Crescimento da violência política se reflete no cenário de apreensão com as eleições

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Estudo aponta que campo político é marcado por altos índices de violência especialmente na Baixada Fluminense

Por Hélio Euclides, em 30/09/2022 às 17h44

Na noite de 14 de março de 2018, a cidade do Rio de Janeiro viu a interrupção da vida de uma mulher que lutava pela justiça racial, por uma política de segurança pública e pelos direitos humanos. A vereadora Marielle Franco teve sua trajetória interrompida por 13 tiros que atingiram o veículo, matando também o motorista Anderson Pedro Gomes. Até hoje, familiares, amigos e apoiadores lutam por justiça, para saber o mandante da morte de Marielle. A violência política não parou aí, em diversas partes do estado do Rio de Janeiro há ameaças e mortes. Pensando nisso, na terça-feira (27/09), foi lançado o levantamento Violência Política na Baixada Fluminense e na Baía de Ilha Grande.

Depois de Marielle, as violências não terminaram. Foram diversas ameaças, entre elas contra a deputada federal Talíria Petrone, a deputada estadual Erica Malunguinho, a primeira mulher trans eleita em uma assembleia legislativa, o vereador transexual Thammy Miranda, a vereadora paulistana Erika Hilton e a vereadora Benny Briolly, a primeira travesti eleita por Niterói. 

De acordo com o Observatório da Violência Política e Eleitoral (2022), formado por pesquisadores do Grupo de Investigação Eleitoral (Giel) da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), o Brasil registrou, nos últimos três anos, 1209 casos de violência política. Se em janeiro de 2019, quando teve início o governo Jair Bolsonaro, foram contabilizados 47 casos, em junho de 2022, ocorreram 214, o que representa um crescimento de 335% nos casos desse tipo. Quando comparados os números de casos de violência contra lideranças políticas no país nos primeiros seis meses de 2022 com o mesmo período do último ciclo eleitoral, o pleito municipal de 2020, também se verifica um aumento: os registros tiveram um acréscimo de 17,4%. Apenas em 2022, foram 45 homicídios.

O próximo domingo, dia 2 de outubro, é marcado pelas eleições presidenciais mais acirradas dos últimos tempos. Os dados levantados pela pesquisa evidenciam um cenário de insegurança, tanto para pessoas públicas quanto para a população em geral. Segundo um levantamento do Observatório da Violência Política e Eleitoral da Unirio, na primeira metade de 2022, foram registrados 214 casos de violência contra lideranças políticas. Além disso, uma pesquisa do Datafolha, divulgada no dia 14 de setembro, aponta que 67,5% dos brasileiros afirmam que temem ser vítima de violência política.

Duas regiões com a mesma violência

A cada 45 dias, um político é assassinado na Baixada Fluminense. É o que apontam os dados da pesquisa Violência Política na Baixada Fluminense e na Baía da Ilha Grande, analisados entre janeiro de 2021 e junho de 2022. O estudo foi desenvolvido por pesquisadores do Observatório de Favelas, da Universidade Federal Fluminense (UFF), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e da Universidade Witwatersrand (WITS), da África do Sul, com apoio da Fundação Heinrich Boll e da Open Society Foundations. O levantamento analisa diferentes modalidades de violência política e lista uma série de recomendações para combater os processos de violência política instalados nas regiões estudadas.

De acordo com o estudo, dos 31 casos de violência política mapeados, 28 foram cometidos na Baixada Fluminense e três na região de Ilha Grande. Destas, 23 foram praticadas com o uso de armas de fogo e 12 foram execuções sumárias, todas na Baixada. As demais foram estas: atentados contra a vida, ameaça, invasão de espaço político, depredação de espaço político, violência política de gênero, e disparo de arma letal contra manifestação política no período.

