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Maré de Notícias #29

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Os sem-direitos

Por Cecília Oliveira e Inaira Campos / Observatório de Favelas

O encontro “Megaeventos e Violações dos Direitos Humanos”, realizado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em 16 de abril, trouxe à tona um tema que merece atenção: o reassentamento urbano. Atualmente, no Rio de Janeiro, esse procedimento tem a finalidade de desocupar espaços urbanos para o desenvolvimento do projeto “Cidade Olímpica”.

A Lei Complementar n.º 111, de 1º de fevereiro de 2011, que dispõe sobre a Política Urbana e Ambiental do Município do Rio de Janeiro, institui, dentre outras coisas, o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Sustentável, que recomenda que as remoções sigam alguns parâmetros. Em seu parágrafo primeiro, o Art. 211 diz que: “no caso de necessidade de remanejamento de construções, serão adotadas, em ordem de preferência, as seguintes medidas, em conformidade com o disposto na Lei Orgânica do Município:

1- Reassentamento em terrenos na própria área;

2- Reassentamento em locais próximos;

3- Reassentamento em locais dotados de infraestrutura, transporte coletivo e equipamentos urbanos”.

Mas, na prática, não é isso que as famílias atingidas estão vivenciando. Além da grave violação em relação aos métodos atuais para a remoção, moradores reclamam ainda da falta de comunicação com representantes do governo e dos valores das negociações. Favelas como Campinho, Madureira, Vila Recreio 2, Metrô Mangueira, Maracanã, Favela do Sambódromo, Barreira do Vasco, Favela da Providência, Pavão Pavãozinho, entre outras, estão sendo removidas para áreas onde obras de revitalização não chegam.

A Vila Autódromo, que vem resistindo à remoção desde os Jogos Panamericanos, em 2007, teve sua sentença decretada em abril: será removida em 90 dias (em meados de julho). O intuito é que ela dê lugar ao Parque Olímpico do Rio, que pegará inclusive a área do Autódromo de Jacarepaguá. A obra, que está para começar também dentro de 90 dias, será feita mesmo antes da desocupação dos móveis.

A prefeitura já informou que não pagará indenizações, afirmando que moradores não possuem título de propriedade, informação esta contestada pela Defensoria Pública do Estado, que acompanha o processo e diz que há moradores que têm títulos desde a década de 1990.

De acordo com a Associação Brasileira de Direito Ambiental, mesmo aqueles que não têm o documento devem ser indenizados com base no direito à moradia, previsto na Constituição. A Lei Federal 11.124, de 16/06/2005, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social, explicita que a utilização prioritária de terrenos de propriedade do poder público devem ser para a implantação de projetos habitacionais de interesse social. E não o contrário.

Controvérsias: Deslocamentos Involuntários

O anúncio de que o Brasil sediaria Olimpíadas e Copa do Mundo foi recebida com festa pela imprensa, políticos e sociedade. Porém iniciativas como o coletivo de documentação Entre Sem Bater e Comitê Popular da Copa têm acompanhado a violação de direitos em decorrência das obras que preparam a cidade para receber esses grandes eventos.

“Me sinto um otário, porque quando o Brasil ganhou esta porcaria de Olimpíada eu estava na Linha Amarela com meu carro, fiquei buzinando igual um bobão. Agora estou pagando por isso. Isso que é Copa do Mundo? Isso que é espírito olímpico?”, indaga Michel, ex-morador do bairro da Restinga, Rio de Janeiro, removido compulsoriamente.

“As remoções são desrespeitosas e violentas. A maneira como eles [poder público] estão tratando os moradores, com truculência na hora que chegam para avisar sobre a remoção da casa, a falta de comunicação, de respeito, a maneira como atuam… Isso é violento demais”, relata Leo Lima, fotógrafo do Imagens do Povo, que documenta as remoções através do Entre Sem Bater.

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[toggle title=”Terra boa demais!”]

Por Jéssica Oliveira

Quem passa pela Rua Sargento Silva Nunes, na Nova Holanda, pode encontrar um senhor idoso, baixinho, com a pele negra e poucos cabelos brancos na cabeça. Provavelmente ele estará consertando um banquinho, vendendo um litro de cloro ou, quem sabe, tocando acordeon. É o Seu Joaquim, como cumprimentam os vizinhos que passam por ali: “Oi, Seu Joaquim, tudo bem?”, “Paz de Cristo, fulano”, responde, sempre muito simpático.

