte”, conta.

Já Margarida Maria de Jesus, 65 anos, aposentada e também moradora da Vila do João, logo se lembrou de um fato quando ela ainda trabalhava no setor de limpeza no centro da cidade. “Quanta humilhação passei quando ia receber meu pagamento. Eu entrava no banco, sempre acompanhada com outras pessoas do trabalho (todas de pele clara) e o segurança logo me parava e perguntava se eu queria alguma informação. Eu respondia que não. Minha encarregada me chamava e dizia aos seguranças que eu estava com ela. O sentimento é de humilhação, mas fazer o quê, se não posso mudar de cor? Se a pessoa for negra e com dinheiro, ela tem os direitos garantidos. Mas não vejo pobre, favelado, negro reclamar os direitos e conseguir mudar alguma coisa. Olha só a desvantagem que eu tenho, sou preta e pobre”, lamenta ela, para quem o preconceito é ainda mais visível contra pessoas negras de classe econômica mais baixa.

Erika ressalta que as instituições que atuam na Maré têm responsabilidade de fazer com que essas mulheres sejam vistas como sujeitos de direito, que negras e brancas possam se unir para lutar por uma sociedade mais igual, tanto para homens quanto para as mulheres; e que as diferenças de cor ou de gênero possam ser vistas como algo positivo e não como  objeto de opressão e desigualdade. Isso daria fim a situações como as relatadas por Vera e Margarida.

Negras x mídia

“As mulheres negras que estão na mídia estão embranquecendo. Essas celebridades têm responsabilidade no resgate de identidade. Elas são seguidas pela juventude e o que elas fazem se torna referência”, diz Erika. Mas é bom lembrar da atriz Taís Araújo e da cantora Margareth Menezes, por exemplo, que defendem o resgate da identidade negra.

Entretanto, de acordo com uma pesquisa da Universidade Estadual do Rio de Janeiro
(Uerj), as mulheres negras não estão tanto nas telas de cinema quanto as brancas. Apesar de ser a maior parte da população feminina do país (51,7%), as negras apareceram em menos de dois a cada dez longas metragens entre 2002 e 2012. Atrizes pretas e pardas representaram apenas 4,4% do elenco principal dos lmes nacionais.

Além da atuação na TV e no cinema, não podemos esquecer a figura da mulata, mulher negra exuberante, objeto sexual, ligada ao carnaval. Outro exemplo são os modelos de propaganda de cuecas, sempre homens, em geral, negros e com corpos bem desenhados. “No Brasil ninguém é 100% branco, mas o que prevalece no mundo publicitário é esse modelo, a exemplo do comercial de margarina. Temos poucos negros na publicidade; quando temos é a cota ou sob a exploração do corpo”, reflete Erika.

Para Margarida, o pior racista está dentro do Brasil. “Eu já até me acostumei com o racismo. As negras só aparecem na novela se forem empregadas. E os anúncios na TV? No comercial de fralda só tem criança branca de olho azul. Quase não tem comercial de produtos para o nosso cabelo, quando aparece é produto para alisar o cabelo. Aqui mesmo, dentro da favela, não tem salão especializado em cabelo
crespo. Quando a gente chega, já querem alisar”, reclama (Na verdade, nossa reportagem descobriu dois salões afro na Maré, um no Parque União e outro na Vila do Pinheiro).

Para Izabel, a colonização do Brasil retirou das mulheres a condição de sujeito. “As mulheres sempre foram vistas como coisas que deveriam trabalhar (servir de mão de obra), ter o corpo e a sexualidade explorados. Temos uma trajetória de mulheres que tiveram a sua religião expropriada. Tiveram toda sua história cultural atribuída a algo ruim. Exemplo, o cabelo crespo. Tudo que é relacionado ao negro foi ‘coisificado’ como negativo, mas isso sobre o corpo das mulheres negras foi feito de uma maneira perversa”, critica ela.

Izabel lembra uma fala da militância negra que diz ‘nossos passos vêm de longe’, e é isso que para ela é preciso resgatar. “É muito triste que as mulheres, pensando na ascensão social, comecem a embranquecer, alisam e pintam os cabelos, afinam o nariz, usam roupas que não têm nada a ver com sua identidade. Fortalecer a identidade negra para essa luta é uma questão fundamental”, conclui.

