Costurando pontos e encontros: a moda como resgate de histórias e memórias

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Brechó mareense mostra como as roupas ajudam na construção do protagonismo da favela

Por Alessandra Holanda(*) e Luna Galera(*)

Para quem procura exalar estilo e confiança, sabe que escolher o look certo é mais do que usar as tendências do momento, é sobre olhar no espelho e se reconhecer. A fundadora do Brechó Jeans Ancestral e moradora da Maré, Stefany Silva, entende bem do assunto e busca proporcionar uma moda política, na qual seu público possa vestir roupas que construam identidades. O intuito é trazer protagonismo à favela e às suas vivências.

Mulher preta e favelada, Stefany atua como empreendedora, diretora criativa e artista multidisciplinar. Ela conta que o seu primeiro contato com a moda aconteceu na adolescência quando, pela falta de acesso e de identificação com as roupas, começou a customizar peças. Hoje, comprometida em registrar a história da sua família e criar seu próprio legado, a jovem de vinte e quatro anos empreende com o Brechó Jeans Ancestral e se propõe a explorar o trabalho para além das roupas.

O brechó, que foi inaugurado em 2020, surgiu de uma inquietação. “Eu entendi que precisava pensar um negócio com relação a roupas, que pudesse ter um comprometimento com as mulheres da minha família. É uma família que tem o histórico de costureira e de ressignificação, como o fuxico e o boneco de estopa. Minha avó reciclava e catava latinha. Ela sempre me ensinou que a gente deve aproveitar as coisas ao máximo”, conta Stefany.

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Resistência e sensibilidade: 

O nome Jeans Ancestral carrega potência e sensibilidade. Jeans é o material com o qual Stefany tem maior contato, além disso é um tecido muito forte e remete à resistência das mulheres de sua família. Ancestral é sobre a história desse feminino, que semeou terreno fértil para que as próximas gerações também se vissem como criadoras e inventivas. Trata-se, não somente de uma homenagem às raízes, mas uma marca de lembrança constante das origens que a permitem ser quem é.

Mais do que opções para o vestuário, o brechó explora conexões com a clientela. Para Stefany, é muito mais do que apenas uma  relação comercial. “É sobre proporcionar para o meu público da Maré algo que ele se identifique, use e se sinta bem sem precisar de algum tipo de apontamento, opressão ou estereótipo. É sobre a gente ser o que queremos ser.”

A moda é livre e pode ser utilizada como meio para exaltar subjetividades e se afirmar enquanto ser político, sobretudo quando se trata de pessoas pretas. “A gente se coloca em espaços para não ser visualizado, porque somos corpos negros transitando. Hoje, eu vejo que identidade para mim, enquanto uma pessoa que está na favela e que é preta, é que a roupa também é comportamento,” conclui a estilista.

A moda na favela é alvo de fetichização pelo capitalismo, que a esvazia de significados. Nesse sentido, Stefany alerta sobre a gourmetização de práticas antigas que existem e resistem no território favelado. “Upcycling, reciclagem e customização são coisas que a favela já está fazendo há muito tempo. Então, quando a gente fala é pobreza, mas quando está na boca da zona sul é chique. Porém, essa tecnologia é nossa. E quando eu falo nossa: é a favela. Por isso, a importância e a urgência em trazer à tona o protagonismo de quem realmente está, e sempre esteve, no corre”, alerta Stefany.

Sustentabilidade e identidade:

O conceito de sustentabilidade defendido por Stefany transcende a lógica convencional. Para ela, trata-se de sustentar, não somente um processo de criação, mas histórias e os demais protagonistas do brechó. É sobre a responsabilidade e o comprometimento com a identidade e o território. “Eu não ligo mais sustentabilidade a uma questão financeira, de roupa barata ou cara. Eu trabalho com muitas demandas, preciso ser justa comigo, com as pessoas que trabalham nisso e com o que estou entregando. Isso também é sustentabilidade”.

Atualmente, Stefany tem sua mãe, amigas, tio e algumas fornecedoras da Maré como rede de trabalho. O ato de fazer girar a economia local também é uma política sustentável.

Para além da Maré, a jovem empreendedora entende a relevância de ocupar outros espaços. O Brechó Jeans Ancestral já participou de eventos no Cosme Velho, na Tijuca e na Praça XV, no Centro do Rio. “Levo o meu brechó para mostrar que a gente existe em diversas formas e diversos lugares. É a quebra desse estereótipo de que a Maré não pode acessar outros espaços. Nós circulamos, sim. E estamos no rolê.”

A favela está em foco e é a protagonista da sua própria narrativa.

(*) Alessandra Holanda e Luna Galera são estudantes de jornalismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro e fazem parte do Curso de Extensão Conexão UFRJ com o Maré de Notícias.

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