O município líder em número de casos de violência política foi Duque de Caxias que contabilizou 10 ataques, seguido por Nilópolis com quatro ocorrências. Logo atrás vem as cidades de Nova Iguaçu, São João de Meriti e Itaguaí. A expansão das milícias nestes territórios tem influência direta nos casos de violência política analisados. Dos 31 casos de violência política mapeados, 13 foram cometidos em áreas de milícias, nove deles foram execuções. 

É importante destacar que, para além dos casos de violência política quantificados pelo estudo, as entrevistas realizadas mostraram que há um conjunto de violências mais estruturais que atingem principalmente mulheres negras na política. As mulheres entrevistadas relataram diversos casos de agressões físicas e verbais, ameaças, intimidações, violência institucional e violência política de gênero e raça.

O estudo usou como metodologia o levantamento de casos de violência política em jornais, pesquisas complementares na internet, entrevistas e monitoramento e análise das mídias sociais de políticos que atuam na área da segurança pública nas regiões estudadas. 

A pesquisa apresentou, por fim, um conjunto de recomendações direcionadas aos Ministérios Públicos Eleitorais, ao Poder Legislativo, aos Tribunais de Contas e aos Partidos Políticos para a reversão dos processos de violência política instalados, especialmente nas regiões estudadas, Baixada e na Baía da Ilha Grande. Entre elas, destacam-se:

  1. Coibir o discurso de ódio e de incentivo à violência por parte de políticos em quaisquer meios, principalmente em casos de violência de gênero e raça;
  2. Estabelecer mecanismos de proteção à vida de políticas/os ameaçadas/os de morte, priorizando mulheres, pessoas negras e LGBTQIA+;
  3. Organizar grupos de trabalho participativos especialmente dirigidos para a discussão e prevenção da violência política no estado do Rio de Janeiro, com foco nas regiões da Baixada Fluminense e da Baía da Ilha Grande.
  4. Criar estruturas especializadas nas casas legislativas para a prevenção de violência política e proteção de parlamentares ameaçadas/os de morte;
  5. Ampliar e refinar mecanismos de controle que garantam que os recursos públicos, principalmente municipais, não sejam utilizados para fins de clientelismo eleitoral;
  6. Estimular a participação de pessoas negras, mulheres e LGBTQIA+ dentro dos diretórios dos partidos;
  7. Reprimir práticas sexistas, misóginas, racistas e LGBTQIA+fóbicas no cotidiano das práticas partidárias.

Uma eleição sem manifestação por voto

Um caso de grande repercussão foi o de Marcelo Arruda, guarda municipal e tesoureiro do Partido dos Trabalhadores (PT) em Foz do Iguaçu, no Paraná. Marcelo foi morto durante sua festa de aniversário que tinha como tema o PT e o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva. Um policial penal federal, que se identifica nas redes sociais virtuais como apoiador de Jair Bolsonaro, invadiu armado o lugar onde a festa ocorria e disparou contra o aniversariante enquanto gritava o nome do presidente. Apesar das claras evidências, a Polícia Civil do Paraná concluiu em inquérito que o crime não teria sido motivado por hostilidade política.

Uma jornaleira, moradora de Ramos, que prefere não se identificar com receio de represália, disse que não revela o seu voto. “Quando me perguntam sobre quem vou votar, acabo omitindo a verdade e menciono um candidato que não está bem nas pesquisas. Desconfio que alguns radicais de verde-amarelo andam armados”, conta. 

As ofensas verbais são recorrentes nessa eleição. Luiz Costa, professor na Maré, já recebeu ofensas de responsáveis de alunos e parentes quando descobrem que sua opção é por voto em candidatos progressistas. “Quando recebo fake news e aviso que a notícia é comprovadamente falsa, vem as ofensas. Outro dia, dois bolsonaristas tomavam cerveja e tinha um homem caído ao chão próximo. Perguntei se o rapaz precisava de ajuda e quase apanhei. Eles xingaram um palavrão e disseram que trabalham o dia todo e ninguém pergunta como estão. E debocharam, mandando levar o rapaz para casa”, lamenta.

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