“Meu cabelo enrolado, todos querem imitar…”

Muitas iniciativas vêm acontecendo no país pela valorização da identidade negra, especialmente neste mês da consciência negra, em novembro. Uma das surpresas da São Paulo Fashion Week deste ano, por exemplo, foi o desfile de cabelos crespos pelos corredores do evento.

Nas ruas da Maré, notamos que as meninas estão começando a adotar o famoso estilo black power e a assumir os cachos. Vitória Rosa, de 14 anos, moradora da Nova Holanda, já alisou o cabelo, não gostou do resultado e diz que se sente linda com seus cachos. “Lavo o cabelo todos os dias e acho que as brasileiras não gostam do cabelo crespo porque dá trabalho, mas elas não sabem o quanto é bom e bonito”, frisa.

No dia 8 de novembro aconteceu, aqui no Rio, o 1º Miss Black Power, iniciativa do Mercado Di Preta, uma oportunidade para discutir assuntos relacionados ao cotidiano da pessoa negra de maneira leve e democrática.

Paula Azeviche, uma das criadoras do Mercado Di Preta, diz que nem sempre as pessoas entendem a proposta do evento. “O Miss Black Power é um espaço de representação sócio racial valioso. Depois que a pessoa faz parte de um concurso como esse é difícil ser a mesma porque as escolhidas acabam se tornando uma
referência”, diz ela.

Cinquenta mulheres de diferentes estados se inscreveram, e quem levou o primeiro lugar foi a baiana Maria Priscilla de Jesus, seguida da também baiana Jaciene Mendes Souza e da mineira Elaine Serafim de Freitas.

Outra iniciativa voltada para as mulheres é o blog blogueirasnegras.org, que conta com várias articulistas sempre marcando posição contra iniciativas racistas e preconceituosas.

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[toggle title=”…A ver navios”]

Por Hélio Euclides

Pescadores já planejam um protesto com um bolo por mais de um ano sem píer na colônia do Parque União. A obra virou novela e já foi paralisada diversas vezes. “Procurei o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) e dessa vez alegaram que a obra parou por falta de segurança e furto de material. Prometeram uma visita, estou aguardando até hoje o agendamento para mostrar que o material está todo guardado”, conta Reinaldo Alberto da Silva, conhecido como Coelho.

Em 7 de novembro, a Secretaria de Estado do Ambiente (SEA) informou ao Maré de Notícias que a empresa contratada para a execução das obras, a Construtora Fleming, solicitou o cancelamento do contrato. “A SEA vai iniciar novo processo de licitação de prestador de serviço para retomar as obras no próximo ano”, se comprometeu a SEA, por meio de sua assessoria de comunicação.

A placa de divulgação da obra até caiu. Nela constava a data inicial de agosto de 2013, para a obra de implantação de píers no Canal do Fundão, construção e instalação de infraestrutura náutica. A intervenção é feita com recursos do Fundo Estadual de Conservação Ambiental e Desenvolvimento Urbano (Fecam).

“Tenho medo, pois depois de 1º de janeiro muda a gestão e tudo fica mais difícil. Não
pedi nada, vieram e ofereceram, no final das contas só prometeram o píer, rampa nova e melhoria do entorno. Era melhor antes, mexeram e ficou inacabado”, reclama Coelho, temendo ficar sem a conclusão da obra.

O estado do lugar é desolador. Até sem rampa os pescadores ficaram. A antiga foi quebrada em outubro do ano passado para a construção do píer; e até agora nada.

Quer saber como é a vida de pescador da Maré? Leia nas próximas edições!

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[mare-materia titulo=”Personalidade do futsal”]

Antonio Bezerra, coordenador do projeto Fla/UEVOM da Vila Olímpica da Maré, recebeu o prêmio de Personalidade do Futsal , na categoria Melhor Treinador de Goleiro, concedido pela Federação de Futebol de Salão do Estado do Rio de Janeiro, em comemoração aos 60 anos da instituição.

