Conexão G aposta na coleta de dados para demandar políticas públicas para favelas e espaços periféricos de maneira geral
Maré de Notícias #137 – junho de 2022
Por Gabriel Horsth, em 15/06/2022 às 07h.
Viver no Brasil sendo uma pessoa LGBTQIA+ é tarefa árdua, pois o país segue líder no ranking mundial de assassinatos de membros dessa comunidade. Segundo o Dossiê de Mortes e Violências contra LGBTI+ no Brasil, houve um aumento no número de assassinatos de 2020 para 2021 de 33,3%, resultando em mais de 316 mortes de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transsexuais e intersexos ao longo do último ano. O levantamento feito conjuntamente pela Acontece Arte e Política LGBTI+, pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) e pela Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Intersexos (ABGLT) surge de uma base de dados que levanta anualmente os registros de violências em vários veículos de comunicação do país. Contudo, quem coleta os dados de violência contra LGBTI+ dentro das favelas?
O propósito do Observatório de Violência LGBTI+ na Maré, do Conexão G, grupo fundado em 2006 por Gilmara Cunha, é exatamente compreender melhor esta situação no contexto do maior conjunto de favelas do Rio de Janeiro. Sendo assim, a ideia é produzir e analisar dados acerca das violações de direitos e violências às quais esta parcela da população é sistematicamente submetida . O projeto tem parceria com o Data_Labe, a Coding Rights e o projeto Direito em Pretuguês, além do apoio do Instituto Raça e Igualdade, da Fundação TideSetubal e do Fundo Brasil de Direitos Humanos.
Gilmara Cunha, de 36 anos, atua na área dos direitos civis LGBTI+ desde 2006, quando fundou a primeira ONG LGBTI+ do Brasil em uma favela, o Grupo Conexão G. Desde então, ela conta que um dos principais desafios enfrentados é incentivar a construção de políticas públicas que atendam o direito da população LGBTI+ favelada, já que não há coleta de dados sobre as violações de direitos que crianças, jovens e adultos enfrentam nesses territórios. “Queremos que esses corpos existam dentro do território da favela com segurança”, afirma.
Coordenadora do primeiro Centro de Cidadania LGBT (CCLGBT da Maré) de uma favela no Brasil, Gilmara reconhece que, por muito tempo, os movimentos de favelas não se organizaram para esse tipo de ação: “A gente não tem o costume de sistematizar essas violências. E quando a gente evidencia, garante o mínimo de política pública. Sabendo que, ainda assim, não é o ideal”.
Outro grande desafio que o projeto enfrenta se dá na relação com as vivências individuais de cada pessoa que relata sua história em forma de denúncia. “A gente tem pensado muito no autocuidado para assegurar a coleta dos dados e um atendimento humanitário”, diz a ativista.
Espaço de cuidado
Os grupos focais são espaços de reflexão, denúncia e autocuidado direcionados às pessoas LGBTI+ das 16 comunidades do conjunto de favelas da Maré. Cada grupo atendido pelo Observatório participa de uma formação sobre direitos humanos básicos, previstos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, cujo conhecimento é essencial, especialmente para pessoas LGBTI+ de favelas e a grupos sociais oprimidos.
Emily da Cruz, de 25 anos, e Vinícius Silva, de 26 anos, trabalham para reunir as evidências a serem apresentadas ao poder público e, assim, demandar políticas públicas efetivas e direcionadas para essa população LGBTI+. A dupla conta que o projeto é uma oportunidade de fazer algo em prol das populações faveladas.
Vinícius explica que o Observatório busca entender as múltiplas realidades da população LGBTI+ na Maré: “Nós nos deparamos com histórias de não violência que enriquecem o projeto. Faz a gente perceber que a forma como o Estado vê a gente é limitada. Também conseguimos ser felizes no território, com nossos corpos e com a dura vida que temos”. Emily, por sua vez, ressalta que a coleta de dados é algo novo e um desafio, ao ressignificar essas histórias. “A gente tenta gerar uma transformação para essas realidades; o Observatório é uma possibilidade de manutenção de vida digna”, reflete a jovem.
O projeto busca produzir incidência política através de mecanismos de proteção dos direitos humanos e órgãos que tenham participação nas tomadas de poder e que, eventualmente, possam somar no coro pelas recomendações definidas após as análises dos dados coletados. O trabalho dos pesquisadores vai se estender até o segundo semestre deste ano, e o dossiê final visa dar visibilidade aos crimes cometidos dentro de espaços marginalizados e ocupados por organizações criminosas. “Os assassinatos em favelas devem ser registrados como crime de homofobia”, diz Gilmara. O dossiê com a análise final dos dados será lançado em 10 de dezembro, Dia Internacional dos Direitos Humanos.