Casa das Mulheres amplia atendimento para as adolescentes

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Ao completar seis anos de atividades, equipamento da Redes da Maré responde a uma demanda que surgiu durante o período de isolamento da pandemia

Por Adriana Pavlova, em 11/10/2022 às 14h

Ao festejar seus seis anos de vida neste mês, a Casa das Mulheres da Maré, equipamento da Redes da Maré, comemora também o Dia Internacional da Menina em 11 de outubro ao ampliar sua atuação junto às jovens da região, com uma programação regular especialmente dedicada às mulheres com menos de 21 anos.

A grande estrela da temporada pensada para elas é a Terça em casa, guiada por uma equipe antenada e vibrante. São encontros que acontecem às terças-feiras à tarde, das 15h às 18h, com jogos, cinema com debate, passeios e experiências artísticas. A programação para meninas na Casa das Mulheres responde a uma demanda surgida durante o período de isolamento da pandemia, quando o espaço passou a receber um número maior de jovens para o atendimento psicossocial, um dos projetos centrais que acontecem ali. 

Como uma das missões da Casa é propor respostas coletivas a demandas individuais, a solução foi buscar atividades em grupo formatadas para atrair adolescentes de todas as comunidades. Na prática, desde 2021, a direção testou diferentes formatos até chegar à ideia da Terça em casa, com uma programação instigante e variada, incluindo passeios dentro e fora da Maré e, sobretudo, muita conversa.

“A pandemia deixou as meninas sem qualquer espaço de socialização. Com as aulas suspensas, muitas vezes elas sequer tinham um quarto em suas casas para viver um momento mais particular. Daí o aumento da procura por nosso plantão psicossocial e a nossa percepção de que era hora de agir e pensar em uma resposta coletiva”, explica Julia Leal, uma das coordenadoras da Casa das Mulheres.

Mesma língua

E o acolhimento das meninas começa pela equipe formada por jovens que falam a mesma língua da turma participante. À frente da Terça em casa está Stefany Silva, multiartista cria da Maré. Ela mesma, nos últimos anos, esteve em diferentes projetos da Redes, na própria Casa das Mulheres, incluindo o Laboratório Artístico (a formação para jovens do festival Wow). Com o tempo, passou a conduzir experiências com adolescentes, testando diferentes formatos até chegar a este, com uma programação variada e já em andamento desde maio passado. 

“Os projetos são artísticos, e há sempre a preocupação de estimular a autonomia das jovens, trabalhar tanto a individualidade de cada uma como o pertencimento ao território”, conta Stefany, assumindo o aspecto experimental no processo junto às adolescentes. “É um trabalho em transformação, que segue a metodologia da própria Redes, de ir percebendo a demanda e melhorando. É um espaço que pensa na questão qualitativa, nas temáticas raciais e territoriais, além de ter foco na saúde mental dessas jovens”, explica.

No dia em que a reportagem participou da Terça em casa, a programação foi dedicada ao cinema. As meninas e a equipe se encontram no que chamam de “casinha”, que nada mais é do que um anexo recém-aberto da Casa das Mulheres, com uma das entradas pela Rua Darcy Vargas (conhecida como Rua do Valão). 

Foram as próprias participantes que escolheram o filme do dia, a partir de três opções: Soul, uma animação da Disney-Pixar, foi o ganhador. A sessão teve pipoca e suco, e no fim uma conversa em roda, para que todas pudessem refletir juntas sobre a história do filme: a de um professor de música do Ensino Médio apaixonado por jazz, cuja vida não foi exatamente como ele sonhava. Joe, o protagonista, tem a chance de viajar para outra dimensão e, ali, ao ajudar uma criatura a encontrar sua paixão, também acorda para outros sentidos de sua vida. 

Nesse dia, a roda de conversa contou também com a participação da terapeuta ocupacional Sabine Passareli, residente do Instituto de Psiquiatria (IPUB) da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que chegou para reforçar a equipe. Além dela e de Stefany, fazem parte do grupo a assistente de coordenação Myllenne Fortunato e as articuladoras Brenda Vitória e Andressa Dionísio. 