Joaquim Severino da Silva é o dono de uma pequena marcenaria no térreo do sobradinho onde mora há 50 anos. Ainda jovem, deixou Mamanguape, no interior da Paraíba, cidade em que nasceu. Subiu em um pau de arara aos 17 anos e com muita coragem e determinação enfrentou as dificuldades da viagem que o traria para o Rio de Janeiro. “Vim ganhar dinheiro. A vida na Paraíba era muito difícil”, conta, relembrando o tempo em que trabalhava como agricultor nas terras nordestinas.

Ao chegar ao Rio morou primeiro no morro do Timbau e trabalhava como ajudante de pedreiro. Com uma memória de dar inveja, Seu Joaquim conta sua história lembrando com exatidão os anos que marcaram sua vida: “Eu cheguei no dia 10 de maio de 1948. Trabalhei e juntei um dinheiro pra ir pra Paraíba visitar os parentes, mas em 1954, quando estava com a passagem comprada, não pude viajar por conta da morte de Getúlio Vargas: ninguém entrava e nem saía do Rio de Janeiro”.

Quando enfim pôde voltar para sua terra, Seu Joaquim logo conheceu a jovem Luzia de Souza Silva, mulher com quem está casado até hoje. “Olha que linda a minha princesa”, diz sorridente enquanto mostra dona Luzia numa pintura antiga. “Esse quadro foi feito pelo Seu José, em 1963. Ele morava em Alcântara, mas já faleceu. Disse que sempre que eu olhasse essa pintura me lembraria dele. E lembro mesmo”, afirma.

Depois que casou, Seu Joaquim permaneceu na Paraíba por cinco anos trabalhando em lavouras. “Lá eu plantava café, tomate, batata… tudo!”, conta. Mostrando que sempre foi um bom administrador, Seu Joaquim mais uma vez juntou um dinheirinho, mas dessa vez voltou sozinho para o Rio de Janeiro.

Quando retornou, foi morar em Cordovil, trabalhando na escola Nova Holanda – que fica em frente a sua atual casa –, até conseguir dinheiro suficiente para trazer a esposa e os três filhos para conhecerem a Cidade Maravilhosa. “Naquele tempo, quando um homem pedia uma moça em casamento, a primeira coisa que o pai queria saber é se o noivo tinha casa. Como eu ia trazer minha mulher pra cá sem lugar certo pra morar? Tem que saber administrar”.

Tudo por um bom emprego

Pouco depois de trazer sua família para o Rio de Janeiro, Seu Joaquim sofreu uma desapropriação. Foi então que se mudou para Nova Holanda, onde fixou residência permanente. Ele lembra que a favela começou a ser aterrada em 1958, a mando do então governador Carlos Lacerda. “A comunidade era um mangue. Caranguejo morria atropelado na Avenida Brasil”.

Representando um perfeito exemplo de homem trabalhador, Seu Joaquim nunca mediu esforços para ganhar o pão de cada dia. Ele conta aos risos a vez em que teve a oportunidade de trabalhar numa grande empresa de construção civil, mas a falta de estudo complicou sua situação. “Pensei: vou arrumar uma ‘boca boa’. Mas a firma pedia diploma do ensino fundamental e eu não tinha”. Perder essa chance era algo que não passava pela cabeça deste paraibano arretado. Sabia ler e escrever, mas faltava o certificado. Foi então que contou sua situação a um amigo que logo o aconselhou a comprar um diploma. “Eu cheguei em casa, falei com a mulher e peguei o dinheiro. No mesmo dia fui ao local indicado, que ficava em Duque de Caxias”. Apesar da grande espera que ocupou todo o dia de Seu Joaquim, ele esperou pacientemente sua vez. Pagou o diploma com cinco cruzeiros e no dia seguinte o levou para a empresa. Dali em diante, bateu cartão todos os dias às 7h da manhã.

Em pé, frente à sua lojinha, ele contou essas e outras das suas histórias. Disse que o dia mais feliz que passou na Nova Holanda foi quando entrou para a igreja. “O Senhor me tocou e faço parte da Assembleia de Deus há 41 anos”. Segundo ele, antes de ser sensibilizado pela fé, não dedicava a devida atenção e carinho à sua família: “Eu ficava na ‘gandaia’, gastando dinheiro com bebedeira, com mulher na rua. Às vezes até deixava faltar coisas pros meus filhos, mesmo bem empregado. Isso era muito errado”.

