Apesar do aumento, o consumidor não se afasta do costume de comer peixe.
Por Letícia Moser, Aline Valério e Hélio Euclides. Em 19/04/2022, às 14h50.
A Semana Santa, festa da igreja em que se comemora a Páscoa, é um dos períodos mais importantes para os cristãos. O costume de comer peixe resiste até os dias de hoje e é ligado a uma forma de praticar o jejum e a abstinência, indicada pela Igreja Católica como prática de devoção. Uma tradição que ultrapassa gerações, sendo comum neste período a multiplicação de barracas em diversas favelas, para venda de pescado e a aglomeração de consumidores, mesmo depois do feriado.
“É um tempo de abstinência, mas também devemos praticar o jejum e a caridade com os mais necessitados. Comer peixe na Semana Santa faz parte da prática e devoção cristã”, comenta Carmem Fragoso, integrante do Santuário São Paulo Apóstolo e Nossa Senhora da Paz, no Parque União.
Peixe vira alimento salgado
A inflação para o mês de março apresentou uma alta de 1,62%, representando a maior variação para este período desde 1994, e um acúmulo de 11,30% nos últimos 12 meses. Observa-se assim uma alta geral nos custos de vida da população brasileira: O Instituto Nacional de Geografia e Estatística (IBGE) informou através do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) que, de acordo com a variação mensal relativa a março de 2022, houve um aumento de 6,57% no preço do gás de botijão. Seja o peixe cozido, frito ou assado, as refeições na Sexta-Feira Santa e domingo de Páscoa foram mais caras que no passado.
Seguindo a tradição de não consumir carnes vermelhas, os peixes ganham posição de destaque e o seu preço aumentou de acordo com a demanda. No mês passado os pescados apresentaram uma alta de 0,87% no país. O bacalhau, que é no geral o ingrediente mais utilizado, principalmente no domingo de Páscoa, teve alta de 1,46% no estado do Rio. Este ano ocorreu a substituição na mesa dos brasileiros por opções de peixes mais baratos. Outros ingredientes secundários utilizados nas receitas, como o tomate e a cenoura, no âmbito nacional apresentaram respectivamente altas de 27,22% e 31,47%. Outro componente popular das refeições pascais, a batata inglesa, mostrou uma alta de 11,92% no estado.
Nesse período é comum o crescimento do número de pontos de venda de pescados. Na Maré, multiplicou-se o número de mesas espalhadas pelas favelas. Em alguns casos, são pescadores que aproveitaram a grande procura para aumentar a remuneração e se desviaram dos atravessadores. Porém, a maioria foram de feirantes que vendem o produto em dias específicos e mudaram a rotina para a venda diária. É o exemplo de Anderson Sena, que há mais de 15 anos vende peixe. No dia a dia, tem seu ponto na feira da Rua Teixeira Ribeiro, no Parque Maré, aos sábados. “A semana passada foi muito boa para nós. O grande problema foi o aumento de preço no Ceasa. Isso acarretou que acabamos repassando o preço elevado ao consumidor”, diz.
Sena destaca que os peixes que tiveram maior aumento foram a corvina, tilápia e o filé de linguado. Na sua barraca, o peixe tilápia custava R$ 17,99. Apesar dos preços elevados, a tradição persistiu. “Para escapar do aumento comprei o bacalhau no início do mês. Mas o peixe para sexta-feira foi adquirido só na véspera, para ir à mesa fresquinho”, conta Josefa Maria, moradora do Morro do Timbau. Com a diminuição do poder aquisitivo do consumidor, o que poderia ser descartado, vira alimento. É o que aconteceu com a cabeça dos pescados, que era descartada e que também foi colocada para a venda. O preço apresentado da cabeça do salmão foi de três unidades por R$ 20,99.
Na segunda-feira (18/04), todos os pontos de venda de pescado estavam fechados. Foi um dia de descanso para os vendedores e também de comemoração pela boa vendagem. Francisco de Assis, que comercializa peixe há 40 anos na Rua Teixeira Ribeiro estava em clima de festa, bebendo uma cervejinha. “Foi uma boa semana. Vendemos muito cará, pescadinha, xerelete e albacora. Só não foi melhor pois o aumentou muito o preço e consumidores reclamaram e pediram descontos, algo que não foi possível conceder. Acredito que os preços ainda vão continuar nas alturas, por motivo de não haver uma fiscalização”, conclui.
(*) Letícia Moser, Aline Valério são estudantes universitárias vinculadas ao projeto de extensão Laboratório Conexão UFRJ, uma parceria entre o Maré de Notícias e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)