Centro de referência na Vila do João é ponto de apoio a mulheres

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Com aumento de 57% nos casos de violência doméstica durante o isolamento da pandemia, trabalho de instituições como o CRMM ganha ainda mais relevância social

Por Elaine Lopes*, em 19/10/2022 às 12h13

Após um período fechado, por causa da pandemia, o Centro de Referência de Mulheres da Maré Carminha Rosa (CRMM-CR), que funciona na Vila do João, uma das 16 favelas da Maré, retomou as atividades presenciais na última semana. A instituição oferece diversos tipos de atendimentos, todos voltados às mulheres, principalmente as que residem na Maré e que sofrem violência doméstica. A importância da reabertura tem explicação social ilustrada por dados: houve aumento de 57% nos casos de violência durante a pandemia. Parceiros íntimos, maridos ou companheiros, surgem como os protagonistas da preocupante estatística. 

O projeto conta com uma equipe de profissionais, formada por servidores e estagiários da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Atualmente, participam do trabalho dois assistentes sociais, psicólogos, técnico administrativo, pedagogo, publicitário, social media, advogado, técnica em assuntos educacionais, motorista e auxiliar de serviços gerais. A instituição funciona de 2ª a 6ª feira de 9 às 16:30h na rua Éden (antiga 17), s/n (anexo ao posto de saúde). A iniciativa faz parte do Núcleo de Estudos em Políticas Públicas em Direitos Humanos (NEPP-DH), Órgão Suplementar do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (CFCH/UFRJ).

Dados publicados pelo Instituto Patrícia Galvão/Locomotiva em 2020 revelam que os casos de violência doméstica aumentaram durante a pandemia. Segundo a pesquisa ‘Violência doméstica contra a mulher’, o período registrou aumento do número de casos de agressões físicas e verbais, violência sexual, ataques na internet e assédio contra as mulheres.

Centro de referência está de portas abertas desde maio deste ano | Foto: Elaine Lopes

Ao longo do período de quarentena, o serviço foi prestado de forma online e a maioria das ocorrências foram registradas por mulheres de outras localidades. Já por parte das moradoras da Maré aconteceu o oposto: a procura pelo serviço se manteve baixa. Ainda não há uma explicação sobre este dado, mas especula-se que as mareenses não sabiam que a instituição estava fornecendo atendimento virtual ou se sintam “inibidas” em procurar ajuda.

O projeto retomou com o atendimento presencial desde maio deste ano. No entanto, mantém online para mulheres que já estavam sendo acompanhadas via internet. Hoje, a equipe está atuando de forma híbrida até que sejam finalizados os atendimentos que foram iniciados na pandemia com as mulheres que não moram na Maré.

Por outro lado, devido ao elevado número de atendimentos de forma remota, a equipe decidiu criar um banco de dados contabilizando essa prestação de serviço. E os números aferidos indicam que, em 2020, foram atendidas 51 mulheres. Mas aí percebe-se um súbito aumento em 2021, quando 204 mulheres buscaram o serviço. Neste ano (2022), até setembro, somavam 107 mulheres atendidas pela equipe do CRMM.

O projeto também retomou com as atividades em grupo este ano. A primeira oficina aconteceu no dia 13 de outubro, com a exibição do documentário “Estou me guardando pra quando o Carnaval chegar “, e já tem outro Cine Pipoca previsto para o próximo mês, segundo Erika Fernandes, assistente social do CRMM.

Quem pode ser atendido pelo projeto?

O Centro de Referência Mulheres da Maré prioriza os casos de violência de gênero, em especial violência doméstica. Mas os serviços que fornece são oferecidos a todas que buscam atendimento. Assim, qualquer mulher pode se beneficiar dos serviços prestados pela instituição e não somente as que estão sofrendo violência doméstica, como explica Higor Linhares de Souza, que atua na função de pedagogo do projeto. “Atendemos qualquer mulher que nos procure e damos orientações de acordo com a demanda, mas nossa preferência é acompanhar as mulheres que sofrem violência. Mas qualquer mulher que nos procure, mesmo de fora da Maré, será assistida”, esclarece. 