Hoje, aposentado, Seu Joaquim acorda cedo, ajuda “sua princesa” nas tarefas domésticas e faz dez flexões para manter a boa forma. “Faço isso de domingo a domingo!”. E claro, lê a Bíblia e frequenta religiosamente a Assembleia de Deus de Nova Holanda. Pai de quatro filhas formadas em Enfermagem, um estudante de Direito, um professor de História e um presbítero, olha para a Escola Municipal Nova Holanda e diz, com orgulho, que todos de sua família estudaram ali, lamentando sua interdição desde o começo do ano (para reforma). Mas não perde o bom humor e a fé na vida, tampouco, o amor pela Maré: “Ah, gente… Nova Holanda é terra boa demais!”, encerra sorrindo.

São 14 creches e ainda faltam vagas

Por Hélio Euclides

Quando se descobre que são 14 creches públicas na Maré, divididas entre as municipais, conveniadas e uma estadual, a impressão é de que esse número de unidades dá conta da demanda. Porém, devido ao grande número de crianças em idade para frequentar as creches, o total é insuficiente. Além disso, seis comunidades ainda não dispõem de uma unidade infantil pública: Bento Ribeiro Dantas, Conjunto Esperança, Conjunto Pinheiro, Marcílio Dias, Praia de Ramos e Roquete Pinto. Por enquanto, as mães de Marcílio Dias, Praia de Ramos e Roquete Pinto são as que mais precisam caminhar para deixar os filhos em unidade pública.

Para reverter essa deficiência, a prefeitura vem investindo nessa área, prometendo a ampliação do número de vagas. Segundo a Secretaria Municipal de Educação, mais quatro unidades estão previstas para a Maré, sendo uma a ser inaugurada em 2012, na comunidade Nova Maré; duas a serem construídas, na Nova Holanda e no Morro do Timbau; e uma projetada para Roquete Pinto.

Antonia de Souza dos Santos acha que teve sorte de conseguir vaga para o filho, pois a fila para a matrícula costuma ser grande. “Não demorei a conseguir vaga, mas isso não acontece com todo mundo”, observa ela, que já foi funcionária de creche conveniada. O filho de Antonia estuda na creche Pescador Albano Rosa, na Vila do Pinheiro. A mãe elogia o desempenho dos profissionais da unidade, o que considera um diferencial. “Do prédio não gosto muito, pois o banheiro é longe. Mas é superado pelo bom trabalho dos profissionais”, avalia.

É que na creche Albano Rosa as crianças ficam em acomodações provisórias, onde funcionava a Escola Municipal Professor Paulo Freire. “Aquelas instalações não são adequadas, isso qualquer um pode ver, nem precisa ser engenheiro para chegar a essa conclusão. Essa situação vem ocorrendo há vários anos, mas todos os profissionais se empenham para desenvolver o melhor trabalho possível”, revela uma funcionária, que prefere não ser identificada.

Nem todas as creches enfrentam esse obstáculo. As instalações do programa Espaço de Educação Infantil Vila do João, administrado pelo Riosolidário/ Obra Social do Governo do Estado, estão em bom estado, funcionando em um prédio que nada lembra a antiga Creche Tia Dulce. Uma parceria que começou com a iniciativa privada, a empresa NHJ do Brasil, que colaborou na reativação, construção e na manutenção das atividades e agora conta ainda com o apoio da Loteria do Estado do Rio de Janeiro (Loterj). O espaço foi inaugurado em 2008, funciona em horário integral e oferece ensino de educação infantil nas modalidades creche e pré-escola.

Na educação municipal, uma novidade são os Espaços de Desenvolvimento Infantil (EDI), modelo implantado pela atual administração da capital, unindo creche e pré-escola. A Maré conta com dois desses novos modelos, ambos no Timbau: EDI Pescador Isidoro Duarte e Professora Kelita Faria de Paula. Voltado para crianças entre zero e cinco anos e 11 meses, o EDI trabalha com auxiliares de creche e professores infantis, do berçário até a pré-escola. Nas unidades comuns, que atendem crianças de zero a três anos de idade, não há a presença do professor infantil.

“O EDI é totalmente diferente. Esse projeto é o menino dos olhos do prefeito e da secretária, de uma valorização da primeira etapa, um olhar diferenciado da educação infantil. O único problema são as outras unidades ficarem esquecidas”, alerta uma funcionária, que também prefere não ser identificada.

Valorização da alimentação

No passado, o diferencial das creches da prefeitura era a supervisão da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social (SMDS). As unidades eram então dirigidas por assistentes sociais, que tinham um olhar especial de cuidar das crianças. Para as conveniadas, a verba era menor, pois a prefeitura era responsável pela alimentação. Com isso, um marco desse trabalho foi a capacitação nutricional.