“Estou feliz e surpreso com o prêmio. Apesar de ter ganhado várias competições e ter treinado grandes goleiros do futsal, não imaginava que tinha contribuído tanto para o esporte”, brinca Bezerra, que estava pensando em parar de trabalhar com gestão de projetos sociais e já repensa a decisão. “Meus goleiros atuais ficaram orgulhosos por saber da minha história pelas redes sociais. E acho que agora a coisa mudou, amo o que faço. Estou com 42 anos e agora que me toquei que sou referência no treinamento de goleiro, isso é muito bom”, afirma ele.

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[toggle title=”A voz e a vez da garotada”]

Por Fabíola Loureiro

O evento que aconteceu em 17 de outubro, no Centro de Artes da Maré, teve em torno de 200 participantes, entre crianças, adolescentes e adultos. As propostas serão apresentadas para aprovação nas conferências preparatórias para a Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, que será realizada em 2015.

Segundo Gisele Martins, coordenadora da Equipe Social da Redes da Maré, instituição que organiza o evento local e integra o Conselho Nacional, o objetivo foi discutir a forma como as crianças e adolescentes gostariam que as políticas públicas se desenvolvessem na Maré e nos demais espaços populares.

O estudante Jonathan Luiz, 10 anos, participou dos grupos de trabalho e gostou
da conferência: “Achei uma ideia boa, teve a participação de pessoas variadas e também adultos. Dei uma ajuda no grupo e surgiram várias propostas diferentes”, contou ele.

A também estudante Iana Carolina, 10 anos, acha que o evento teve uma boa participação. “É importante saber a nossa opinião. E não é todo dia que podemos
expressar nossa opinião, sem que outras pessoas se intrometam. Um dos exemplos
que me chamou atenção foi quando sugeriram: ‘Você bate em uma flor? Não.
Então não devemos bater em uma mulher’”, finalizou Iana.

Confira as propostas:

1. Eixo Educação:

* Garantir na educação básica um currículo que contemple temáticas como direitos humanos, prevenção de substâncias psicoativas, diversidade sexual e de gênero, território e demais temas conexos aos direitos das crianças e adolescentes;

* Promover o acesso aos equipamentos escolares, inclusive nos finais de semana, como espaços de lazer e convivência comunitária, com atividades esportivas e culturais em parceria com as instituições locais;

* Fortalecer os espaços democráticos nas escolas com a participação dos setores locais nas diversas políticas, tais como saúde, esporte e lazer, segurança pública, cultura etc., possibilitando ainda o protagonismo dos estudantes, de seus familiares e de toda comunidade local;

* Garantir o acesso das crianças e adolescentes com de ciência nas escolas públicas com espaços integrados e adaptados às diversas necessidades com profissionais capacitados periodicamente.

2. Eixo Segurança Pública:

* Criar políticas voltadas ao enfrentamento e erradicação do trabalho de crianças e adolescente no tráfico de drogas;

* Fortalecer e exigir dos órgãos de defesa dos direitos da criança e do adolescente um posicionamento público contrário à redução da maioridade penal e às diversas formas de violência contra crianças e adolescentes;

* Potencializar a atribuição dos Conselhos Tutelares de sistematizar e encaminhar as denúncias e demandas locais aos órgãos competentes para o planejamento de políticas públicas voltadas para crianças e adolescentes;

* Fiscalizar e potencializar as instituições socioeducativas.

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MARÉ DE NOTÍCIAS #58

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[toggle title=”Já temos cerveja da Maré”]

Por Rosilene Miliotti

A cerveja artesanal se chama Plurais. O nome foi escolhido durante um sarau após uma acirrada votação, no Morro do Timbau, em evento realizado pela Roça Rio, loja de produtos naturais que desenvolveu a cerveja.

 A ideia surgiu do Encontro de Economias Comunitárias, onde vários grupos que trabalham em autogestão sugeriram a criação de um núcleo de produção de cerveja em favelas. A iniciativa é do Fórum Popular de Apoio Mútuo, e o mestre cervejeiro André Nader está ensinando a técnica aos grupos. Além da Maré, participam pessoas das favelas da Babilônia, Acari, Alemão e Morro dos Macacos.