Higor também conta que desde o início da pandemia a procura cresceu significativamente e se manteve no mesmo ritmo. O pedagogo acredita que os atendimentos crescem em números cada vez que a divulgação do serviço é feita. E.C.L, 26 anos, moradora do Conjunto Esperança, tinha dúvidas quanto ao retorno das atividades presenciais do projeto, mas obteve a informação do retorno através de um agente comunitário de saúde que trabalha no posto da Vila do João.

A usuária conta que foi logo procurar atendimento e não encontrou dificuldade para receber o atendimento do CRMM, e demonstra a satisfação no atendimento recebido pela instituição ao declarar: “eles me deram suporte desde o primeiro contato. A assistente social me ligou, me explicou como funciona. Foi muito atenciosa”, afirma a usuária. 

O atendimento que o CRMM deu foi todo de forma online porque ela não conseguia comparecer nos dias disponibilizados pelo projeto para fornecer atendimento de forma presencial. Ela terminou interrompendo o acompanhamento por não conseguir adaptar sua agenda aos do projeto e confessa que sentiu falta do atendimento presencial.

Quem também já utilizou os serviços oferecidos pelo CRMM foi Janaina Eugênia de Jesus, 42 anos, agente comunitária de saúde, que trabalha no posto da Vila do João. “Na época em que precisei do serviço, há muitos anos, foi oferecido curso de capacitação aos agentes de saúde, sobre violência às mulheres”, informa ela. Janaína ressalta que o curso foi muito bom, “com muita orientação aos serviços de apoio à mulher”, acrescenta ela.

Janaína: uma das pioneiras do curso na Maré | Foto: Elaine Lopes

Segundo a pesquisa “Práticas de resistência para enfrentar a violência de gênero na Maré” (2022), 57% das participantes experimentaram uma ou mais formas de violência direta de gênero em casa ou na rua (34% física, 30% sexual e 45% psicológica). Quase metade ( 47%) dos atos de violência foram praticados por parceiros íntimos, com mais da metade dos incidentes ocorrendo na esfera pública (53%). Apenas 52% das mulheres que sofreram violência de gênero denunciaram ou falaram sobre o ocorrido. Mas esse número é ainda menor quando se trata da denúncia formal: apenas 2,5% denunciaram a instituições, como a polícia.

Outros serviços de apoio à mulher na Maré 

E não é apenas o CRMM que oferece apoio às mulheres da Maré. Há também a Casa das Mulheres da Maré que funciona de segunda a quinta, das 8h às 21h, nas sexta, das 8h às 17h e nos sábado, das 9h às 15h.

A Rede de Apoio à Mulher da Maré (RAMM) uma iniciativa da Luta Pela Paz, organização local que conta com a ajuda de uma rede colaborativa entre os serviços de assistência à mulher. Com a articulação de profissionais do serviço público de diversas áreas do cuidado essencial, organizações locais da sociedade civil ou universidade, que surgem estratégias conjuntas para proteger as mulheres mareenses. 

As atividades oferecidas na casa de quatro andares na Rua da Paz, n? 42, Parque União, se encaixam em diferentes frentes de trabalho: qualificação profissional, enfrentamento das violências contra as mulheres, atendimento sociojurídico e psicológico e a articulação territorial para a criação de uma agenda positiva nas políticas públicas para as mulheres. 

Há também os Serviços Especializados de Atendimento à Mulher, são eles: casas-abrigo, Casas de Acolhimento Provisório, Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs), Defensorias Públicas e Defensorias da Mulher (Especializadas), Juizados Especializados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, Promotorias e Promotorias Especializadas, Casa da Mulher Brasileira e o Serviços de Saúde Geral e Serviços de Saúde voltados para o atendimento dos casos de violência sexual e doméstica.

Contatos de apoio a mulheres que sofrem violência doméstica:

CRMM: (21) 3104-9896 e 3938-0322

Casa das Mulheres da Maré: (21) 3105-5569                     

E-mail: [email protected]                            

Central de Atendimento à Mulher: Ligue 180 

Disque Mulher: (21) 2299- 2121

*Comunicadora da primeira turma do Laboratório de Formação em Jornalismo do Maré de Notícias

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