Quem lembra bem dessa fase é Maria Euzinete, a dona Nete. Ela é administradora da Creche Comunitária Sagrado Coração de Maria, no Parque Maré, que completou 24 anos de atividade. No início eram 35 crianças; hoje são 125 meninos e meninas. O trabalho já recebeu até um prêmio de reconhecimento, vindo de um jornal carioca. “Queremos o melhor para as crianças e fazemos esse conjunto com a família. As minhas meninas são muito competentes”, destaca d. Nete. Ela observa que hoje alguns tópicos melhoraram, como o trabalho dirigido por pedagogas e o repasse da verba pública em dia.

Quem não conhece, pode até se assustar com a quantidade diária de comida para a merenda. Dona Nete revela que a alimentação é muito importante. São cinco quilos de arroz e outros dois de feijão. Para a mistura são cinco quilos de carne ou oito de frango. Como complemento também pode ter sopa, pois são quatro refeições diárias. A sobremesa é fruta: oito quilos de banana ou oito de maçã ou 15 de laranja e ainda uma melancia. Para o lanche 14 litros de leite, achocolatado e sucos. Essa nutrição só é possível por causa de doações e da parceria com a prefeitura, que banca 70% das despesas da creche.

Veja a relação de creches públicas da Maré e a resposta da Secretaria Municipal de Educação na edição digital.

Doutor es da Maré

Por Silvana Bahia / Observatório de Favelas

No dia 28 de abril foi comemorado o Dia Mundial da Educação. A data faz menção ao Fórum Mundial da Educação realizado entre os dias 26 e 28 de abril de 2000, em Dakar, no Senegal. Neste encontro, representantes de 180 países se comprometeram a construir políticas que viabilizem, entre outros objetivos, o acesso universal à educação. Doze anos depois, na mesma semana que se comemorou esse compromisso, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou e aprovou, por unanimidade, a constitucionalidade das cotas raciais. A decisão foi considerada a consolidação de um avanço nas políticas de ações afirmativas que visam diminuir a disparidade na educação do Brasil.

O ingresso de brasileiros, inclusive da Maré, na universidade vem aumentando na última década. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número de pessoas com o nível superior completo passou de 4,4% para 7,9% da população do país – ou seja, oito pessoas em cada cem. Embora o índice tenha aumentado, esse número ainda é irrisório. Na Maré, mais de mil pessoas possuem curso superior. Os últimos números do IBGE indicam 1,8% da população local formada ou cursando faculdade.

Sandra Tomé, moradora da Maré, passou pelo pré-vestibular comunitário e se formou aos 39 anos em Serviço Social. “Na Maré, na minha adolescência, ninguém pensava em chegar à faculdade. O máximo que as pessoas chegavam era no ensino médio. Quando surgiu a oportunidade do pré-vestibular, falei com meu marido e decidi voltar a estudar. Sou a primeira pessoa da minha família a ter um diploma de curso superior”, conta Sandra, que se sente uma vitoriosa.

Os cursinhos comunitários são uma alternativa para os jovens que desejam ingressar na universidade pública, sem pagar as mensalidades de cursos preparatórios que não cabem no bolso.

Diretor da Redes de Desenvolvimento da Maré e coordenador do pré-vestibular Preparando para o Futuro, Edson Diniz acredita que mais investimento nas universidades e na qualificação de professores é a estratégia para o fortalecimento da educação. “O Estado precisa garantir um ensino público de qualidade e isso se faz com investimentos na qualificação dos professores, no aumento de seus salários e na valorização da categoria. Paralelo a isso é necessário investir na melhoria das faculdades de educação, melhorar  os programas de avaliação de aprendizagem, equipar melhor as escolas e incentivar a criação de uma cultura onde a aprendizagem dos alunos deve ser vista como o objetivo mais importante da educação”, ressalta ele.

O Preparando para o Futuro é uma iniciativa da Redes da Maré em parceria com a Supergasbras, existe há 14 anos e já contribuiu para o ingresso de mais de 900 alunos de espaços populares nas universidades públicas do Rio. “Em média temos 40% de aprovação por ano”, afirma o coordenador.

Maré na pós-graduação

A novidade este ano foi a criação do programa Novos Saberes, projeto de iniciativa da Redes com o Observatório de Favelas, para levar mais moradores para a pós-graduação. O curso, com duração de dez meses, é um preparatório para as provas de ingresso em mestrados e doutorados nas universidades, na área de ciências Humanas.