Geandra Nobre, colaboradora da Roça Rio, explica que a base de produção, que ainda será criada, consiste em uma cozinha onde serão montados três fogões. Cada panela no tamanho de 120 litros poderá produzir em torno de 90 litros por braçagem (cozimento da cerveja, que leva oito horas). A cerveja fica pronta em três semanas, mas é consumida em minutos. Geandra ressalta que a produção na Maré só é possível porque um amigo emprestou o equipamento.

Para a professora Gilda Moreira, moradora de Santa Teresa, a cerveja está aprovada. “Nessa vida louca que a gente vive, os alimentos estão cheios de agrotóxicos, transgênicos e conservantes e ter uma cerveja livre dessas coisas é uma iniciativa maravilhosa”, comemora ela, que esteve na Roça na noite de lançamento (27/09).

Já a professora Elaine Alves, moradora do Cajueiro, conta que esteve na Alemanha há pouco tempo e que as cervejas de lá são muito gostosas. “A cerveja produzida na Maré não deixa nada a desejar”, afirma.

Geandra compara a cerveja industrial a uma feijoada enlatada, sem gosto. “A cerveja, embora alcoólica, é um alimento que pode ser produzido em casa. Acabamos de fazer uma no estilo weizen, uma cerveja de trigo que leva casca de laranja. Estamos aprendendo, mas sempre experimentando novos sabores. Certamente teremos novidades”.

Comércio justo

 Eduardo Tomazine, também colaborador da Roça, diz que todos ganham a mesma coisa com o lucro da venda da cerveja. Segundo ele, a preocupação é vender a um preço acessível para a população local consumir e não apenas para o gringo que vem provar. Uma garrafa de 600ml na Roça custa R$ 8. Em outros lugares, uma cerveja puro malte, de 300ml sai, em média, por R$ 16.

“No comércio justo, outras relações estão sendo feitas, tanto entre quem produz, que não tem patrão e ninguém ganha mais do que ninguém, quanto para quem consome, porque consome junto com a cerveja os valores da autogestão e da igualdade. Sem contar que fazemos um controle de qualidade rigoroso, provamos todas as cervejas que fazemos. Além disso, uma característica da cerveja artesanal é que cada braçagem é uma cerveja. Nenhuma vai ter o gosto da outra”, explica ele.

A Roça fica na rua dos Caetés, nº 82, Morro do Timbau Aberta às segundas, quintas e sextas a partir das 16h.

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[toggle title=”Pelo direito de fazer comunicação popular”]

 

No dia 9 de outubro, Naldinho Lourenço, fotógrafo do Imagens do Povo e morador da Maré, foi abordado arbitrariamente, revistado e obrigado a apagar todas as fotos que havia feito de uma operação policial com seis blindados na Vila do João. Naldinho foi abordado por um militar do Exército e também ouviu de um delegado da Polícia Federal que na Maré não se pode fotografar.

Jornalistas e midiativistas, com apoio do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio de Janeiro, irão juntar casos de violação ocorridos na Maré e em outras favelas, para elaboração de relatório a ser entregue para as autoridades responsáveis pela ocupação e pela segurança do Estado. O foco da luta é o direito de comunicadores populares atuarem nas comunidades.

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[toggle title=”Saiba a escala dos médicos da UPA”]

 

Devido a uma reclamação recebida sobre falta de pediatras na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Maré, na Vila do João, gostaríamos de divulgar o site onde podemos ter acesso à escala dos médicos. Na aba Escala em Setores de Emergência , a informação vem por nome do médico, especialidade e horário de trabalho.

A UPA Maré tem pediatra, a equipe do jornal conferiu a informação, mas podemos ficar de olho nas faltas.

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[toggle title=”Abayomy: encontro feliz na Maré”]

 

Por Rosilene Miliotti

Abayomy, palavra que causa certa estranheza na primeira vez que ouvimos, significa “encontro feliz” em yorubá (língua africana), e traduz muito bem tanto o clima da banda quanto do público durante os quatros shows realizados na Lona Cultural Municipal Herbert Vianna, nas noites de sextas-feiras de setembro. O evento do grupo Abayomy Afrobeat Orquestra veio e trouxe, pela primeira vez para nossa favela, Jards Macalé, Otto, Felipe Cordeiro e BNegão. Para quem ainda não conhece, a orquestra mistura afrobeat com tambores e cânticos do candomblé e da umbanda, num resultado bem dançante.

