Maré 30 anos: caminhos da saúde na Maré

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A trajetória de lutas e conquistas pelo acesso a saúde pública em 30 anos de bairro

Henrique Silva e Luna Arouca

Edição #159 – Jornal Impresso do Maré de Notícias

Atualmente, o conjunto de favelas da Maré e sua população de 140 mil habitantes, tem a cobertura de atendimento em saúde realizada por 7 unidades básicas, uma Unidade de Pronto Atendimento 24h (UPA). 

O território possui também um Centro de Atenção Psicossocial que atende pacientes infanto juvenil (CAPSi Visconde de sabugosa), e dois que atendem adultos: CAPS Carlos Augusto Magal e CAPS Miriam Makeba. 

Mas, não foi sempre assim, na década de 1970, a população da Maré tinha somente um Centro Municipal de Saúde, o Américo Veloso. Para ilustrar a trajetória de como a Maré chegou à conquista desses serviços, vamos relembrar algumas das lutas pelo acesso a esse direito, resgatando histórias sobre a mobilização e articulação política dos moradores ao longo dos anos. 

Saúde para todos

O direito ao acesso à saúde pública e gratuita só foi garantido para toda a população brasileira na Constituição de 1988, com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS). Antes disso, somente  os trabalhadores com carteira assinada tinham acesso garantido à saúde através do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps). 

Nas favelas, as formas de acesso à saúde mais comuns e possíveis eram feitas através de  instituições de caridade, religiosas, filantropia, trabalhos voluntários de médicos sanitaristas, instituições de ensino e pesquisa.

Na Vila do João, por exemplo, foi criada a Unidade de Cuidados Básicos de Saúde (UCBS) no início dos anos 1980, gerenciada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) com o apoio da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). 

Durante os 12 anos de funcionamento, a UCBS da Vila do João deixou de atender os moradores em várias ocasiões devido a diversos conflitos. A unidade só foi fechada definitivamente em 1995 e é importante destacar o papel que os moradores e as associações locais tiveram mobilizando o território, provocando o Estado e participando de espaços de debate sobre saúde. 

Formação comunitária

Do ponto de vista formativo, os espaços de saúde da Maré também tiveram um papel importante na construção de lideranças locais. Um exemplo foi o Posto de Saúde Comunitário da Nova Holanda, criado em 1979, que teve apoio da Fiocruz na condução da equipe dos agentes comunitários de saúde.

Na pesquisa: Uma Maré de Lutas: memória e mobilização popular na favela Nova Holanda – Rio de Janeiro, a autora Monique Carvalho Batista escreve:

“A partir de 1981, o trabalho no Postinho toma novos rumos e se volta para a formação de agentes de saúde locais, visto que a ideia central era de formar grupos dentro daquele espaço e, buscava-se, ainda, uma maior participação dos moradores frente aos problemas da comunidade. Para isso, eram realizadas reuniões na rua, onde todos pudessem participar.”

 Na associação de moradores da Vila do Pinheiro, no início dos anos 1990, foi criado pelo Hospital Geral de Bonsucesso um ambulatório. Durante um pouco mais de um ano, além do atendimento aos moradores, também foram oferecidos cursos para formação de agentes comunitários no local.

/Já leu essas?

Experiência modelo

Com o desenvolvimento do SUS e a criação de espaços de participação popular na política de saúde, foram implementados os conselhos distritais de saúde, espaços que formulam, supervisionam, avaliam, controlam e propõem políticas públicas. 

Por meio desses conselhos, a comunidade (com seus representantes) participa da gestão pública. No início dos anos 1990, foi conduzido à presidência da primeira gestão do conselho da Área Programática 3.1, região onde fica a Maré, um usuário do sistema de saúde que era morador. 

Com essa conexão direta com o território, a Maré teve um papel fundamental para a articulação da primeira experiência no Rio de Janeiro com os postos simplificados e que foram criados dentro dos 6 CIEPS do território.  Sob a gestão de uma organização comunitária, a ONG Maré Limpa, e logo depois pela União das Associações do Bairro da Maré (UNIMAR), as instituições gerenciaram os postos até o início dos anos 2000. Essa experiência foi crucial para o fortalecimento do programa de saúde da família e para a proposta de aprimoramento dos agentes comunitários de saúde nos territórios de favelas.

Demandas específicas

Em uma matéria para o jornal O Povo de novembro de 1999, José Carlos, então diretor de uma das organizações que administrava os postos, destaca a importância das atividades culturais para envolver os moradores com a saúde e, ainda, exemplificou questões específicas da saúde da população negra da favela:

“Também já está agendado uma outra festa, desta vez na quadra da escola de samba Gato de Bonsucesso, marcada para o dia 20 deste mês, quando se comemora o Dia da Consciência Negra. Além da apresentação do grupo de músicas afro-brasileiras, serão debatidos programas de saúde voltados especialmente para as pessoas negras. Existem algumas deficiências específicas da raça negra e isso precisa ser mais trabalhado” 

Nesse sentido, é possível ver o esforço da população e das organizações comunitárias na luta pelo direito à saúde e  podemos ver o impacto no território pela criação e construção de equipamentos de saúde.

Pandemia

Na pandemia de covid-19, o tema da saúde foi central na vida de todos. Na Maré,  os moradores, as organizações e os coletivos seguiram o histórico do território e se mobilizaram para apoiar as famílias que mais precisavam, mas também para desenvolver ações de combate ao coronavírus no território. 

Um exemplo ilustrativo foi a campanha Vacina Maré, em 2021, que sensibilizou os moradores para uma vacinação em massa contra a covid-19,  com um resultado impressionante de 36 mil pessoas vacinadas em quatro dias. A campanha foi realizada com o envolvimento de organizações locais, moradores, trabalhadores da saúde, da educação, além de parcerias históricas como a Fiocruz, que garantiu as doses da vacina, mobilizando recursos e desenvolveu uma pesquisa sobre a vacinação no território. 

A experiência da Maré serviu como referência para outras cidades no país e também no cenário internacional, garantindo até reportagem no jornal americano The New York Times.  

Por fim, é possível afirmar que as lutas pelo acesso à saúde como um direito, ao longo dos anos foi e segue sendo protagonizada pelos moradores do conjunto de favelas da Maré, através de inúmeros processos de mobilização e articulação territorial. As demandas de saúde no território ainda são grandes: precisamos de mais médicos, um melhor atendimento, práticas integrativas, saúde mental, entre outras. No entanto, se nos guiarmos pelo histórico de luta e envolvimento com o tema da saúde, será possível conquistar essas melhorias para a população. 

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