“Hoje, na agenda pública da cidade, as favelas tem uma posição bastante relevante. Até então as favelas eram invisibilizadas, era outra cidade. Hoje estamos num momento importante porque as favelas estão se afirmando do ponto de vista cultural e político. Isso traz novas questões para as próprias universidades e no conhecimento do reconhecimento desses espaços se produz uma necessidade de um conhecimento mais apurado, sensível, mais de dentro. Neste sentido, as pessoas desses espaços populares trazem essa sensibilidade, a vivência. Por isso é importante que elas tenham oportunidades novas de produzirem conhecimento científico. Aliado a uma dimensão política da favela na agenda pública da cidade”, analisa Jorge Barbosa, diretor do Observatório de favelas.

Para o jovem Felipe Souza, graduando em Ciências Sociais, o Novos Saberes é uma experiência ímpar. “Cursos preparatórios para o vestibular têm diversos, mas para pós-graduação nunca vi nenhum. Além dos professores, que são excelentes, a abordagem aqui vai além da capacitação e o reingresso de pessoas na universidade, porque aqui é um espaço para problematizar as questões, inclusive de metodologia”, pontua o jovem.

A pluralização dos alunos do Novos Saberes também é considerado um ponto positivo por quem participa. “A dimensão da rede e as trocas favorecem ao fortalecimento do projeto”, conclui Felipe.

Ação Afrmativa

Conjunto de políticas públicas adotadas com vistas a contribuir para a ascensão de grupos socialmente minoritários, sejam eles grupos étnico-culturais, sexuais ou portadores de necessidades especiais. Tem como objetivo combater as desigualdades sociais resultantes de processos de discriminação negativa, dirigida a setores vulneráveis e desprivilegiados da sociedade.

Fonte: Programa de Pós-Graduação em Ciências Jurídicas da Universidade da Paraíba.

Maré de Notícias #28

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Filhos de Angola adotados pela Maré

Por Hélio Euclides

Maré vira um espaço aberto para angolanos morarem e se divertirem nas ‘adegas’, como são chamados os ambientes de cultura do país africano. Boa parte vem para o Brasil cursar o ensino superior.

A Maré é formada por populações de diversos lugares do Brasil e do mundo. Entre os estrangeiros, os angolanos são a grande maioria. Muitos reunidos em comunidades como o Conjunto Esperança, Vila do João, Vila do Pinheiro, Nova Holanda, Parque União e Praia de Ramos. Após anos de guerra civil, eles decidiram tentar um novo destino; e a Maré é um desses locais encontrados para morar, se divertir e formar uma família.

Fortunato Bernado, o Manato, chegou em 1989. “Morei primeiro em Copacabana, depois uma amiga brasileira me falou de um lugar onde o aluguel era mais barato. Daqui não saí mais”, conta. Manato mora no Conjunto Esperança há cinco anos e trabalha no Centro da cidade vendendo bebidas.

Com a vinda de outros conterrâneos, os ambientes de cultura angolana conhecidos como adega, se multiplicaram. Um dos mais conhecidos é o Bar do Fidel, que fica na Vila do Pinheiro e reúne em média 70 angolanos nos finais de semana. Fidel Júlio é o dono do local. “Encontramos turistas nossos, que vem de Angola e passam aqui para conhecer. Procuram música e comida, uma é o Funge (arroz cheio de carne)”, revela. Desde 1996 no Brasil, ele confessa sentir saudades, mas lembra que aqui já formou uma família. “O clima é igual e os dois povos são hospitaleiros”, compara.

Documentário sobre os angolanos

Moradora da Nova Holanda há dois anos, a jovem de 22 anos, Marilena Manoel Alberto, veio à procura de novos horizontes. A escolha do Brasil foi motivada pela mesma língua e pelo clima tropical. “Em Portugal é muito frio, e lá há preconceito com estrangeiros. No Rio de Janeiro a agitação é parecida com Angola, com festa e acolhimento”, afirma.

Ela explica que no seu país natal o custo de vida é alto. Após a guerra civil, Angola se levanta bem devagar, segundo ela. O país está em fase de reconstrução. Já a escolha da Maré se deve aos tios. Marilena hoje é atendente de um mercado árabe e aluna do Ciep 326 Professor Cesar Perneta, onde está engajada no projeto de um documentário “Quero mostrar depoimentos de angolanos, com o seu dia a dia, como se divertem, estudam e trabalham”, esclarece ela, que deseja dar visibilidade aos angolanos.