Geisa Lino, produtora da Lona, disse que Otto está apaixonado pela Maré. “Ele quer voltar para fazer outro show e gravar um clipe com os meninos do passinho”, revela. Para ela, essa é uma forma de possibilitar o encontro. “A Maré tem muita gente talentosa, o que falta é fazer com que essas pessoas encontrem outras que possam dar possibilidades. Encontros que muitas vezes seriam improváveis de acontecer se esses talentos não circulassem. O Favela Rock é um exemplo disso. Bandas da Maré tocando com bandas famosas”, explica.

Thaiana Halfed, produtora da Abayomy e do evento, conta que este foi um projeto escrito para a Lona da Maré. Além dos shows, foram realizadas oficinas de construção de instrumentos, música, capoeira e dança. “Foi tudo maravilhoso e a gente tem que voltar. Estamos finalizando o projeto hoje (dia 26/09), mas a relação da banda com esse espaço continua. As crianças que participaram das oficinas têm um brilho lindo nos olhos. Sem falar da troca, as crianças também nos ensinaram muito a partir da vivencia delas”, afirma.

A produtora ressalta que o evento tem como proposta uma ocupação artística. Ela diz que prefere ver a Maré pela abundância do que pela ausência. “Aqui tem muita potência, muita coisa boa acontecendo ao mesmo tempo, e a comida é maravilhosa. A média do público por show foi de 400 pessoas. Muitas pessoas da zona sul (que vieram para a Lona em uma van que saía da Lapa) e uma galera da zona norte e da Maré, todo mundo junto e misturado curtindo”.

Com a palavra, Bnegão

O carioca BNegão, de Santa Teresa, encerrou o evento. Essa foi a primeira vez de BNegão na Maré e, apesar de a grande imprensa sempre dar destaque a notícias sobre violência quando fala sobre a comunidade, ele afirma filtrar todas as informações e prefere tirar suas conclusões quando chega ao lugar.

“Eu não procuro criar expectativa e na minha vida inteira sempre andei de uma forma a não ter divisão de classe. Para mim é o ser humano e acabou. Um dia eu toco em um lugar que me paga muito bem e no dia seguinte em outro lugar que pague menos. Faço música pela mensagem que posso transmitir e a mensagem é de sobrevivência, de não desistência, de fazer as coisas que você precisa fazer e que não vai ser fácil para ninguém. De buscar alternativas de vivência. Sobreviver é o primeiro passo e viver é o ideal”, discorre ele.

O cantor brinca e diz que um amigo sempre fala que artista é o cara que consegue pagar suas contas em dia. “Eu sou da ‘facção’ da vida simples. Eu entendo essa coisa da ostentação por causa da propaganda que é feita, mas pouca coisa me resolve. Se eu tiver com minhas contas pagas, o que é difícil, eu já fico de boa”, diverte-se ele, que sugere que as pessoas coloquem a TV no mudo quando entra o comercial. Essa é uma atitude que ele aplicou em casa e que seus filhos repetem.

Sobre os shows na Maré, BNegão diz ser bom que artistas comecem a circular pelas periferias, e mais importante que tenham o espaço adequado para isso. “O que sempre juntou a gente (Abayomy e eu) foi a música e o ativismo. A gente está a fim de fazer esse show porque a gente acha importante estar aqui, não só para a comunidade, mas para gente e toda a cena carioca. Quanto mais descentralizar, melhor. Me falaram que aqui tem uma cena de rock muito legal, eu acho sensacional. Também fico feliz que tenha um veículo de comunicação, um espaço pra tocar, uma rádio comunitária aqui. Três veículos fazem uma cena e vocês têm isso. No bairro onde eu moro não acontece, por exemplo”.

Para BNegão, a cultura salva e já o salvou algumas vezes. “Eu faço música pra dividir e trocar ideia”. O cantor chama atenção para a música Alteração e diz que tem tudo a ver com a realidade das periferias e, principalmente, da Maré. Se liga na letra!