A maioria volta

Hoje, cerca de 35 jovens já passaram pela Terça em Casa e cada encontro tem de três a oito participantes. “A melhor resposta que recebemos é que a maioria volta, mesmo que nem todas as semanas”, diz Brenda, moradora do Salsa e Merengue. “Oferecemos propostas diferentes para elas se reconhecerem umas nas outras.”

Para a estudante Vitória Cristina Lima Carvalhães, de 20 anos, moradora da Nova Holanda, a Terça em casa tem sido um espaço de relaxamento. No dia da sessão do filme Soul, ela levou a irmã mais nova (que andava meio tristonha em casa), Maria Eduarda, para participar do encontro.

Programação para meninas inclui jogos, sessões de filmes com debate e muito mais | Foto: Gabi Lino

“Aqui me sinto aberta para conversar, porque somos só nós, garotas, para trocar experiências e opiniões. Num ambiente em que tem homem não me sinto à vontade para falar de mim”, diz a estudante do CIEP Professor Cesar Pernetta. 

Maré desconhecida

Os ganhos parecem, de fato, serem amplos. A Terça em casa também apresentou à Vitória uma parte da Maré nunca antes explorada por ela: o Parque Ecológico, na Vila dos Pinheiros.

“Eu nunca tinha ido à mata (como os moradores costumam chamar o parque), foi uma descoberta. É um espaço muito agradável, um lugar muito bom para ir com a família. E ali, com as outras meninas, fizemos uma experiência com novos sabores, para descobrir outras sensações”, lembra Vitória. 

A ida ao Parque Ecológico foi um dos passeios realizados pelo grupo nos últimos meses, numa proposta de circulação pelo território da Maré — como se viu no caso da Vitória, nem sempre as moradoras conhecem outras favelas do complexo. 

Também respondendo a um pedido das jovens, houve um passeio aos jardins do Museu da República e ao Museu de Arte do Rio (MAR) — nesse último, elas puderam ver a exposição Crônicas cariocas. Outra visita ao museu do Centro do Rio já está sendo agendada, dessa vez para a exposição Um defeito de cor, cuja temática é assumidamente racial. “O corpo favelado precisa transitar”, pontua Stefany.

Mulheres na Maré

Da mesma forma, nos dias das ações artísticas as atividades não são fixas. Já houve trabalho de silk, com tinta e tecido, a partir de questões relativas ao ciclo e à pobreza menstrual, e colagens respondendo à pergunta “O que é ser mulher na Maré?”. Outra atividade partiu de textos de Carolina Maria de Jesus para tratar do protagonismo das mulheres na Maré, e assim propor o que Stefany chama de “escrita automática”, que é deixar as palavras ou frases virem a partir de sensações. 

Os jogos, por sua vez, são um dos destaques da programação. Há os tradicionais, como Uno e xadrez, como também opções mais modernas de jogos brasileiros que estimulam diferentes habilidades das participantes, como criatividade, atenção, trabalho motor e até mesmo raciocínio matemático. 

A tarde de jogos da Casa das Mulheres se transformou em algo tão forte que o grupo acaba de criar um jogo próprio de cartas: é o Crônicas Maréas, ambientado na Maré e que levanta questões sobre sexualidade e reprodução. E, como o nome indica, trata-se de um projeto ligado ao canal de WhatsApp Maréas, da Casa das Mulheres, linha direta para questões de direitos sexuais e reprodutivos. Para acessar o canal, basta enviar uma mensagem para 99924-6462 e digitar 5. 

Palestras e encontros

As ações do Maréas para adolescentes vêm se desdobrando em palestras e encontros nas escolas de Ensino Médio da Maré, com jogos e conversas sobre sexualidade, e na Clínica da Família Américo Veloso, com distribuição de absorventes e roda de conversa. 

Outra ação que a Casa pretende retomar em breve, devido à grande procura no ano passado, é a que promove palestras sobre saúde sexual e reprodutiva, seguidas de encaminhamentos para colocação de DIU. Finalmente, outro projeto que deve ter continuidade nos próximos meses é o que oferece aulas de formação de manicure para jovens; este ano já aconteceram duas edições do projeto. O Terça em casa está aberto a todas as jovens da Maré de até 21 anos. Não é preciso inscrição; é só chegar e aproveitar.

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