Bartolomeu, conhecido com Keoma, aponta a Maré como um dos pontos de maior fluxo de angolanos no Rio de Janeiro. Proprietário do quiosque Conexão Angola/Brasil, na Praia de Ramos, ele destaca também o Bar do Jibóia, na Vila do Pinheiro, e o Cafejô, no Salsa e Merengue, como pontos de cultura. “Esses são pedacinhos de Angola. Angola é a casa e o Brasil é o quintal, e vice-versa”, opina.

Bem ao lado do Conexão, na Praia de Ramos, há outro quiosque, o Kudisanga Kuamakamba, que significa encontro de amigos. O dono é Adão Augusto, o Grants, que veio para o Brasil após oito anos como militar em Angola. “Na saída não tive o que merecia financeiramente, então me revoltei e saí da terra natal. Primeiro morei em Copacabana, mas lá o aluguel era caro, passei pela Vila do João e agora já tenho 13 anos de Praia de Ramos”, comenta. Ele já voltou em Angola, mas diz que não tem pretensão de morar por lá novamente.

Enquanto os adultos se adaptam bem, os mais novos sentem mais a distância. Wembel Pedro, de 15 anos, mora há seis meses no Conjunto Esperança. Ele deixou parte da família para estudar aqui e retornar com um diploma e, assim, conseguir um trabalho melhor. “É chato para um adolescente estar fora do seu país, às vezes penso em voltar. Sinto saudades de tudo, mas aqui quero fazer a faculdade”, explica.

Outro que veio estudar foi Leonel Martins, que concluiu a faculdade de Jornalismo e retornou. “Qualifico a minha presença na Maré como o começo de uma nova vida, porque tive muito apoio tanto da parte dos angolanos como dos brasileiros”, revela. Hoje em Angola, ele pensa em voltar para o Brasil. “Não tem como ficar distante desta terra, porque tenho no Brasil a minha esposa e os meus filhos”, revelou ele, em entrevista por e-mail.

Leonel, entretanto, acha que o número de angolanos na Maré vem diminuindo gradativamente. “Nos anos 1990, devido à retomada da guerra em Angola, o número era muito significativo, chegamos a uma cifra de quase 1.000 angolanos”, deduz. No plano nacional, o jornalista diz que a busca pela faculdade promoveu outro tipo de imigrantes. “Hoje o maior motivo de angolanos se encontrarem no Brasil é em virtude de frequentar um curso superior”, observa ele.

Semelhanças e diferenças
Apesar do uso da língua portuguesa nos dois países, os angolanos são taxativos em afirmar que eles se expressam mais corretamente. E quando o assunto é comida, eles também mostram sabedoria. “O nome do nosso leite é Nido, que aqui é só instantâneo e lá é gordo. Há diferença na comida: comemos a folha da mandioca, chouriço e três tipos de farofas”, detalha Marilena.

Sobre cerveja, Fidel divulga que lá em Angola elas são mais fortes, com nome de Cuca e Nokal. Ele completa que em Angola até nos momentos tristes há alegria. “Depois do enterro se bebe e come”, conta. Outro que não consegue esquecer os detalhes é Wembel. “Todos têm freezer, pois as casas de lá são maiores, com seis quartos. Lembro até os nomes das operadoras telefônicas: Unitel e Mobicel”, especifica.

Quanto o tema é cultura, há muito respeito. “Acham extravagante as roupas dos angolanos, mas um diferencial é que no nosso país natal não ficamos sem blusa na rua, e não podemos entrar na casa de ninguém sem a parte de cima da roupa”, retruca Fidel.

Wembel fica assustado com o comportamento de seus colegas brasileiros. “Aqui os estudantes não têm respeito com os professores. Lá é proibido o celular na sala de aula. Não há bagunça na escola e não se pode entrar de boné na casa das pessoas”, alerta. Para Grants a cultura angolana prioriza os deveres ao pai e mãe. “O boné esconde a cara, e por isso não colocamos em casa”, ilustra. Outro ponto do vestuário são as cores. “Lá as roupas são coloridas, as formas são diferentes, não há o básico. São chamadas de tradicionais”, expõe Marilena.

Angolanos escolhem o Brasil

Por Robb Sawers (jornalista convidado)

Aumenta o número de africanos que deixam o continente, em particular angolanos que escolhem o Brasil ao invés de destinos tradicionais como Europa e América do Norte.