Alteração – BNegão e Os Seletores de Frequência
A música gerada pra gerar alteração, positiva
Equipe de construção na ativa, na estiva
De espírito pra espírito, de alma pra alma
Sempre convicto na tentativa de manter a calma
Mesmo ‘tando’ no olho do furacão
Mesmo quando o coração aperta
Mesmo com o planeta em estado de alerta
Seguindo, no desafio de manter a mente quieta
A espinha ereta e a cabeça no lugar
Na medida do possível, na sintonia certa, eu falei!
Entre caos e o caô, entre a inércia e o terror
Entre comandos; políticos, polícias e milícias
Num campo aberto ou num mar de concreto
A hipnose chega perto do grau 9 numa escala 10
O mundo inteiro aos seus pés.
A história até o final ainda contém várias surpresas
Para o bem e para o mal, que tal?
Uma por uma as verdades vêm à tona,
Olha que beleza, tijolo por tijolo, máscara por máscara.
Do estilingue vai à pedra, da banana vai à casca.

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Medo sob a pacificação

(Artigo originalmente publicado no jornal O Globo do dia 27 de setembro de 2014)
Por Eliana Sousa Silva e Atila Roque *

 

O recente assassinato de Osmar Paiva Camelo, um dos mais atuantes representantes de associações comunitárias da Maré, o maior conjunto de favelas do Rio de Janeiro, preocupa os que acompanham a política de segurança do estado, especialmente nas comunidades ditas “pacificadas”.

Militares na Baixa do Sapateiro. Foto: Naldinho Lourenço
Militares na Baixa do Sapateiro.
Foto: Naldinho Lourenço

Em junho, a população da Maré assistiu à chegada de um numeroso contingente de soldados, equipados com armamentos pesados e veículos blindados. Persiste, entretanto, a incompreensão sobre os objetivos que este controle territorial pretende atingir nas comunidades ocupadas por forças militares ou já dotadas de UPPs. Quem está sendo protegido? Que violências estão sendo enfrentadas?

A morte de Osmar não é acontecimento isolado dos ataques por grupos civis a bases da Polícia Militar; dos episódios de má conduta de agentes da PM nos territórios ocupados; da prática de abordagem violenta de moradores; do controle policial do uso do espaço público e de eventos.

Para avançar na construção de uma política pública de segurança no Rio de Janeiro, é preciso analisar os fatos, identificando os que constituem parte de uma linha de ação e de pensamento que não incorporou a segurança pública como direito fundamental de todas as pessoas.

Tomar realidade o direito à segurança pública no Rio exige considerar as relações de poder estabelecidas por diferentes segmentos de grupos criminosos, que controlam a vida cotidiana nesses territórios. É preciso entender como se organizam as relações sociais nesses locais onde o Estado se omitiu da mediação e regulação de determinadas demandas e atividades. É necessário, sobretudo, agir com inteligência policial e com a participação ativa das populações locais e de suas entidades.

Nessa perspectiva, é urgente o reposicionamento de instituições de base como as associações de moradores. Em um passado recente, elas foram fundamentais como instrumentos de luta para garantia de direitos básicos. Seus dirigentes, forjados nesses processos, estiveram à frente das mobilizações que resultaram em conquistas importantes para as populações. Embora, em alguns momentos, lideranças tenham sido acusadas de adotar práticas clientelistas e pouco transparentes, sua importância persiste. O assassinato de lideranças comunitárias deve ser tratado como um grave ataque à capacidade de organização coletiva dessas populações.

O fortalecimento e a qualificação das associações, em processos livres de paternalismo e clientelismo são essenciais para incentivar a participação dos moradores na reflexão sobre o desenvolvimento de suas localidades e na conquista do direito à segurança. Por isso, o assassinato do presidente da Associação do Morro do Timbau precisa ser esclarecido para que não se tome um símbolo de impunidade e descrédito nas autoridades. É preciso interromper o clima de violência e medo que ainda se mantém nas áreas ditas pacificadas da cidade.

Eliana Sousa Silva é diretora da Redes da Maré e Atila Roque é diretor executivo da Anistia Internacional Brasil