Aos sábados à tarde, um pequeno número de imigrantes africanos se reúne no Aterro do Flamengo para o futebol e churrasco. Quase todos são homens jovens de Angola, mas há alguns da Costa do Marfim, Camarões e Guiné Bissau. A conversa entre eles vai e volta entre português e francês. A maioria mora no Brasil há alguns anos e pode confortavelmente chamar o Rio de Janeiro de sua casa. Embora a maioria viva na Maré, o Aterro do Flamengo é um bom ponto de encontro para um futebol no final de semana.

Esses jovens fazem parte do crescente processo de deslocamento de africanos que escolhem destinos na América Latina ao invés dos tradicionais países da Europa. Muitos vêm como refugiados. Em agosto de 2011, o relatório do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) verificou que o Brasil atualmente hospeda 4.400 refugiados, 64% deles de países africanos e 40% de Angola (aproximadamente 1.125 angolanos).

As razões para a crescente importância do Brasil como destino para imigração africana são múltiplas e uma delas é que os destinos na Europa estão perdendo rapidamente seu apelo. A economia em Portugal está passando por momentos de crise e há poucos empregos para imigrantes. Na verdade cidadãos portugueses também estão migrando para o Brasil, por causa da sua economia crescente. Além disso, o clima político na Europa está se tornando cada vez mais xenófobo e muitos imigrantes descobrem que o sonho europeu já não vale mais a pena. Enquanto isso, o panorama político brasileiro não é anti-imigração e há exigências relativamente baixas com relação a anistia política e para os vistos de trabalho e estudo.

Fabrício Dom, artista e designer de moda angolano, conseguiu anistia política no Brasil e achou todo o processo de apelação e visto surpreendentemente fácil. Dom veio de uma família que tradicionalmente tem apoiado a União Nacional para Independência Total da Angola (Unita), grupo de oposição ao Movimento Popular pela Liberação da Angola (MPLA). Ele fugiu em 1999 durante o último suspiro de violência na guerra civil angolana que dura décadas entre os dois lados. Apesar de não ter sofrido qualquer abuso dos seus direitos humanos, foi dado a Dom um visto que permite que fique no Brasil por tempo indeterminado.

Refugiados e requerentes de asilo compõem apenas uma pequena parcela da comunidade diáspora africana no Brasil. De acordo com Leandro de Almeida, vice-cônsul de Angola no Rio, a maioria dos cidadãos angolanos do país possui visto de estudante ou trabalho. Isso fica evidente entre os jogadores do Aterro, onde a maioria é estudante.

Laços históricos
Os laços culturais entre Brasil e Angola vêm dos tempos do tráfico de escravos e da expansão colonial portuguesa. É estimado que quase 40% de todos os escravos trazidos para as Américas ficaram no Brasil e quase 40% dos escravos que cruzaram o Atlântico eram do que hoje é Angola. Séculos de escravidão e genocídio corromperam a língua, religião e os costumes, mas grande parte da tradicional sociedade brasileira é de origem angolana.

O Samba é a marca da música brasileira, mas sua origem encontra-se nos ritmos do Semba Angolano. Combinação das artes marciais e dança chamada Capoeira, foi desenvolvida pelos escravos angolanos como um meio de entretenimento e resistência à hegemonia cultural portuguesa.

Na memória dos moradores

Quando D. Olízia chegou à Nova Holanda, na década de 1960, com seus cinco filhos, tomou um grande susto, pois não havia água, a luz era muito precária e as ruas se enchiam de lama todas as vezes que chovia. Ela e os vizinhos tinham de levar água para lavar os pés antes de sair da comunidade para trabalhar. Os moradores, completa o Sr. Genival, usavam o “rolarola” – uma espécie de barril puxado por vergalhões de ferro que eram “rolados” pelas ruas – para apanhar água na Av. Brasil (ainda chamada de variante).

O Sr. Adevanir se lembra de como era difícil, mas ao mesmo tempo gratificante, fazer o carnaval do bloco “Mataram meu Gato” (hoje escola de samba Gato de Bonsucesso) e também de como era bom participar dos campeonatos de futebol disputados no campo da Paty. Já a D. Maria Lopes recorda dos constantes incêndios que apavoravam os moradores quando consumiam muitos “barracos” de uma única vez e, por sua vez, o Sr Joaquim, mesmo reconhecendo as dificuldades, diz que adora morar nesse lugar onde criou seus filhos e se considera muito feliz.

Essas e muitas outras histórias contam como foi a chegada dos primeiros moradores em Nova Holanda, uma das 16 comunidades que formam a Maré, maior conjunto de favelas da cidade. Tais histórias estão registradas no livro Memória e Identidade dos moradores de Nova Holanda, que será lançado no início de março (data ainda a ser marcada) pela Redes da Maré através de seu Núcleo de Memória e Identidade da Maré (NUMIM). O trabalho contou com apoio do da Secretaria Estadual de Cultura do Rio de Janeiro e do Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (INEPC).

A ideia é que o livro seja o primeiro de uma coleção histórica que abordará a questão da memória e da identidade dos moradores das 16 comunidades. Por isso, considero esse um trabalho fundamental, pois a cada dia a memória local se perde, uma vez que não há uma preocupação em preservar documentos, lugares e depoimentos dos moradores que construíram a Maré.

Para os mais jovens é fundamental conhecer o trabalho empreendido pelos primeiros moradores para que as comunidades da Maré adquirissem a configuração que têm hoje. Na verdade, isso significa entrar em contato com a própria identidade – ou identidades – construída e reconstruída a partir de uma determinada memória compartilhada ao longo do tempo.

Por isso, o NUMIM, cuja equipe é formada por jovens moradores locais, realizou entrevistas com as pessoas mais antigas e criou um acervo onde estão protegidos depoimentos e imagens que nos ajudarão a preservar a memória da Maré. Esses documentos serão disponibilizados para consultas e servirão de base para novos trabalhos sobre a memória local.

Preservar a memória das comunidades da Maré significa garantir um direito fundamental de toda pessoa, ou seja, a de ter sua história de vida e sua identidade reconhecidas e respeitadas. Por isso, ao exercitarem o direito de contar suas memórias, os moradores da Maré afirmam seu espaço na cidade e, ao fazer isso, contribuem para tornar o Rio de Janeiro um espaço mais plural, que aceita a diversidade e reconhece a importância de todos os seus cidadãos independente do espaço em que habitam. A história da Maré é a história do Rio de janeiro.

Geração saúde!

Por Rosilene Ricardo

Mais de cem moradores da faixa da terceira idade – e alguns mais jovens também – participam de aulas gratuitas no Conjunto Pinheiro e na Vila do João.

“Saúde é o que interessa! O resto não tem pressa!” O bordão que estava em nossas telinhas na década de 1990 representa o que muitas pessoas vivem hoje em dia. Quem disse que para ter saúde e disposição você precisa ter 20 anos de idade? A prova viva disso é o grupo da terceira idade da Maré, que faz exercícios pelo menos três vezes por semana e alterna suas atividades com caminhadas cidade afora.

O projeto teve início há nove anos na ciclovia do Conjunto Pinheiro, na Semana da Mulher, sob o incentivo do professor de educação física, Luiz Mario Ramos. A iniciativa deu tão certo que existe até hoje, firme e forte, e ainda ganhou mais um núcleo, na Vila do João. Há pouco mais de dois anos, a turma do Conjunto Pinheiro conquistou o apoio do Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos Rio-2016, e passou a contar com o serviço de medição da pressão antes das aulas e orientações sobre cuidados necessários à saúde.

No total, as duas turmas possuem 110 alunos. Entre eles está Dona Cândida, de 72 anos, que depois de enfrentar uma depressão, viu nesses encontros mais uma razão para viver. “Hoje sou muito mais feliz comigo e vejo que tenho disposição de sobra para fazer todas as coisas que antes já não me interessavam mais”, diz, animada.

Embora o foco seja a terceira idade, o professor Luiz conta que recebe alunos de 20 a 80 anos. “As pessoas vêm e perguntam como fazem para participar e eu apenas digo: ‘É só vir’. Uma atividade ao ar livre é sempre saudável”. O objetivo é conscientizar a todos a respeito da importância de se cuidar e, também, de compreender melhor quem possui alguma restrição física. “A família toda precisa abraçar a ideia, ja que é muito complicado você ter que comer uma cenoura enquanto as outras pessoas na sua frente comem uma feijoada”, esclarece.

O professor conta que sua mãe faleceu logo após ele ter começado a dar aulas para a terceira idade. Ele, então, sente como se tivesse sido adotado por todas as alunas. “Eu trabalho em uma academia e sou treinador de goleiros, já tive convites para trabalhar nesse horário das aulas daqui, mas não abro mão. Essa é a minha cachaça! Já trabalhei muitos anos sem patrocínio e posso dizer que tenho muito retorno das senhoras! Elas não deixam passar uma data comemorativa em branco, e sempre me tratam com muito carinho. Acredito que se minha mãe tivesse tido uma atividade dessas, ela não teria ficado doente”, finaliza ele, emocionado.